Retrocessos voltam a ameaçar Mata Atlântica

Novo Atlas aponta: desmatamento cresceu 57,7% em 2015-16, após mudanças no Código Florestal. Pecuária é uma das causas. Sul da Bahia, refúgio de espécies ameaçadas, é a região mais atingida




A Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) divulgam nesta segunda-feira (29) os novos dados do Atlas da Mata Atlântica, referentes ao período de 2015 a 2016. O estudo aponta o desmatamento de 29.075 hectares (ha), ou 290 Km2, nos 17 Estados do bioma Mata Atlântica – representando aumento de 57,7% em relação ao período anterior (2014-2015), referente a 18.433 ha. O estudo, na íntegra, está aqui.

Marcia Hirota, diretora-executiva da SOS Mata Atlântica, observa que há 10 anos não era registrado no bioma um desmatamento nessas proporções. “O que mais impressionou foi o enorme aumento no desmatamento no último período. Tivemos um retrocesso muito grande, com índices comparáveis aos de 2005”, disse. No período de 2005 a 2008 a destruição foi de 102.938 ha, ou seja, média anual de 34.313 ha.

Neste levantamento, a Bahia foi o estado que liderou o desmatamento com decréscimo de 12.288 ha – alta de 207% em relação ao ano anterior, quando foram destruídos 3.997 ha. Dois municípios baianos – Santa Cruz Cabrália e Belmonte – lideram o ranking dos maiores desmatadores, com supressão de 3.058 ha e 2.119 ha, respectivamente. Se somados aos desmatamentos identificados em outras cidades do Sul da Bahia, como Porto Seguro e Ilhéus, cerca de 30% do total do bioma foi destruído nessa região, que historicamente é conhecida pela chegada dos portugueses e pelo início da colonização do país. “Essa região é a mais rica do Brasil em biodiversidade e tem grande potencial para o turismo. Nós estamos destruindo um patrimônio que poderia gerar desenvolvimento, trabalho e renda para o estado”, complementa Marcia.

Um sobrevoo realizado por técnicos da SOS Mata Atlântica, em 16 de maio deste ano sobre os municípios de Santa Cruz Cabrália e Belmonte, constatou queimadas em floresta, conversão da floresta em pastagens e processos de limpeza de áreas onde o entorno apresenta forte atividade de silvicultura.

A vice-liderança do ranking do desmatamento da Mata Atlântica ficou com Minas Gerais, com 7.410 ha desmatados, seguido por Paraná (3.453 ha) e Piauí (3.125 ha).

Em Minas Gerais, os principais pontos de desmatamento ocorreram nos municípios de Águas Vermelhas (753 ha), São João do Paraíso (573 ha) e Jequitinhonha (450 ha), região reconhecida pelos processos de destruição da Mata Atlântica para produção de carvão ou pela conversão da floresta por plantios de eucalipto. Minas liderou o ranking em sete das últimas nove edições do Atlas da Mata Atlântica, sempre com municípios dessa região figurando na lista dos maiores desmatadores.

Já no Paraná, os índices de desmatamento voltaram a subir pelo segundo ano consecutivo, passando de 1.988 ha destruídos entre 2014 e 2015 para 3.545 ha entre 2015-2016, aumento de 74%. E um alerta continua: a destruição concentra-se na região das araucárias, espécie ameaçada de extinção, com apenas 3% de florestas remanescentes.

No Piauí, os maiores desmatamentos ocorreram em Manoel Emídio (1.281 ha), Canto do Buriti (641 ha) e Alvorada do Gurguéia (625 ha), municípios limítrofes entre si e próximos ao Parque Nacional Serra das Confusões. Esse é o quarto ano consecutivo que o Atlas registra padrão de desmatamento nesses municípios que ficam numa importante região de fronteira agrícola, que concentra a produção de grãos e é também área de transição entre a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga.

Para Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, a situação é gravíssima e indica uma reversão na tendência de queda do desmatamento registrada nos últimos anos. E, para ele, não é por acaso que os quatro estados campeões de desmatamento são conhecidos por sua produção agropecuária.

“O setor produtivo voltou a avançar sobre nossas florestas, não só na Mata Atlântica, mas em todos os biomas, após as alterações realizadas no Código Florestal e o subsequente desmonte da legislação ambiental brasileira. Pode ser o início de uma nova fase de crescimento do desmatamento, o que não podemos aceitar”, destaca.

Segundo ele, a ofensiva continua com a tentativa de flexibilização do licenciamento ambiental e diversos ataques ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

“No momento em que o caos está instalado em Brasília, numa crise política que tem no seu centro a maior empresa de carnes do mundo, a bancada do agronegócio e o núcleo central do governo federal avançam, de forma orquestrada e em tempo recorde, sobre o nosso sistema de proteção ambiental. A sociedade não pode ficar alheia às decisões tomadas por nossos governantes e legisladores. Precisamos nos mobilizar para frear o desmonte da nossa legislação”, conclui.


Mangue e Restinga
No período de 2015 a 2016 foi identificada supressão da vegetação de restinga em 9 dos 17 estados do bioma: Ceará (788 ha), Piauí (244 ha), Santa Catarina (199 ha), Bahia (64 ha), Sergipe (50 ha), São Paulo (32 ha), Rio de Janeiro (29 ha), Paraná (14 ha) e Rio Grande do Norte (6 ha).

Já o desmatamento em mangues aconteceu apenas na Bahia, em uma área de 68 ha.
Desmatamento zero

Em maio de 2015, 17 secretários de Meio Ambiente dos Estados da Mata Atlântica assinaram a carta “Nova História para a Mata Atlântica”, compromisso que prevê a ampliação da cobertura vegetal nativa e a busca do desmatamento ilegal zero no bioma até 2018.

Entretanto, após dois anos do acordo, esta edição do Atlas da Mata Atlântica aponta que apenas cinco estados estão no nível do desmatamento zero, ou seja, com menos de 100 hectares (1 Km2) de desflorestamentos, somadas áreas desmatadas em florestas, mangues e restingas: Rio Grande do Norte (6 ha), Alagoas (11 ha), Paraíba (32 ha), Pernambuco (16 ha) e, Rio de Janeiro (66 ha).

Não estão mais no nível de desmatamento zero Goiás, com 149 ha desmatados; Ceará, com 797 ha e São Paulo, com 730 ha. A boa notícia fica para Pernambuco, que voltou para a lista desse ano com a redução de 88% do desmatamento – passou de 136 ha entre 2014 e 2015 para 16 ha no último ano.

“Apesar do grande aumento do desmatamento em São Paulo, é importante destacar que 90% ocorreu por causas naturais, mais especificamente vendavais e tornados que atingiram os municípios de Jarinu, Atibaia, Mairinque, São Roque e Embu-Guaçu em 5 de junho do ano passado”, esclarece Flávio Jorge Ponzoni, pesquisador e coordenador técnico do estudo pelo INPE.

Confira o ranking completo dos estados:
Desmatamentos entre 2015-2016, em hectares*
UFÁrea UFLei Mata Atlântica% BiomaMata 2016% MataDesmatamento 2015-2016Desmatamento 2014-2015Variação
BA56.473.404 17.988.59532%2.014.52811,2%12.288 3.997207%
MG58.651.979 27.622.62347%2.836.00410,3%7.410 7.702-4%
PR19.930.768 19.637.89599%2.283.73111,6%3.453 1.98874%
PI25.157.775 2.661.84111%905.26834,0%3.125 2.9267%
SC9.573.618 9.573.618100%2.204.98323,0%846 59841%
SP24.822.624 17.072.75569%2.346.48113,7%698 451462%
ES4.609.503 4.609.503100%483.54110,5%330 153116%
MS35.714.473 6.386.44118%706.84111,1%265 2631%
RS26.876.641 13.857.12752%1.093.3027,9%245 16053%
10ºSE2.191.508 1.019.75347%70.1666,9%160 363-56%
11ºGO34.011.087 1.190.1843%30.3862,6%149 34345%
12ºRJ4.377.783 4.377.783100%819.58418,7%37 2737%
13ºPB5.646.963 599.48711%54.9249,2%32 11206%
14ºPE9.815.022 1.690.56317%197.18111,7%16 136-88%
15ºAL2.777.724 1.524.61855%143.4339,4%11 4181%
16ºCE14.892.047 866.1206%64.0657,4%9 3149%
17ºRN5.281.123 350.9947%12.2193,5%0 23
TOTAL29.075 18.43357,7%
 *A tabela indica os desflorestamentos, em hectares, somente das florestas nativas (sem contar outras classes, como vegetação de mangue e restinga), observados no período 2015-2016, com comparativo e variação em relação ao período anterior (2014-2015).
Abaixo, total de desflorestamento na Mata Atlântica identificados pelo estudo em cada período (em hectares):
Desmatamento observadoTotal desmatadoIntervalo (anos)Taxa anual
Período de 2015 a 201629.075129.075
Período de 2014 a 201518.433118.433
Período de 2013 a 201418.267118.267
Período de 2012 a 201323.948123.948
Período de 2011 a 201221.977121.977
Período de 2010 a 201114.090114.090
Período de 2008 a 201030.366215.183
Período de 2005 a 2008102.938334.313
Período de 2000 a 2005174.828534.966
Período de 1995 a 2000445.952589.190
Período de 1990 a 1995500.3175100.063
Período de 1985 a 1990536.4805107.296
Total 1985 a 20161.916.671
Dados completos e o relatório do Atlas da Mata Atlântica 2017 disponíveis em www.sosma.org.br e www.inpe.br

Faça download de imagens dos mapas do monitoramento em https://goo.gl/NRc81I


Sobre a Mata Atlântica


A Mata Atlântica está distribuída ao longo da costa atlântica do país, atingindo áreas da Argentina e do Paraguai nas regiões Sudeste e Sul. De acordo com o Mapa da Área de Aplicação da Lei nº 11.428, a Mata Atlântica abrangia originalmente 1.309.736 km2 no território brasileiro. Seus limites originais contemplavam áreas em 17 estados: PI, CE, RN, PE, PB, SE, AL, BA, ES, MG, GO, RJ, MS, SP, PR, SC e RS.


Sobre a Fundação SOS Mata Atlântica

A Fundação SOS Mata Atlântica atua desde 1986 na proteção dessa que é a floresta mais ameaçada do país. A ONG realiza diversos projetos nas áreas de monitoramento e restauração da Mata Atlântica, proteção do mar e da costa, políticas públicas e melhorias das leis ambientais, educação ambiental, campanhas sobre o meio ambiente, apoio a reservas e Unidades de Conservação, dentre outros. Todas essas ações contribuem para a qualidade de vida, já que vivem na Mata Atlântica mais de 72% da população brasileira. Os projetos e campanhas da ONG dependem da ajuda de pessoas e empresas para continuar a existir. Saiba como você pode ajudar em www.sosma.org.br.


Sobre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) atua nas áreas de Observação da Terra, Meteorologia e Mudanças Climáticas, Ciências Espaciais e Atmosféricas e Engenharia Espacial. Possui laboratórios de Computação Aplicada, Combustão e Propulsão, Física de Materiais e Física de Plasmas. Presta serviços operacionais de monitoramento florestal, previsão do tempo e clima, rastreio e controle de satélites, medidas de queimadas, raios e poluição do ar.

O INPE aposta na construção de satélites para produção de dados sobre o planeta Terra, e no desenvolvimento de pesquisas para transformar estes dados em conhecimento, produtos e serviços para a sociedade brasileira e para o mundo. Também se dedica à distribuição de imagens meteorológicas e de sensoriamento remoto, e à realização de testes e ensaios industriais de alta qualidade. Além disso, o Instituto transfere tecnologia, fomentando a capacitação da indústria espacial brasileira e o desenvolvimento de um setor nacional de prestação de serviços especializados no campo espacial. Mais informações em www.inpe.br.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Breve história crítica dos feminismos no Brasil

Excluídas da história oficial, as mulheres fazem do ato de contar a própria trajetória uma forma de resistência. Neste ensaio, publicado na...