Menino com deficiência intelectual sofre abuso sexual por 11 jovens

Menino de apenas 13 anos que sofre de um quadro de doença mental foi vítima de abusos sexuais por parte de um grupo de 11 jovens no sul da Itália. Caso veio à tona depois que a mãe da vítima denunciou a barbárie

Um menino de 13 anos de idade que sofre de um quadro leve de doença mental foi vítima de abusos sexuais por parte de um grupo de 11 jovens, em Giugliano, Nápoles, no sul da Itália. As informações são da agência italiana ANSA e de jornais locais.
De acordo com as autoridades, o caso veio à tona após uma denúncia da mãe da vítima. Todos os acusados são menores de idade, sendo que três deles têm menos de 14 anos.
O episódio ganhou repercussão na Itália e estampou as páginas dos principais jornais do país nesta sexta-feira (24).
“Esse caso é terrível. Não tenho palavras para comentar. A ideia de serem cometidos crimes sexuais, ainda mais por crianças, é desconcertante”, disse o prefeito de Giugliano, Antonio Poziello.
A mãe da vítima contou que os crimes ocorreram várias vezes a partir de janeiro e que procurou a polícia ao notar um comportamento estranho do filho quando estava na companhia do grupo.
Os jovens praticavam bullying contra a criança e ameaçavam matá-la se não se submetesse às agressões sexuais, que ocorriam na rua ou na casa dos adolescentes.
Dos 11 acusados, oito foram colocados sob medidas socioeducativas e os três com menos de 14 anos não puderam sofrer sanções penais.

Brasil

No Brasil, um caso semelhante aconteceu em junho de 2016 na cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará.
Uma criança de apenas 9 anos com necessidades especiais foi estuprada coletivamente dentro da própria escola por outros estudantes, que o seguraram e taparam sua boca para que não gritasse.
 Relembre sobre este episódio bárbaro Aqui

Queimada viva em nome de Deus: o suplício da nicaraguense jogada numa fogueira

Crime atormenta uma comunidade conservadora e machista e abre um debate sobre a violência contra as mulheres






Seu nome era Vilma Trujillo García e morreu depois de ter sido queimada numa fogueira. A mulher, de 25 anos e mãe de dois filhos, lutou pela vida durante mais de 24 horas de agonia, nas quais suportou queimaduras de segundo e terceiro grau que calcinaram 80% do corpo: os seios, as coxas, parte do rosto e as costas ficaram carbonizados. Era o sofrimento que teve de pagar depois que membros fanáticos de sua congregação religiosa determinaram que estava “possuída pelo demônio” e que deveria arder na fogueira para se libertar do diabo.

Vilma Trujillo García agonizou queimada numa distante comunidade do Caribe nicaraguense, El Cortezal. O crime atormenta uma sociedade extremamente conservadora e machista e abre um debate sobre a violência contra as mulheres que mostrou seu nível mais brutal com o suplício na fogueira da jovem camponesa.

El Cortezal é terra de ninguém. Aqui não há presença do Estado, não há escola, hospital ou delegacia de polícia. A lei e a ordem são impostas pela religião. A principal autoridade é o pastor da congregação. El Cortezal não é sequer uma aldeia. É um ponto de referência. Fica nas altas montanhas da região central do Caribe da Nicarágua, rodeada por culturas de feijão e grandes pastagens para o gado, que substituíram a floresta tropical. Para chegar até aqui é preciso alugar uma caminhonete na maior cidadezinha das proximidades, o município de Rosita. É preciso rodar durante cerca de quatro horas numa estrada em péssimo estado, com enormes buracos cheios de lama. O carro avança balançando até um ponto onde a estrada está interditada. A partir daí é preciso seguir a pé durante três horas entre rios, floresta, montanhas rochosas e encostas tão íngremes que um passo em falso pode resultar numa queda fatal. Os andarilhos devem descansar durante o trajeto para não desfalecer por causa do difícil acesso, das altas temperaturas e da umidade sufocante. Esse caminho tortuoso foi feito por Vilma Trujillo quando, depois de horas de sofrimento, tiveram pena dela e a desceram pendurada numa rede carregada por quatro homens. Foi o começo do fim do seu tormento.



"O pastor estava alegre e dizia: ‘Você já vai morrer e vai ressuscitar!’", conta a irmã de Vilma
Em El Cortezal não existe muita coisa para ver. A terra é negra e rochosa sob um céu de azul intenso, mas que pode mudar de um momento para o outro para um tom cinza tenebroso, anúncio de tempestade. Sobre uma colina se ergue a igreja evangélica, uma rústica construção de madeira onde a cada sábado se reúnem os membros da congregação para o culto semanal, dirigido há dois anos pelo pastor Juan Rocha, um homem de 23 anos que ordenou a sentença de morte de Vilma Trujillo.

Essa congregação é parte das Assembleias de Deus, uma organização pentecostal com mais de 30.000 fiéis na Nicarágua e centenas de pequenas igrejas plantadas em todo o território do país. Ali onde o Estado não existe, há uma igreja evangélica.

Assassino é o resultado de um coquetel letal: a misoginia, um Estado ausente, o machismo e o fanatismo religioso
Diante do templo de El Cortezal fica a casa pastoral, também de madeira, com chão de terra, uma porta e uma janela como únicos espaços para que a luz penetre. É uma construção escura, asfixiante, onde morava o pastor e onde Vilma ficou trancada depois de receber sua condenação. Dentro dessa construção, numa esquina, o chão está queimado: a congregação fez uma pequena fogueira para queimar as fezes Vilma, que não podia sair de seu confinamento. A poucos metros dessas duas construções, no sopé da colina, ainda há restos de troncos carbonizados, a fogueira onde ardeu a mulher.


Os habitantes dessa comunidade, distribuídos a vários quilômetros ao redor, são gente pobre, camponeses que se dedicam ao cultivo de feijão, à criação de porcos ou de gado. Vivem em cabanas de madeira que parecem tão frágeis que o vento destruidor que açoita a região parece estar a ponto de derrubá-las. São pessoas arredias, que não estão acostumadas com a visita de estranhos. Aqui não há energia ou água corrente. A única ligação com o mundo são os pequenos rádios de pilha que os moradores usam para sintonizar as emissoras religiosas. As crianças correm sujas, algumas cheias de feridas, com as barrigas alimentadas apenas com feijão, arroz e bananas verdes cozidas em fogueiras. A alimentação de cada dia varia apenas em alguma festa religiosa, quando se dão o luxo de comer um pouco de carne. Suas vidas avançam submetidas à fé religiosa. Tudo é em nome de Deus, em primeiro lugar Deus ou se Deus quiser. A fé dita o comportamento. Tratam se de irmãos, respeitam as normas rigorosas impostas pelo pastor, que ordena à mulher submeter-se ao marido e estabelece que seu lugar é na cozinha e na criação dos filhos. Os dias começam às três da manhã e terminam às oito da noite. Todos frequentam os cultos religiosos. O adultério aqui é um crime que se paga com o ostracismo. E todos, sem exceção, acreditam no demônio.




Gregorio Rocha e Aura Alecrim, pais do pastor que ordenou a queima em uma fogueira de Vilma Trujillo García, com seus dez netos, abandonados a sua sorte após que seus pais fossem capturados e tribunais em Managua. CARLOS HERRERA
A tortura
Até a manhã de fins de fevereiro de 2017, a maioria dos nicaraguenses nunca tinha ouvido falar de El Cortezal. O horror imposto como tortura contra uma mulher levou essa comunidade às manchetes da imprensa nacional e estrangeira. Na tarde de 15 de fevereiro, Juan Gregorio Rocha, pastor da igreja Visão Celestial das Assembleias de Deus, visitou Vilma Trujillo García na casa de José Granados, cunhado da jovem. Rocha disse que ouvira falar que Vilma estava doente, tinha alucinações, falava sozinha, ignorava as pessoas quando se dirigiam a ela, e por isso decidiu organizar orações de cura em seu nome. A família da mulher, profundamente religiosa, permitiu que o pastor a levasse. Ela foi acompanhada pela irmã de 15 anos, M.T.G. Vilma ficou trancada na casa do pastor até 21 de fevereiro, com mãos e pés atados. O pastor decretou jejum para a congregação e jornadas de oração, enquanto tramava o final de Vilma.


Igreja repudia o caso: "Como Assembleias de Deus nós nunca ensinamos nem aceitamos esse tipo de atividade"


Teve a colaboração de seus irmãos, Pedro José Rocha Romero e Tomasa Rocha Romero. E também de dois membros da congregação, Franklin Hernández e Esneyda del Socorro Jarquín. Pediu-lhes apoio para convencer o resto dos moradores de El Cortezal que frequentavam a igreja Visão Celestial de que Vilma estava possuída pelo demônio. Depois de seis dias de jejum e oração para que Deus revelasse como curar a jovem, Esneyda Jarquín anunciou que tinha recebido uma revelação divina: Deus lhe disse que eles deveriam acender uma fogueira e jogar Vilma no fogo para libertá-la de sua possessão satânica. Tomasa Rocha foi a responsável por ordenar os homens da congregação para recolher lenha para a fogueira, enquanto Franklin Hernández e Pedro Rocha amarraram a jovem pelos pés e mãos a um tronco de árvore localizado perto da fogueira, já acesa. Eles seriam os responsáveis por jogá-la às chamas.


O ritual foi realizado às 5h30. Naquele horário, Esneyda Jarquín disse que era o momento em que todos deveriam se afastar da fogueira para rezar e assim cumprir a ordem de Deus. Pedro e Franklin soltaram Vilma do tronco, que continuava com os pés e mãos amarrados. A jovem, desesperada, opôs resistência. Os homens a jogaram na fogueira e Vilma começou a arder, seus gritos de desespero chegaram à igreja, onde outros membros da congregação estavam rezando, entre eles a irmã de Vilma, que não foi autorizada a sair. O pastor Rocha e seus companheiros deixaram a mulher ardendo. O fogo queimou as cordas que a prendiam, o que possibilitou que ela saísse das chamas, quando seu corpo já estava queimado. A mulher ficou perto da fogueira, sofrendo com as queimaduras.




“Quando eu a vi já estava escuro. Estava toda queimada. Ela se contorcia e dizia ‘ai, ai, ai, eu vou morrer’. O pastor estava alegre e dizia: ‘Você já vai morrer e vai ressuscitar! Quando ela morrer vamos colocá-la na igreja e entregá-la a Deus; ela estará saudável, não terá essas queimaduras’”, diz M. T. G.


Só na tarde daquele dia, depois de sete horas de sofrimento, que o pai de Vilma, Catalino López Trujillo, e seu primo, Roberto Trujillo, puderam resgatá-la e organizar seu traslado para Rosita. Eles a desceram da montanha numa rede.



A maioria dos nicaraguenses nunca tinha ouvido falar de El Cortezal, até o crime levar o local às manchetes do país

Ervin Girón é motorista da sede da Ação Médica Cristã (AMC) em Rosita, uma organização de ajuda humanitária que trabalha em regiões pobres melhorando as condições de vida dos seus habitantes. Girón recebeu uma chamada de emergência, disseram que havia uma pessoa queimada em estado grave que deveria ser levada até Rosita. Devido à escassez de equipamentos médicos nesse município da Nicarágua, é comum que a AMC empreste seus veículos para remoções de emergência. Girón viajou com uma enfermeira. “Quando chegamos, ela estava um pouco consciente. Era possível ver a carne viva e uma espécie de casca de pele em algumas partes. Fizemos uma punção venosa. Quando estávamos no caminho pensei que ele iria morrer. Fechou os olhos e a enfermeira tocava nela para que não dormisse. Ela me disse para eu andar mais rápido e o que fiz foi acelerar”, conta o jovem em sua pequena casa em Rosita.



A família de Vilma está escondida nas montanhas temendo represálias dos vizinhos

A mulher foi atendida no hospital Rosario Pravia daquela localidade. O doutor David Saravia Flores, diretor do hospital, descreve as condições em que chegou. “Recebemos a paciente em estado grave, com queimaduras de segundo e terceiro grau na face, na parte posterior das orelhas, no tórax, no abdômen, nas coxas e nas pernas. Essas queimaduras são classificadas como não compatíveis com a vida. Foi feita uma lavagem cirúrgica, todos os exames, e preparamos para transferi-la por via aérea a Manágua”, conta o médico. “A dor das queimaduras é o tipo de dor menos tolerado pelo ser humano. Por causa da profundidade e da extensão das queimaduras, estas eram insuportáveis para a paciente. Tivemos de fazer uso de analgésicos bastante fores”, explica.

Rosita é um município localizado no chamado Triângulo Mineiro, formado por duas outras localidades, Suina e Bonanza. As três cidadezinhas são famosas por suas minas de ouro, exploradas por empresas colombianas e canadenses. Das três, Rosita é a única que não tem uma pista de pouso para os pequenos aviões que decolam de Manágua, a única ligação até esses remotos povoados. Para chegar a Rosita é preciso voar até Bonanza e depois alugar um veículo para uma viagem de mais de uma hora por estrada de terra. Qualquer doente grave que necessite de cuidados médicos especializados deve ser levado para Manágua se puder pagar o transporte até Bonanza e o avião para a capital, a um custo aproximado de 200 euros (cerca de 666 reais), uma pequena fortuna para os camponeses pobres que vivem nas montanhas de Rosita.

A viagem de Vilma Trujillo foi um suplício, da montanha até pegar o pequeno avião para Manágua. Sua juventude e força lhe permitiram suportar o tormento. Ela morreu no Hospital Lenin Fonseca, na capital, em 28 de fevereiro, às 4h22 da madrugada.

A Polícia de Rosita, apoiada pelo Exército, chegou até El Cortezal e prendeu doze pessoas. Cinco delas continuam detidas em Manágua, à espera de julgamento por sequestro e assassinato. Trata-se do pastor Juan Rocha, seus dois irmãos e seus dois colaboradores mais próximos. O processo se desenrola sob expectativa nacional, enquanto a família de Vilma se mantém escondida nas montanhas que rodeiam Rosita, temerosa de represálias de seus velhos vizinhos, os membros da congregação que condenaram Vilma à fogueira.



Esta é a fogueira onde ardeu viva Vilma Trujillo García. Ao fundo, a igreja evangélica onde os membros da congregación religiosa oraram por sua “libertação”. CARLOS HERRERA
Um coquetel letal
Miuriel Gutiérrez Herrera é uma jovem vivaz que trabalha na Gaivota, uma organização que promove e defende os direitos humanos no Caribe nicaraguense. A entidade tem sede em Rosita, em uma casa de madeira de dois andares, humildemente mobiliada. A sala de Miuriel tem apenas uma cadeira, uma escrivaninha e uma rústica estante onde arquiva os casos que acompanha. Desde que se soube da notícia da queima de uma mulher na fogueira, Miuriel e sua mãe se mobilizaram para apoiar a família.



Aqui não há energia ou água corrente. A única ligação com o mundo são os pequenos rádios de pilha que os moradores usam para sintonizar as emissoras religiosas


A jovem demonstra sua indignação com o caso, que, diz, é o resultado de um coquetel letal: a misoginia, um Estado ausente, o machismo e o fanatismo religioso. Mas o mais alarmante, afirma, é que não é a primeira vez que uma mulher é queimada, embora o caso de Vilma tenha sido o mais extremo que acompanharam. Miuriel conta histórias de horror, como a de uma mulher cujo marido queimou as mãos com carvão em brasa ou a de outra que tinha um marido tão obsessivo que a deixava trancada em casa. Quando regressava, a obrigava a ficar nua e cheirava sua roupa para detectar odores estanhos, masculinos. Em uma ocasião a roupa íntima da mulher estava úmida e o homem ficou furioso. Pegou lenha ardendo e lhe queimou a vagina.


Esse tipo de história é a realidade cotidiana que enfrentam as gaivotas, como são carinhosamente chamadas as mulheres da entidade, pessoas corajosas que lutam pelos direitos humanos em uma região machista.


“Este caso está relacionado com o machismo de uma sociedade na qual nós, mulheres, somos punidas”, diz Miuriel. “É mais fácil as autoridades darem atenção a crimes de outra índole e não aos atos criminosos contra as mulheres. Este é um ato muito cruel, misógino e definitivamente anti-humano” acrescenta.


A alguns quilômetros dessa entidade fica a sede das Assembleias de Deus em Rosita. Trata-se de um amplo edifício de concreto no qual se reúnem cerca de 600 pessoas nos dias de culto, das 3.000 que fazem parte da congregação. O templo está sob a direção do pastor Saba Calderón Tobares, presbítero das Assembleias. Nós o entrevistamos numa tarde no início de março, quando estava reunido com outros membros da congregação que faziam estudos religiosos. O pastor Saba não reconhece a responsabilidade das Assembleias de Deus na queima de Vilma Trujillo na fogueira.


“Como Assembleias de Deus nós nunca ensinamos nem aceitamos esse tipo de atividade. O que se passou lá é estranho”, diz o pastor. “Eles fizeram seis dias de jejum para a libertação dessa moça. A intenção era boa, porque se buscava alcançar uma libertação, mas ao recorrer a uma voz estranha o resultado que se vê é morte. É possível que um espírito ou um ser estranho possa se apossar de um ser humano, mas não é algo que deva ser entendido literalmente, que ela deva ser lançada ao fogo. Somos servidores de Deus e esperamos que Deus faça o que tem de ser feito”, justifica Saba.



"Era possível ver a carne viva e uma espécie de casca de pele em algumas partes", diz Ervin Girón, motorista da ação médica

O pastor afirma que desde que se soube da queima de Vilma sua congregação enfrenta uma onda de condenações que ele teme que possa se traduzir em um fato violento.


O maior drama, porém, é vivido nas montanhas da região do Caribe, cujas comunidades ficaram transtornadas com esse fato chocante. A duas horas de El Cortezal, em uma casa de madeira e com redes como únicos móveis, estão refugiados os pais do pastor Juan Rocha. Trata-se dos idosos Gregorio Rocha e Aura Romero, ambos deficientes: ele tem as mãos destroçadas por uma doença e ela é surda. Estão encarregados de cuidar dos 10 netos, crianças gravemente doentes. Uma delas mal fica em pé, outra tem graves feridas nas pernas e uma das meninas sofre por causa de uma ferida profunda num dos pés, que não foi tratada devidamente. O Estado não chegou até aqui para cuidar dessas crianças abandonadas.


Os idosos estão desesperados e pedem a libertação dos filhos, que são julgados em Manágua depois de terem queimado Vilma em uma fogueira, o caso mais brutal de violência contra as mulheres na Nicarágua, onde ter nascido mulher parece ser um delito que se paga com a fogueira.

Do luto à luta: pelo fim do transfeminícidio

Há algo em comum entre os assassinatos de mulheres e os de transexuais, travestis e bichas – que sucumbem por performatizarem o feminino. Para certos machos, estamos todas condenadas a padecer no paraíso





Deixem-nos respirar. Deem-nos tempo, um mínimo, para elaborar nossos lutos, chorar nossos mortos. Ainda quando estávamos estarrecidos, nos perguntando até quando Dandaras continuarão a ser assassinadas, temos que nos debruçar sobre outro corpo. Camila, a Camilinha, uma jovem transexual de Salvador, teve seu corpo perfurado por 15 balas. Seu corpo foi encontrado abandonado em uma BR. Uma bala não bastaria para matá-la? O que esta fúria materializada em balas significa?

Até quando teremos que continuar perguntando “até quando”? Eu me lembro de quando explodi em choro, tristeza, angústia, ao ler a notícia que uma transexual brasileira, Gisberta, tinha sido assassinada em Portugal por 15 jovens e me fiz esta pergunta: até quando? Naquele dia, escrevi um artigo publicado em algum jornal. Era o mês de março, o mês do “fim do caminho, do pau, da pedra, fechando o caminho”. Cito:

“Quem a matou? Um homem? Dois homens? Não. Quinze adolescentes a torturaram durante horas, abusaram de seu corpo de todas as formas e, depois, a jogaram num poço. O laudo pericial apontou como causa da morte: afogamento. Ou seja, ela ainda tinha vida quando foi atirada no poço. Por que a morte de Gisberta não repercutiu no Brasil? Por que o silêncio? Por que tanto ódio?” (Um minuto de silêncio, em março/2006)


Gisberta, Dandara, Camila… O que está por trás do dado assustador que coloca o Brasil como o país campeão em assassinatos de pessoas trans e travestis? Se o seu estômago está conectado com seu coração tente ler as descrições dos assassinatos das pessoas trans e travestis no Brasil. Você talvez reconheça, como eu, que muitas vezes as palavras sucumbem e o que surge é uma reação física, inesperada e incontrolável: desejo de vômito, misturado com choro e dor no peito. Dandara, carregada no carrinho para entulhos, para lixo. Dandara, aquilo que ninguém quer e que deve ser destruída. Um corpo-lixo.

Para substituir o vômito, idioma corporal que surge quando não há palavras, eu tentei e ainda tento entender o que leva uma criatura a matar, em plena luz do dia e do luar, outra pessoa. Os assassinos de Dandara agiam sem timidez. Cada um queria provar que era capaz de proferir o melhor golpe. Eles não reconheciam nenhum ponto de conexão, ou de identificação, com a pessoa que suplicava para não morrer. Pareciam, diria, até orgulhosos por seu trabalho impecável de legítimos contribuidores da limpeza do mundo daquela merda, um “viado feio”. Faziam um trabalho de saneamento básico e Dandara era o resto que deveria ser levado e despejado em algum lixão.

Este projeto de limpeza tem cúmplices, tem nomes. Vocês, professores/as, deputados/as, juízes, mães/pais que acham que seu mundo é a medida da verdade, são cúmplices dos assassinos de Dandara. Vocês não querem mudar nada, nada. Escola sem gênero, negação de todo direito humano às pessoas trans e às travestis. Quem lhes deu este direito? Deus? Parem de transformar Deus em assassino. Ele deve estar cuspindo, vomitando todas as suas preces que justificam os assassinatos. Como Lady Macbeth, o sangue das Dandaras, Camilas e Gisbertas já migrou, não está mais aparente. Não está mais visível. Desejo-lhes pesadelos piores que os da rainha assassina da Escócia.

Nos últimos quase 20 anos tenho discutido gênero com professores/as, advogados/as, políticos/as… Nestas quase duas décadas o discurso se repete: “O que fazemos quando um aluno pede para ser chamado por nome feminino?”; “ah, mas a biologia diz que…”; “não estamos preparados/as para esta discussão…”… e por aí vai. Comecei a desconfiar que todos estes argumentos são, em boa medida, desculpas retóricas para não proteger, por exemplo, os/as estudantes que sofrem perseguição por não terem comportamentos “adequados” para seus gêneros Ora, você precisa de curso de altos estudos para entender que um ser humano está sendo assassinado? Você precisa de um diploma de doutor/a em estudos de gênero para entender que o seu papel como professor/a é não permitir nenhum tipo de violência contra os/as estudantes? A nossa sociedade está plena daquilo que Clarisse Lispector chamou de “sonsos essenciais”.

O que faz com que a minha “humanidade” não me ligue, me conecte com outro ser que tem olhos, boca, fala, pele, rosto e a mesma corporalidade que a minha? Por que ele/ela não pode ser digna de viver? Para termos direito a viver devemos agir de acordo com as expectativas sociais ditadas pela nossa genitália? A genitalização da humanidade nos diz que nada pode existir fora desta estrutura binária: mulher = vagina, homem = pênis. O que fez Dandara? Ousou contra a lei que funda a noção de humanidade: a diferença sexual.

“Mas as mulheres trans e as travestis não têm vagina”, foi um dos comentários que li na reportagem sobre o caso Dandara publicado no New York Times. Então, posso deduzir, que ter uma vagina assegura as mulheres não trans a certeza de que não sofrerão violência? Mas elas também são brutalmente assassinadas. Tanto as mulheres trans, as transexuais, as travestias e outras corporalidades sofrem vários níveis de violência de gênero. Por quê? Há um ponto de unidade fundamental entre as múltiplas feminilidades (e incluo neste campo as bichas): os femininos estão condenados a padecer no paraíso. Está na bíblia, no livro Gênesis. Parir, sofrer as dores do parto é uma metáfora que unifica as múltiplas corporalidades e performances femininas.

Talvez não tenhamos nos dado conta que há uma sinistra coincidência: países onde há elevado índice de feminicídio lá também as mulheres trans e as travestis são corriqueiramente assassinados. É o caso do Brasil e do México. Há, portanto, pontos de unidade entre o feminícidio e o transfeminicídio que revelam, nos empurram, para uma conclusão óbvia. A motivação dos assassinatos das mulheres trans e das travestis é por performatizarem o gênero feminino.

Qual o desdobramento político desta formulação? Todas as políticas públicas com as marcas de gênero devem ser acionadas pelas pessoas trans e travestis. Todos os crimes devem ser entendidos como motivados por questões de gênero. Mas ainda é pouco. Não me digam que não devemos discutir gênero nas escolas. Contra os sonsos essenciais, a desobediência. Vamos continuar debatendo e lutando por políticas educacionais de respeito radical às diferenças e, simultaneamente, lutando pela aprovação da Lei de identidade de Gênero João Nery que assegura às pessoas trans e travestis os direitos humanos fundamentais: a autodeterminação de gênero.

Professor da UNB disponibiliza obras de filósofos africanos em português



A predominância de autores europeus em estudos de filosofia nas universidades e escolas é tamanha que é como se simplesmente não existissem filósofos em outras regiões do mundo. E assim, riquezas culturais, críticas, intelectuais e de identidade simplesmente permanecem desconhecidas para o resto do mundo, diminuindo assim o próprio mundo – como é o caso da produção filosófica e crítica oriunda da África.

Parte desse problema começa na própria barreira da língua, e foi pensando nisso que Wanderson Flor do Nascimento, professor de filosofia da Universidade de Brasília, criou o site Filosofia Africana, oferecendo obras de filósofos do continente.

O próprio Wanderson se viu diante de tal dificuldade ao realizar um estudo. Segundo o professor, a maioria dos trabalhos só era oferecida em inglês e francês. Além de permitir o acesso às obras, o site pretende intensificar os estudos da cultura africana nas escolas e universidades brasileiras – dialogando as filosofias africanas com os currículos locais de estudos filosóficos.

Para Wanderson, a presença da filosofia africana não só aumenta o repertório dos alunos e professores – especialmente diante do tão pouco que sabemos sobre cultura africana de forma geral – como ajuda a entender esse legado. “Sobretudo, ajuda a desconstruir o racismo velado que paira em nossa sociedade”, ele diz.

Autores como o sul-africano Mogobe Ramose, o camaronês Jean-Godefroy Bidima, as epistemólogas e antropólogas nigerianas Oyèrónké Oyěwùmí e Ifi Amadiume, os moçambicanos José Paulino Castiano e Severino Ngoenha são os primeiros nomes indicados por Wanderson para se conhecer através do site. Em um país com a história que tem o Brasil, se debruçar sobre aspecto tão denso e significativo da cultura africana como a filosofia, e permitir o acesso de estudantes a esse material é também estudar o próprio Brasil e o mundo – real, e não só do ponto de vista eurocêntrico.

Via Hypeness

‘Lista suja’ do trabalho escravo contemporâneo

Desde 2003, a lista dos empregadores que foram pegos em flagrante submetendo empregados a condições análogas à de escravidão no Brasil costumava ser divulgada. Porém, o documento havia deixado de ser publicado em dezembro de 2014, de acordo com uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).



Todos os empregadores foram autuados, entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016, em decorrência de caracterização do trabalho escravo contemporâneo

Obtida através da Lei de Acesso à Informação (LAI), a “Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo” traz dados de empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa final. A solicitação busca garantir transparência à política de combate a essa violação aos direitos fundamentais enquanto o governo federal não voltar a divulgar a informação, como costumava fazer. Clique aqui para baixar a lista.

Os dados sobre flagrantes que caracterizaram trabalho escravo tornaram-se o centro de uma polêmica após o Ministério do Trabalho, órgão responsável por sua publicização semestral desde 2003, evitar, na Justiça, a divulgação do cadastro de empregadores flagrados por esse crime, a chamada “lista suja“. O Ministério alega a necessidade de aprimorar as regras a fim de não prejudicar empregadores.

A “Lista de Transparência” foi enviada pelo poder público nesta segunda (13), em resposta à LAI, e abrange o período entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016.

Foto Sergio Carvalho/MTE


Em dezembro de 2014, o ministro Ricardo Lewandowski, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu ao pedido de uma associação de incorporadoras imobiliárias e suspendeu a divulgação do cadastro. Em maio de 2016, após o governo federal ter publicado outra portaria com novas regras para a lista, atendendo às demandas do STF, a ministra Cármen Lúcia, atual presidente do STF, levantou a proibição. Mesmo assim, o Ministério do Trabalho, sob o governo de Michel Temer (PMDB), manteve por decisão própria a suspensão.

Por isso, em dezembro do ano passado, o Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou com uma ação pedindo a publicação imediata dos empregadores flagrados com esse crime por equipes de fiscalização. Conseguiu uma decisão liminar favorável do juiz da 11ª Vara Trabalhista de Brasília, Rubens Curado Silveira.

O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, alegando a necessidade de mais estudos e discussões para aprimorar os critérios de entrada e saída do cadastro a fim de resguardar os direitos dos empregadores, recorreu para que essa demanda fosse reconsiderada. Após ver negado seu pedido, entrou com recurso no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Distrito Federal. O presidente do TRT-DF, desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran, manteve a obrigação da publicação da lista.

Por fim, o governo federal recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), obtendo uma decisão favorável das mãos do ministro Ives Gandra Martins Filho. O Ministério Público do Trabalho vai recorrer.

Criada em 2003 pelo governo federal, a “lista suja” é considerada pelas Organização das Nações Unidas (ONU)um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil. É e é apresentada como um exemplo global por garantir transparência à sociedade e um mecanismo para que empresas coloquem em prática políticas de responsabilidade social e possam gerenciar riscos de seus negócios.

Considerando que a “lista suja” nada mais é do que uma relação dos casos em que o poder público caracterizou trabalho análogo ao de escravo e nos quais os empregadores tiveram direito à defesa administrativa em primeira e segunda instâncias; e que a sociedade tem o direito de conhecer os atos do poder público, a Repórter Brasil e o Instituto do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, têm solicitado, periodicamente, desde o início de 2015, com base nos artigos 10, 11 e 12 da Lei de Acesso à Informação (12.527/2012) e no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, o seguinte:


“A relação com os empregadores que foram autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa transitada em julgado, confirmando a autuação, constando: nome do empregador (pessoa física ou jurídica), nome do estabelecimento onde foi realizada a autuação, endereço do estabelecimento onde foi caracterizada a situação, CPF ou CNPJ do empregador envolvido, número de trabalhadores envolvidos e data da fiscalização em que ocorreu a autuação, incluindo, ainda, a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) dos empregadores envolvidos (quando esta estiver disponível nos relatórios de fiscalização em questão).”

Foram quatro pedidos, um aproximadamente a cada seis meses, periodicidade da “lista suja” original. O governo federal o envia o documento já com a logomarca do ministério e uma explicação sobre o conteúdo da lista. O que está sendo publicado neste post é o resultado do quinto pedido e inclui o período entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016, pois o período de permanência na “lista suja” é de, no mínimo, dois anos.

A nova portaria que regulamenta a “lista suja”, publicada em 11 de maio de 2016, que nunca foi colocada em prática e pode nunca vir a ser, afirma que, para ser incluído no cadastro, o empregador deve ter recebido o auto de infração número 444. Esse auto passou a ser lavrado obrigatoriamente por fiscais do trabalho para todos os flagrados por trabalho escravo e funciona como uma espécie de “marcador” para que o empregador rastreie mais facilmente o trâmite de seu processo administrativo no âmbito do Ministério do Trabalho. O cadastro, portanto, se adotasse o critério da portaria de maio de 2016, teria os nomes que receberam o 444. Por isso, também pedimos via Lei de Acesso à Informação que fosse incluída o seguinte pedido: “e se, no momento da fiscalização, foi lavrado auto de infração capitulado no artigo 444 da CLT em razão da constatação de trabalho análogo ao de escravo”.

Como o Ministério do Trabalho recorreu judicialmente sobre a demanda do MPT que o obrigava a divulgar a “lista suja”, o que ocorreria com os critérios dessa nova portaria, este quinto pedido da “Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo” incorpora dois cenários: a) o conteúdo aproximado do que seria “lista suja” se fossem vigentes os critérios que valeram entre novembro de 2003 e dezembro de 2014; e b) o conteúdo aproximado do que seria “lista suja” se fossem vigentes os critérios da portaria de maio de 2016 – que nunca foi e pode nunca vir a ser materializada por conta da ação do Ministério do Trabalho. A diferença entre ambos os cenários está na última coluna da tabela, que aponta quais empregadores receberam o auto de infração 444.

Considerando que esse modelo de lista via LAI, que desenvolvemos aqui, foi incorporado por grandes bancos públicos e privados e empresas nacionais e multinacionais, e que há grandes empresas que continuam adotando os critérios da última “lista suja” oficial divulgada, que perdurou por 11 anos ininterruptamente, resolvemos publicar a lista completa com a coluna extra.

A novela da “lista suja”

Em meio ao plantão do recesso de final de ano de 2014, o STF garantiu uma liminar à Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) suspendendo a “lista suja” do trabalho escravo. A entidade questionou a constitucionalidade do cadastro de empregadores, afirmando, entre outros argumentos, que a inclusão na lista suja era realizada sem o direito de defesa dos autuados.

Após a publicação de uma nova portaria interministerial (número 4, de 11 de maio de 2016), com mudanças em critérios de entrada e saída do cadastro, a ministra Cármen Lúcia levantou a proibição cinco dias depois.

“Não se há de desconhecer que os pontos questionados na peça inicial da ação foram sanados na Portaria superveniente e revogadora daquela outra pelo que também por isso não se sustentaria eventual argumento quanto ao indevido seguimento da presente ação”, avaliou a ministra, hoje presidente do STF.


Desde então, o ministério do Trabalho poderia divulgar uma nova atualização da lista, mas não o fez.


Foto Sergio Carvalho/MTE

No dia 19 de dezembro de 2016, a Justiça do Trabalho ordenou, em decisão liminar, que o ministro e o governo federal voltassem a publicar, em até 30 dias, o cadastro, atendendo a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, que denunciou a omissão do poder público ao esconder tais informações. O tema ganhou a mídia nacional e internacional.

“A obrigação do Ministério do Trabalho em divulgar os nomes dos empregadores que exploram o trabalho escravo decorre de compromissos assumidos pela República Federativa do Brasil em âmbito internacional, os quais impedem retrocessos nos passos já trilhados em prol da erradicação da escravidão contemporânea”, afirma o procurador do Trabalho Tiago Cavalcanti, que está à frente da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho.

Em sua decisão, o juiz Rubens Curado Silveira, 11ª Vara do Trabalho de Brasília, afirmou que “há mais de uma década, esse cadastro vem se destacando entre as medidas relevantes no enfrentamento do tema, em perfeito alinhamento aos princípios constitucionais da publicidade e da transparência”.

O Ministério do Trabalho solicitou mais prazo ao juiz a fim de apresentar sua defesa, o que foi concedido. Mas, passado o tempo, o argumentos continuaram não sendo aceitos para a concessão da liminar. Insatisfeito, o governo levou o pleito ao Tribunal Regional do Trabalho, quando recebeu nova negativa por parte do presidente da corte, o desembargador Luís Vicentin Foltran.

A inclusão de um nome no cadastro constituiu a etapa final de todo um procedimento fixado por normas específicas editadas, repita-se, pelo próprio Ministério do Trabalho, órgão da Administração Federal responsável e estruturado para apurar as denúncias de irregularidades e fiscalizar o trabalho em todo o território nacional”, afirmou. “Impedir a divulgação do cadastro, como registrado na decisão liminar, ‘acaba por esvaziar, dia a dia, a política de Estado de combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil’.”

Por fim, o governo recorreu e obteve do presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho, a liminar garantindo a suspensão da obrigação de divulgar a lista. “O nobre e justo fim de combate ao trabalho escravo não justifica atropelar o Estado Democrático de Direito, o devido processo legal, a presunção de inocência e o direito à ampla defesa, concedendo liminar ao se iniciar o processo para se obter a divulgação da denominada ‘lista suja’ dos empregadores sem que tenham podido se defender adequadamente”, afirmou.

O Ministério do Trabalho criou um grupo de trabalho em dezembro de 2016, para discutir as regras de entrada e saída de nomes da “lista suja”. O GT conta com órgãos do próprio ministério, com outras áreas do governo federal, como a Casa Civil e a Advocacia Geral da União, entre outros, e com o Ministério Público do Trabalho, representações patronais e sindicais. Até agora, houve uma reunião e o prazo para sua conclusão é de 120 dias.

O Ministério do Trabalho afirma que “eventuais inclusões indevidas não apenas redundariam em injustiças com graves consequências a cidadãos e empresas, gerando desemprego, como acarretariam nova judicialização do tema, comprometendo a credibilidade do cadastro”.


Coincidentemente, a justificativa é a mesma que é usada desde 2003 anos por empresários contrários à existência do cadastro, ignorando que ele é meramente informativo e criado para dar transparência às ações do poder público. Desde 2003, nunca houve a determinação de restrições comerciais ou financeiras nas portarias ministeriais que vêm prevendo a lista. Eventuais bloqueios e boicotes são tomados por decisão de empresas e outras instituições.


Entrada e saída da lista suja


A “lista suja” conta desde 2003 com critérios de inclusão e exclusão de nomes. As portarias que a preveem foram sendo aperfeiçoadas ao longo do tempo sem que a lista precisasse ser suspensa.

Entre 2003 e 2014, os nomes permaneciam na “lista suja” por, pelo menos, dois anos, período durante o qual o empregador deveria fazer as correções necessárias para que o problema não voltasse a acontecer e quitasse as pendências com o poder público.


Foto Bianca Pyl /Repórter Brasil


Em sua decisão, Cármen Lúcia afirmou que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) número 5.209, proposta pela Abrainc, perdeu o objeto após a publicação de portaria interministerial que resolveu – segundo ela – os questionamentos feitos sobre a lista. Na portaria interministerial número 4, de 11 de maio de 2016, foram aprimorados os critérios de entrada e saída de empregadores. A inclusão na “lista suja” passaria a depender da aplicação de um auto de infração específico para condições análogas às de escravo (o auto 444, citado acima), além dos outros autos que já eram aplicados desde 2003 e, em conjunto, configuram trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva. Os quatro elementos que, de acordo com o artigo 149 do Código Penal, caracterizam escravidão contemporânea.


Ao mesmo tempo, foi criada a possibilidade de uma “porta de saída”. Até agora, o empregador inserido no cadastro permanecia por, pelo menos, dois anos, e sua saída – após esse prazo – dependia da regularização de sua situação junto ao Ministério do Trabalho e da melhoria das condições no seu estabelecimento.

A partir da nova portaria, o empregador que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta ou acordo judicial com o governo federal, adotando uma série de condicionantes, permanecerá em uma espécie de “área de observação” do cadastro, com as empresas flagradas, mas que estão atuando na melhoria de seu negócio. Essa área também será divulgada. Cumprindo as exigências, poderão pedir sua exclusão dela partir de um ano. E, se descumprirem o acordo, serão retiradas da observação e remetidas à lista principal.

Mesmo com as mudanças, empregadores de determinados setores em que foi detectada a incidência de escravidão contemporânea fizeram pesado lobby junto ao Ministério do Trabalho para que a lista não fosse publicada.


Trabalho escravo no Brasil


Criada por Fernando Henrique (que reconheceu diante das Nações Unidas, há 22 anos, a persistência da escravidão contemporânea em nosso território), aprimorada por Lula (que ampliou os mecanismos de combate a esse crime) e mantida por Dilma, a política nacional também observou conquistas importantes sob governadores, como Geraldo Alckmin, ou prefeitos, como Fernando Haddad, e por iniciativa de parlamentares dos mais diferentes partidos.

Desde 1995, o sistema nacional de combate ao trabalho escravo resgatou mais de de 52 mil pessoas em operações de fiscalização em fazendas de gado, soja, algodão, frutas, cana, carvoarias, canteiros de obras, oficinas de costura, bordeis, entre outros. Nesse período, o problema deixou de ser visto como algo restrito a regiões de fronteira agropecuária, como a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal e, paulatinamente, passou a ser também de grandes centros urbanos. A capital paulista tornou-se um dos municípios com maior número de resgates de trabalhadores nessas condições.

Por conta da divulgação da “Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil”, a Repórter Brasil, o InPACTO e este jornalista sofreram processos civis e criminais visando à censura do nome de empregadores envolvidos com trabalho análogo ao de escravo de acordo com o governo federal.

QUAL O PREÇO QUE O BRASIL PAGA PELA CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO?

POR CONTA DA criminalização do aborto são gastos R$ 40,4 milhões com procedimentos emergenciais decorrentes de complicações após abortos ilegais mal feitos. Já para as mulheres, o custo não é apenas financeiro.

Clínicas clandestinas cobram caro sem qualquer garantia de segurança. Para além do dinheiro, há várias outras questões em jogo. Entre elas, a liberdade e a vida.



Por Juliana Gonçalves e Helena Borges, via The Intercept_Brasil



A cada dois dias, uma mulher morre vítima de aborto ilegal no Brasil

Apesar da criminalização, uma em cada cinco mulheres terá abortado até os 40 anos no Brasil. As mais ricas pagam ginecologistas de confiança para fazer o procedimento ou procuram clínicas. Quem tem menos recursos opta por medicamentos como misoprostol (Cytotec) ou se arrisca até mesmo com ervas tóxicas.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a cada dois dias uma mulher morre vítima de aborto ilegal no Brasil. É a quarta causa de morte materna no país, atingindo mais mulheres pobres.


Em um busca rápida na internet, é possível encontrar a buchinha ou cabacinha do norte – uma espécie de trepadeira. Seu fruto é utilizado para inalação em tratamentos de sinusite e rinite, porém, na forma de chá, torna-se abortivo. O método pode ser um dos mais acessíveis financeiramente — com valores a partir de R$3,90 — porém, trata-se de uma planta tóxica, uma dosagem errada pode causar morte.


Buchinha é facilmente encontrada na internet -  Foto: Reprodução da internet

Também na internet, é fácil encontrar páginas que oferecem o misoprostol, remédio inicialmente destinado ao tratamento de úlceras, que passou a ser usado como abortivo nos anos 1990. Hoje é o método mais utilizado no mundo para a interrupção da gestação.



Na Europa, um fármaco; no Brasil, tráfico


De acordo com Pesquisa Nacional de Aborto, publicada no ano passado, 48% das mulheres entrevistadas fizeram o uso de comprimidos, mesmo eles sendo ilegais no país. O misoprostol tem o aval da OMS para o aborto e figura em sua lista de medicamentos essenciais.

Misoprostol é usado por 48% das brasileiras que abortam 

Vanessa Dios, doutora em saúde pública e presidente da ANIS, Instituto de Bioética responsável pela PNA 2016, explica o que atrai as mulheres para o uso da pílula e como sua proibição gera mais riscos:


“É considerado um método seguro, principalmente nas 12 primeiras semanas. A forma de se conseguir que é um problema. A mulher vai ter que se deslocar para algum ambiente de ilegalidade. E aí que está o risco maior do uso do remédio, já que por não se ter um controle, a mulher não sabe se está adquirindo uma pílula de farinha, por exemplo. Fora que o tempo vai passando até que ela consiga acesso ao remédio e, quanto mais o tempo passa, maior o risco no procedimento.”


Onde é legalizado, como em alguns estados dos Estados Unidos e países da Europa, pode ser encontrado em farmácias ao custo médio de US$ 45 (aproximadamente R$142). Já no Brasil, a venda é feita no boca a boca, via mensagem de texto ou mesmo em espaços públicos, com preço girando em torno de R$850.


A forma de aquisição, na internet ou fora dela, não garante a idoneidade do medicamento. Relatos dão conta de golpes virtuais em que o remédio não foi entregue ou foram enviados outro tipo de comprimido.

"A mulher faz uso do remédio em casa e não precisa de internação”

A chegada do misoprostol fez com que a mulheres deixassem de lado métodos mais invasivos como venenos, líquidos tóxicos e instrumentos perfurantes, que eram muito utilizados no anos 1980. Com isso, houve uma redução de sequelas associadas ao aborto. O remédio fez com que a procura por hospitais após o procedimento também diminuísse, porém algumas mulheres ainda precisam do atendimento médico, explica Dios:

“A mulher faz uso do remédio em casa e não precisa de internação, somente de um ambiente confortável, com um banheiro que possa utilizar. E não é algo imediato, podendo demorar até três dias. Às vezes o primeiro comprimido pode não fazer efeito. Ela vai sentir as dores das contrações para o feto ser expelido e terá sangramento. O método é seguro, mas é preciso ter essas orientações.”

A curetagem após aborto é a cirurgia mais realizada pelo SUS, segundo levantamento do Instituto do Coração (InCor). Foram 181 mil procedimentos do tipo apenas em 2015. Pela tabela de valores do Datasus, cada curetagem pós-aborto custa R$199,41. Segundo um levantamento feito pelo site Aos Fatos, foram destinados R$ 40,4 milhões dos recursos do SUS para cirurgias de curetagem ou de esvaziamento do útero por aspiração manual intrauterina (AMIU).

A experiência internacional mostra que, quando o procedimento é realizado por profissionais preparados, o número de complicações cai, poupando dinheiro do governo. No Uruguai, que descriminalizou o aborto em 2012, foram registradas 6.676 interrupções e nenhuma morte, com uma taxa ínfima de complicações: 0,007%.

O aborto é um procedimento seguro desde que feito com orientação e profissionais.


“As mulheres que podem pagar mais têm um cuidado maior porque, em geral, são assistidas por um profissional de saúde ou um médico que aceita fazer o procedimento”, conta a presidente da ANIS. Ela explica que clínicas utilizam a aspiração manual intrauterina, o mesmo procedimento utilizado pelo SUS nos casos de aborto legal: “As mulheres tomam um relaxante muscular ou uma anestesia. O período de internação é de um dia.”

Em uma clínica clandestina também no Rio de Janeiro, o valor do aborto pode custar R$3,5 mil. Em consultórios tradicionais, o preço do procedimento chega a R$6 mil. A especialista pontua que um serviço caro não é sinônimo de procedimento seguro:

“Muitas mulheres morrem em clínicas. Não sabemos se é o método utilizado, se é o equipamento ou a dosagem da anestesia que levam a mulher à óbito. Só ficamos sabendo depois que acontece e, com isso, não conseguimos mensurar. Mas é preciso frisar que o aborto é um procedimento seguro desde que feito com orientação e profissionais.”

Entre as entrevistadas pela PNA que fizeram uso do medicamento, metade precisou de atendimento e ficaram expostas a denúncias. “Se elas estão com hemorragia, ficam com medo de ir até o hospital e sofrerem denúncia”, afirma Dios.




Legalizar não significa aumentar o número de abortos




No Brasil, a mulher que aborta pode cumprir uma pena de até três anos de prisão, e o médico que realizar o procedimento, até quatro anos – as exceções são para casos de estupro, risco de morte da mulher ou feto anencéfalo. A PNA critica a criminalização por ser contraproducente:

“A julgar pela persistência da alta magnitude, e pelo fato do aborto ser comum em mulheres de todos os grupos sociais, a resposta fundamentada na criminalização e repressão tem se mostrado não apenas inefetiva, mas nociva. Não reduz nem cuida: por um lado, não é capaz de diminuir o número de abortos e, por outro, impede que mulheres busquem o acompanhamento e a informação de saúde necessários para que seja realizado de forma segura ou para planejar sua vida reprodutiva a fim de evitar um segundo evento desse tipo.”

Uma pesquisa internacional, publicada pela revista científica The Lancet no ano passado, revelou que a legalização ajuda a reduzir não apenas o número de mortes de mulheres como também o de procedimentos cirúrgicos. Segundo o estudo, dos 56,3 milhões de abortos realizados por ano em todo o mundo, 16 milhões são feitos clandestinamente.

De acordo com o Instituto Guttmacher, que pesquisa sobre direitos reprodutivos e saúde da mulher, em países onde o aborto é ilegal, as taxas médias são de 37 abortos para cada mil mulheres em idade reprodutiva, enquanto nos países onde é legalizado o índice cai para 34.


O levantamento mostra que o fator determinante para a queda nos índices de interrupções não seria a legalização, mas sim a facilidade de acesso a contraceptivos gerada pela liberação.

Breve história crítica dos feminismos no Brasil

Excluídas da história oficial, as mulheres fazem do ato de contar a própria trajetória uma forma de resistência. Neste ensaio, publicado na...