Mais de um terço de alunos LGBT sofreram agressão física na escola, diz pesquisa



Por Mariana Tokarnia - da Agência Brasil

Estudantes lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) relatam que são agredidos dentro das escolas e que isso atrapalha o rendimento nos estudos. Alguns inclusive declaram que já cogitaram tirar a própria vida por causa das agressões. De acordo com pesquisa divulgada hoje (22), 73% foram agredidos verbalmente e 36% foram agredidos fisicamente.

Os dados são da Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2016 - As experiências de adolescentes e jovens LGBT em nossos ambientes educacionais, apresentada na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. O relatório foi elaborado pela Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).

  • Ausências e baixo rendimento
Entre aqueles que sofrem agressões verbais frequentemente ou quase sempre por causa da orientação sexual, 58,9% faltaram às aulas pelo menos uma vez no último mês. Entre aqueles que sofrem agressões por conta da identidade de gênero - por serem travestis ou transexuais - , 51,9% faltaram às aulas.

Em relação ao desempenho, os estudantes que são alvo menos frequente de preconceito relatam obter notas melhores do que aqueles que são vítimas da discriminação com mais intensidade. Os que relataram sofrem agressões pela orientação sexual ou pela identidade ou expressão de gênero "nunca, raramente ou às vezes", cerca de 80% disseram ter recebido notas boas ou excelentes, entre 7 a 10 pontos. Os índices caem entre aqueles que sofrem agressões frequentemente ou quase sempre por orientação sexual (73,5%) e expressão de gênero (72,4%).

Ao todo, foram entrevistados 1.016 estudantes LGBT de 13 a 21 anos que frequentaram a escola em 2015. Os dados foram coletados entre dezembro de 2015 e março de 2016 pelas mídias sociais - Instagram, Facebook e Twitter - e por email. A maior parte deles estuda em instituições públicas, 73,1%. Os demais estudam em escolas religiosas (6,5%) e outras instituições privadas (20,4%). Os estudantes não foram identificados, pois trata-se de uma pesquisa anônima.

"É importante deixar claro que não queremos privilégio, não queremos ensinar ninguém a ser gay, queremos cidadania, queremos ser respeitados", diz o secretário de Educação da ABGLT, Toni Reis. Segundo ele, o que mais impressionou na pesquisa foram os depoimentos colhidos. Um deles, reforça a fala de Reis: "Os estudantes LGBT precisam ser tratados como são os estudantes heterossexuais. Não queremos ser tratados de maneira privilegiada, nem queremos ser melhor que os outros". A frase foi dita por um estudante gay, de 17 anos, de São Paulo.

"Eu passei só a tirar notas baixas, parei de frequentar a escola, o que acabou fazendo com que eu reprovasse de ano", relatou uma estudante lésbica, de 16 anos, de São Paulo.

  • Suicídio
A pesquisa constatou ainda que os estudantes LGBT que vivenciaram maiores níveis de agressão verbal devido à orientação sexual ou identidade de gênero tem probabilidade 1,5 vezes maior de relatar níveis altos de depressão. Alguns dos depoimentos de estudantes evidenciam também níveis mais baixos de autoestima e até mesmo desejo de cometer suicídio. 

Um estudante gay, de 17 anos, de Minas Gerais, disse em depoimento: "Penso em me matar quase todos os dias, não aguento mais ser chamado de viadinho na escola". Outra estudante, transexual, sem idade informada, do Rio Grande do Sul, reforça: "Obrigada por tudo, mas não vai ser agora a ajuda de vocês vai fazer eu parar de me cortar ou parar de querer morrer".

De acordo com os dados do levantamento, 60% dizem que se sentem inseguros na escola por serem LGBT.

  • Falta de preparo dos professores
Segundo a representante do Fórum Nacional de Educação (FNE) Olgamir Amância, que participou do debate, a formação dos professores é central para o combate de qualquer tipo de preconceito e agressão por identidade de gênero e orientação sexual. "A formação global que permite ver a sexualidade como importante dimensão humana não é trabalhada na formação de professores, a não ser por uma ou outra iniciativa de alguns programas", diz.

A pesquisa mostra que 60,9% dos participantes relataram que ficam muito à vontade ou mais ou menos à vontade para conversar com professores sobre questões LGBT. Metade fica à vontade para falar com pedagogos e 38,1% com diretor.

Segundo a maioria dos estudantes, 56,9%, as questões LGBT não foram abordadas na escola em 2015. Cerca de um quinto, 20,2% relatam que aprenderam questões positivas; 16,7%, questões negativas; e, 6,2%, positivas e negativas.

Na avaliação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), para reverter esse cenário, é preciso que os professores tenham uma formação com conteúdos específicos voltados para a diversidade sexual e que haja materiais pedagógicos para promover o respeito a todos sem distinção de qualquer característica pessoal. Além disso, diz que são necessários canais para que os estudantes possam denunciar as agressões. Entre outras medidas, a associação pede políticas públicas e leis para combater a discriminação contra a população LGBT. 

"Estamos trabalhando na elaboração de uma plataforma para a judicialização de casos graves. Há casos em que a União, estados e municípios se omitem. Vamos processar", diz o ativista Toni Reis. A entidade trabalha também em plataforma nacional de apoio para a prevenção de suicídio.

O Ministério da Educação (MEC) pretende lançar curso de direitos humanos para professores da educação básica, segundo o diretor de Políticas de Educação em Direitos Humanos e Cidadania, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (MEC), Daniel de Aquino Ximenes, também presente na audiência. Serão módulos de estudo online nos quais os professores terão acesso a temas como racismo, homofobia e bullying. A intenção é que eles tenham subsídio tanto para lidar com essas questões na escola quanto para levar os temas para a sala de aula. Isso deve ocorrer em 2017.

Brasil contabiliza mais de 18 mil mortes violentas de mulheres, Segundo Registro Civil 2015


No último ano, o Brasil registrou 18.115 óbitos de mulheres por causas violentas (acidentes de trânsito, afogamentos, suicídios, homicídios e quedas acidentais). Em relação à última década, as mortes de mulheres jovens, de 15 a 24 anos, aumentaram na maioria dos estados das regiões Norte e Nordeste e diminuíram no Sul, Sudeste e na maior parte do Centro-Oeste. É o que revela a pesquisa “Estatísticas do Registro Civil 2015”, divulgada nesta quarta-feira (24) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
O estudo é resultado da coleta das informações prestadas pelos cartórios de registro civil de pessoas naturais, varas de família, foros ou varas cíveis e tabelionatos de notas de todo o país. Em 2015, foram 2.668 mortes femininas violentas na faixa de 15 a 24 anos. Na análise comparativa em relação a 2005, os dados mostram que em 14 estados houve redução de óbitos. As maiores quedas foram registradas no Acre (-50%), Amapá (-42,9%), Rio de Janeiro (-40,8%), Espírito Santo (-37,1%) e São Paulo (-32,7%).
Os índices de mortes violentas de mulheres no Acre e Amapá, entretanto, são exceções na região Norte do país. No Amazonas, por exemplo, foi registrada a maior expansão de mortes violentas na população feminina (171,4%). Este foi o único estado onde o aumento dos óbitos femininos superou os 100%, tendo crescido mais em comparação à variação masculina no período analisado.


Na região Nordeste, assim como no Norte, apenas dois estados apresentaram diminuição nos índices: Pernambuco (-28,8%) e Paraíba (-3,1%). Os estados que registraram os maiores aumentos foram Sergipe (85,7%), Piauí (71,4%) e Ceará (73,2%). No Centro-Oeste, o Mato Grosso foi o único estado que não apresentou redução, mas um aumento de 4,9% nos óbitos femininos.

Homens brasileiros estão entre os que mais matam as mulheres no mundo

A Agência Patrícia Galvão lançou um dossiê digital e interativo sobre o feminicídio no Brasil. Feminicídio é definido como o assassinato de mulheres em contextos marcados pela desigualdade de gênero. Esta semana, o Carta Campinas noticiou um aumento de quase 50% de casos de violência doméstica em Campinas.



Sem política governamental e educacional agressiva contra o machismo, todos os dias, mulheres, jovens e meninas são submetidas a alguma forma de violência no Brasil: assédio, exploração sexual, estupro, tortura, violência psicológica, agressões por parceiros ou familiares, perseguição, feminicídio.


A violência de gênero é recorrente e se perpetua nos espaços públicos e privados, encontrando nos assassinatos a sua expressão mais grave. O quadro abaixo, retirado do dossiê, mostra a frequência de alguns tipos de violência sofrida pelas mulheres no Brasil.


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O Brasil é o 5º país com maior taxa de assassinatos femininos no mundo. De acordo com o dossiê, o Brasil atingiu em 2013 uma taxa média de 4,8 homicídios a cada 100 mil mulheres, sendo a taxa média de 83 nações 2 assassinatos a cada 100 mil. Dessa forma, o Brasil passou da 7ª posição em 2010 para o 5º lugar em 2013. No ranking, El Salvador, Colômbia, Guatemala e Federação Russa estão na frente do Brasil. (Do Brasil Debate; edição Carta Campinas)

Veja o Dossiê do Instituto Patrícia Galvão

A ARMA BRANCA CORTA A PELE PRETA




Claudinéia da Conceição Ramos, de 29 anos, zona rural de Capixaba, no interior do Acre

Claudinéia da Conceição Ramos foi morta com ao menos 17 facadas no interior do Acre  (Foto: Arquivo da família)
Foram 17 facadas. A arma branca corta a pele preta. Uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Mais uma. Você contou? Quem gritou por ela, além da irmã que “ninguém esfaqueia uma pessoa 17 vezes por engano”.

Porque havia cobertores sujos na casa. Claudinéia da Conceição Ramos, 29 anos, mulher negra, jovem, periférica, conseguiu por um momento escapar do seu agressor, Alberto Rodrigues, cujo nome a maioria das notícias escondem sob a alcunha de suposto assassino, suposto agressor. Suposto monstro talvez?

O lugar presumido da vítima na sociedade porém, sempre foi bem publicizado. Era dona de casa, talvez por isso o suposto motivo do crime tenha sido repetido à exaustão em cada noticia réplicada. Os cobertores sujos, os cobertores sujos, os cobertores sujos. A interessar possa, estamos aqui para contar. E contar e contar. Quantas vezes se façam necessárias.

Não foram os cobertores sujos. Foi o machismo. Mais uma vez, foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo. Foi o machismo.

Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio. Foi um feminicídio.


Fidel, por Eduardo Galeano

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Fidel na Serra Maestra, durante a luta de guerrilhas (Foto: Enrique Meneses, no “Paris Match”)


“E seus inimigos não dizem que apesar de todos os pesares, das agressões de fora e das arbitrariedades de dentro, essa ilha sofrida mas obstinadamente alegre gerou a sociedade latino-americana menos injusta”
Tradução: Eric Nepomuceno - POR ANTONIO MARTINS
Seus inimigos dizem que foi rei sem coroa e que confundia a unidade com a unanimidade.
E nisso seus inimigos têm razão.
Seus inimigos dizem que, se Napoleão tivesse tido um jornal como o Granma, nenhum francês ficaria sabendo do desastre de Waterloo.
E nisso seus inimigos têm razão.
Seus inimigos dizem que exerceu o poder falando muito e escutando pouco, porque estava mais acostumado aos ecos que às vozes.
E nisso seus inimigos têm razão.
Mas seus inimigos não dizem que não foi para posar para a História que abriu o peito para as balas quando veio a invasão, que enfrentou os furacões de igual pra igual, de furacão a furacão, que sobreviveu a 637 atentados, que sua contagiosa energia foi decisiva para transformar uma colônia em pátria e que não foi nem por feitiço de mandinga nem por milagre de Deus que essa nova pátria conseguiu sobreviver a dez presidentes dos Estados Unidos, que já estavam com o guardanapo no pescoço para almoçá-la de faca e garfo.
E seus inimigos não dizem que Cuba é um raro país que não compete na Copa Mundial do Capacho.
E não dizem que essa revolução, crescida no castigo, é o que pôde ser e não o quis ser. Nem dizem que em grande medida o muro entre o desejo e a realidade foi se fazendo mais alto e mais largo graças ao bloqueio imperial, que afogou o desenvolvimento da democracia a la cubana, obrigou a militarização da sociedade e outorgou à burocracia, que para cada solução tem um problema, os argumentos que necessitava para se justificar e perpetuar.
E não dizem que apesar de todos os pesares, apesar das agressões de fora e das arbitrariedades de dentro, essa ilha sofrida mas obstinadamente alegre gerou a sociedade latino-americana menos injusta.
E seus inimigos não dizem que essa façanha foi obra do sacrifício de seu povo, mas também foi obra da pertinaz vontade e do antiquado sentido de honra desse cavalheiro que sempre se bateu pelos perdedores, como um certo Dom Quixote, seu famoso colega dos campos de batalha.
(Do livro “Espelhos, uma história quase universal”)
Fidel com Celia Sánchez, uma das mulheres que à guerrilha

Fidel com a guerrilheira Celia Sánchez,
Com Ernest Hemingway, um dos poucos norte-americanos que permaneceu em Cuba após a revolução
Com Ernest Hemingway, um dos poucos norte-americanos que permaneceu em Cuba após a revolução
Falando à multidão, num longuíssimo discurso na Praça da Revolução
Falando à multidão, num longuíssimo discurso na Praça da Revolução, Havana
Com Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sarte, nos primeiros anos da revolução
Com Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sarte, nos primeiros anos da revolução
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Com Angela Davis e Malcolm X (na foto acima), durante uma visita aos EUA
Com o primeiro-ministro sueco Olof Palme, o líder mais ousado da social-democracia europeia
Com o primeiro-ministro sueco Olof Palme, o líder mais ousado da social-democracia europeia
Com Salvador Allende, na breve aventura do Poder Popular chileno
Com Salvador Allende, na breve aventura do Poder Popular chileno

Se a exceção fosse a regra, policiais se comoveriam com violência que causam

PM bate até em servidores da segurança, policiais abandonam o posto e coronel da operação negocia trégua com manifestantes que cercam a Alerj.
Soldado arrependido sai do cerco contra os manifestantes. Foto: Mídia NINJA
Soldado arrependido sai do cerco contra os manifestantes. Foto: Mídia NINJA
No primeiro dia de discussão do Pacotaço de Pezão na Assembleia Legislativa do Rio, o Batalhão de Choque da Polícia Militar fez aquilo a que está acostumado: reprimiu violentamente a manifestação com bombas lacrimogêneas, jatos d'água, gás de pimenta e balas de borracha. A diferença dessa vez foi que, entre os servidores estaduais que manifestavam, havia bombeiros, servidores da superintendência penitenciária e muitos policiais - civis e militares.
Repressão contra servidores também teve balas de borracha e spray de pimenta. Foto: Mídia NINJA
Repressão contra servidores também teve balas de borracha e spray de pimenta. Foto: Mídia NINJA
Policiais do front também se comovem em meio à manifestação. Foto: Mídia NINJA
Policiais do front também se comovem em meio à manifestação. Foto: Mídia NINJA
Após a repressão, muitos desses policiais/manifestantes, feridos e armados, voltaram, na cara da tropa, para reclamar da ação de seus colegas da Polícia Militar. Sob pressão da multidão, pelo menos dois PMs deixaram seus postos. Eles não quiseram se identificar para a imprensa.
"Puta que pariu, a Tropa de Choque é a vergonha do Brasil!" foi um dos gritos ouvidos pela multidão que participava do ato nessa tarde.
Um policial civil da 27ª DP ficou ferido no braço e rosto após ser atingido por agentes do Batalhão de Choque. Foto: Mídia NINJA
Um policial civil da 27ª DP ficou ferido no braço e rosto após ser atingido por agentes do Batalhão de Choque. Foto: Mídia NINJA
Também sob extrema pressão dos servidores, que entoavam cânticos de crítica à atuação da PM, o próprio coronel João Fiorentini Guimarães, comandante da operação, subiu numa pedra e pegou o megafone para propor uma trégua entre as partes. Ele alegou que não poderia deixar ninguém entrar na Alerj para que "a anarquia não seja decretada".
Se a anarquia for decretada aqui, todo mundo que está em volta dessa comunidade que está fora da lei, que tem armas, que tem fuzil e que nos caça na rua vai descer e falar 'acabou a ordem no Rio de Janeiro', aí eu vou morrer e vocês vão morrer. Faltam 4 anos para eu ir para casa. Daqui a 4 anos, eu não vou ter salário e vou estar na mesma situação dos senhores, mas eu não posso deixar a anarquia se instalar nesse Estado. O que eu proponho aqui: se nós continuarmos nos enfrentamos, vamos nos dividir. Não há interesse nenhum em brigar com vocês.
Comandante da operação policial propôs uma trégua entre as policiais e manifestantes. Foto: Mídia NINJA
Comandante da operação policial propôs uma trégua entre as policiais e manifestantes. Foto: Mídia NINJA
Se une ao povo e prende os corruptos!, gritou alguém da multidão
O coronel prosseguiu:
Não estou mandando ninguém embora. Eu só tô pedindo o seguinte: vocês permanecem onde estão, a minha tropa permanece onde está. Eu cesso as hostilidades, os senhores cessam as hostilidades. Vamos viver hoje para lutar amanhã.
A maioria do público aplaudiu o comandante. A trégua foi aceita. Na saída do púlpito improvisado, a reportagem indagou Fiorentini: "foi uma decisão sua, coronel?"
Foi uma decisão minha. Assumo a responsabilidade. Sou coronel da PM, não sou omisso. O que não posso ter é servidores enfrentando servidores. Temos muito a negociar. Todos aqui estamos no mesmo barco. Eu posso perder meu comando, o que for. Mas eu não vou perder minha dignidade e minha honra.

EXCEÇÃO

Policial civil Álvaro Luís, há 30 anos na corporação, também foi atingido. Foto: Mídia NINJA
Policial civil Álvaro Luís, há 30 anos na corporação, também foi atingido. Foto: Mídia NINJA
A situação atípica mostra o peso que servidores da segurança podem ter sobre as decisões da Polícia Militar. Na semana passada, o coronel Rodrigo Sanglard foi exonerado pelo governador apenas um dia após deixar de impedir que servidores da segurança ocupassem as dependências da Alerj. Nesta quarta, foi comum ver policiais/manifestantes com dedo em riste para policias em serviço. Foi o caso do policial civil Álvaro Luís, há 30 anos na corporação.
Tô reclamando porque sou colega e estou brigando por eles e, porra, os caras tão dando tiro de borracha em cima. Olha minha perna aqui. Aí eu falei para eles: 'quem deu, dá agora de frente, cara a cara, porque eu também tô armado, porra'. Nem por isso meti a mão na arma para dar tiro neles! Precisa dessa porra dessa covardia?
Aqueles que deixaram o cordão para juntar-se à manifestação foram presos administrativamente.

A GRADE, A REUNIÃO, O PROTESTO E A COVARDIA

Todos sabiam que esta quarta-feira seria tensa nas imediações da Alerj. O Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (o MUSPE) convocou o ato para pressionar os deputados estaduais que começaram a analisar o Pacotaço do governador Luiz Fernando Pezão, que, entre outras coisas, arromba os salários dos servidores da ativa e da inativa em até 30%, termina com as promoções por triênio, limita o gasto com Bilhete Único, extingue os programas Restaurante Popular e Aluguel Social.
Manifestação reuniu servidores públicos da área da segurança mas também da área da educação, judiciário. Foto: Mídia NINJA
Manifestação reuniu servidores públicos da área da segurança mas também da área da educação, judiciário. Foto: Mídia NINJA
Servidores reivindicavam contra Pacotaço de Pezão em votação pelos deputados. Foto: Mídia NINJA
Servidores reivindicavam contra Pacotaço de Pezão em votação pelos deputados. Foto: Mídia NINJA
A tensão era tanta que, desde o fim de semana, grades foram levantadas ao redor da Alerj. No final da manhã de hoje, enquanto a manifestação começava do lado de fora, representantes de sindicatos dos servidores se reuniam com o presidente da Assembleia, o deputado Jorge Picciani (PMDB) e um colégio de líderes. Entre os servidores, estavam professores, profissionais da saúde e da cultura, bombeiros, policiais civis e militares e ainda da Superintendência Penitenciária.
A cerca de metal rodeava a Alerj desde o início da semana e hoje a tropa de choque cercava também as imediações. Foto: Mídia NINJA
A cerca de metal rodeava a Alerj desde o início da semana e hoje a tropa de choque cercava também as imediações. Foto: Mídia NINJA
O sub-tenente do Corpo de Bombeiros Mesac Eflaim esteve na reunião e disse que conseguiu da boca de Picciani a promessa de que as medidas polêmicas serão votadas apenas no mês de dezembro e, ainda, que a assembleia irá se resguardar com a procuradoria do Estado sobre a constitucionalidade de todas as decisões.
Do lado de fora, o clima esquentou a partir do meio-dia, quando os manifestantes derrubaram a primeira das duas grades colocadas em frente ao Palácio Tiradentes. Segundo o comandante Fiorentini, a ordem de repressão veio após a tentativa da derrubada da segunda grade. Houve correria por todos os lados. A polícia disparou balas de borracha que acertaram, pelo menos, dois policiais civis. Um deles no braço e outro na perna. Além disso, um gás lacrimogêneo especialmente forte também pode ser sentido. Muitos choraram e mesmo vomitaram. Algo ainda incomum no Rio, jatos d'água foram disparados por um imenso furgão que lembra um caveirão.
A tropa de choque avanço contra manifestantes deixando pelo menos quatro feridos durante o ato. Foto: Mídia NINJA
A tropa de choque avanço contra manifestantes deixando pelo menos quatro feridos durante o ato. Foto: Mídia NINJA
O uso de gás lacrimogêneo e spray de pimenta provocou enjoo e até vômitos de manifestantes. Foto: Mídia NINJA
O uso de gás lacrimogêneo e spray de pimenta provocou enjoo e até vômitos de manifestantes. Foto: Mídia NINJA
Quando a temperatura baixou, os manifestantes retornaram para perto dos policiais, até que o comandante propôs a trégua. Os manifestantes voltaram, então, a tomar as escadarias e gritaram pelo impeachment do governador. Representantes de sindicatos subiram ao carro de som dizendo que, nesta quarta, não haveria votações polêmicas, apenas votação para baixar o salário do governador, seu vice e secretários (medidas que também fazem parte do pacote). Um servidor, em cima do carro, encerrou:
Se é para votar a diminuição do salário deles, foda-se, que votem!

ATÉ ONDE VAI A TRÉGUA

O ato de hoje mostrou o poder de negociação e comoção da própria PM quando entre os manifestantes estão seus 'colegas', generosidade não vista em demais manifestações organizadas por movimentos sociais. No último ato no Rio de Janeiro, realizado no dia 11 de novembro, contra a Proposta de Emenda Constitucional que congela os investimentos federais em todas as áreas, inclusive saúde e educação pelos próximos 20 anos, fotógrafos e manifestantes foram violentamente agredidos pela PM, como mostra o vídeo abaixo:

Dez fatos sobre o comunismo/socialismo que você deveria saber antes de destilar ódio

Por Fernando Horta - Via Sul21

1) São coisas diferentes. No socialismo, por exemplo, o Estado deve ser forte para, através de regras claras, por a termo o controle burguês. No Comunismo o estado inexistirá em função da falta de necessidade dele para uma sociedade presumidamente sem classes. Marx nunca explicou as bases de tal “sociedade sem classes” mas o comunismo seria um estágio à frente do socialismo.
2) Nunca em toda a história do século XX algum país capitalista conseguiu superar as médias anuais de crescimento dos países socialistas. Tanto URSS entre os anos 20 e 30 e depois nos anos 60, quanto a China desde a década de 90 chegaram a atingir médias anuais de dois dígitos de crescimento por décadas.
3) O primeiro país a dar direitos trabalhistas e sociais igualitários às mulheres foi a URSS. Desde antes da segunda guerra mundial o aborto era legal dentro do mundo soviético e as mulheres ocupavam espaços de trabalho, academias e no exército igualitários com os homens.
4) Durante a década de 60 a vantagem científica da URSS para o mundo capitalista era tão grande que o governo americano teve que investir pesado em agências de pesquisa para reverter o sentimento de superioridade do mundo comunista que o chamado “efeito sputnik” causou. Ainda hoje muitas tecnologias contemporâneas têm suas raízes nas pesquisas soviéticas como o celular, por exemplo.
5) a transição de uma sociedade feudal (medieval) para uma sociedade industrial levou no capitalismo cerca de 200 anos (entre os séculos XVI e XVIII) e no modelo socialista levou pouco menos de 20 anos (entre 1917 e a década de 30)
6) O Nazifascismo foi vencido pelos exércitos vermelhos que mantiveram a luta na Europa até o final arcando também com as maiores perdas populacionais.
7) a Resistência ao nazi-fascismo foi feita nos países ocidentais majoritariamente pelos comunistas. Tanto na França quando na Inglaterra os grupos de “partisans” eram formados a partir das organizações comunistas e estas representaram a única efetiva oposição ao fascismo que começou ainda na Guerra Civil Espanhola.
8) Os partidos políticos mais antigos ainda em atividade no Brasil são os partidos comunistas (PCB e PCdoB). O PCB é criado em 1922 e o PCdoB criado em 1958.
9) O melhor sistema de saúde e educação do mundo é Cuba, levando-se em referência um PIB per capita de mais ou menos 6 mil dólares de Cuba, se comparados a mais de 50 mil dólares dos EUA e 40 mil da Inglaterra.
10) o maior partido da oposição japonesa atualmente é o partido comunista que vem crescendo em função da crise da economia japonesa e dos custos sociais de um regime capitalista avançado, como o japonês (alto níveis de suicídios, falta de seguridade social especialmente para populações mais velhas e etc.)
.oOo.
Fernando Horta é professor, historiador, doutorando na UnB.

PALMEIRAS, CACO BARCELLOS E REDE GLOBO

"O que houve com Barcellos não foi ataque à liberdade de imprensa. O episódio foi a consequência do que há anos se planta na tela da TV com a Rede Globo."

globo
São Paulo, terça-feira, 15 de novembro de 2016 – A torcida do Palmeiras toma o aeroporto de Congonhas e faz uma festa incrível para empurrar seu time rumo ao título brasileiro. A quatro rodadas do final, o time alviverde tinha 70 pontos, quatro a mais que o Flamengo, segundo colocado e com um jogo a mais. Absolutamente todos os veículos de comunicação saúdam o mar verde.
Rio de Janeiro, quarta-feira, 16 de novembro de 2016 – Está em trâmite na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) uma série de medidas visando a redução de gastos públicos, o que é feito, claro, sangrando os direitos do trabalhador. Cobrindo a manifestação dos servidores públicos contrários a tais medidas, Caco Barcellos foi expulso e agredido pelos presentes aos gritos de “golpista” e “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. A emissora soltou uma nota dizendo: “A Globo repudia qualquer tipo de hostilidade que impeça a transmissão da notícia ao espectador, único fim do trabalho jornalístico da Globo, que preza pela isenção e correção” (Ahãm).
Entre os dois fatos um denominador comum: a Rede Globo.
A tal festa incrível da torcida palmeirense já foi regra semanal dentro dos estádios. Não só da torcida alviverde como de incontáveis clubes Brasil afora antes da elitização de nossos estádios.
Não se trata apenas de erguer modernas arenas, mas de moldar o torcedor a elas. Para domesticar o torcedor e transformá-lo em um consumidor, é necessário incutir a nova modalidade de torcer, na qual não cabe mais balançar bandeiras, acender sinalizadores, tirar a camisa, sentar em lugares aleatórios, fazer churrasco no entorno, ficar bêbado, etc.
Muitos faziam isso, mas temos os especialistas: torcidas organizadas. Os mesmos que a Rede Globo, detentora dos direitos exclusivos de transmissão dos jogos, chama de “vândalos travestidos de torcedores” e “membros de facção”. Se são vândalos e são membros de facção devem ser combatidos da forma mais brutal possível pela Polícia Militar. Sim, aquela polícia que mais mata no mundo deve cuidar da ordem.
Mas por que? Para que as famílias voltem aos estádios, para que os jogos comecem sem fumaça, para que os “torcedores comuns” possam parar seus carros, sentar em seus lugares marcados, consumir com calma os produtos vendidos, balançar as bandeiras de plástico com o logo do patrocinador deixadas em seu assento pela diretoria. Enfim, para que o novo modo de torcer seja sinônimo de conforto, educação e desenvolvimento. Nem que para isso se chame de “evolução” policiais espancando pessoas nas arquibancadas.
Torcida palmeirense no aeroporto
Torcida palmeirense no aeroporto
Na outra ponta temos Caco Barcellos, funcionário da Rede Globo. Como jornalista é um monstro, escreveu seu primeiro livro, nos idos dos anos 80, na linha de frente da guerra na Nicarágua, “A Revolução das Crianças”, e posteriormente nos brindou com um trabalho contundente sobre a elite da PM paulista, o famoso “Rota 66”.
Porém, trabalha para a Globo (não que justifique) e estava no meio de uma manifestação. A regra da Globo para manifestações é criminalizar as que não a interessam e exaltar as que interessam. Convocaram para as manifestações pró-impeachment como sendo um belo piquenique dominical no parque. Talvez fosse, mas não é este o ponto.
Nas manifestações de 2013 no mesmo Rio de Janeiro (e no Brasil), usou todo o seu alcance para escandalizar o país no Jornal Nacional com os vândalos mascarados que barbarizavam pelas ruas. Criminalizaram o quanto puderam e conquistaram seu troféu: Santiago Andrade, cinegrafista da Band morto por um rojão solto por manifestantes.
Deitaram e rolaram na história, transfigurando aquele momento em um ataque grave à liberdade de impressa e como a prova definitiva do caráter terrorista de manifestantes que ousavam enfrentar a polícia e a ordem.
Caco Barcellos sendo agredido. O posicionamento da Globo coloca em risco seus profissionais
Caco Barcellos sendo agredido: o posicionamento da Globo coloca em risco seus profissionais. Evoca liberdade de imprensa para colher informações e depois deturpa a realidade de acordo com os seus interesses. Jornalistas são estigmatizados assim como sua empregadora faz com outros setores da sociedade.
Voltando um pouco no tempo, temos o apoio da Globo à ditadura militar, inclusive tentando esconder o movimento Diretas Já. Nos anos 80, o caso Proconsult, que foi uma tentativa de fraude eleitoral para evitar a vitória de Brizola no Rio. Começo dos anos 90 a manipulação descarada para que Collor vencesse Lula. Recentemente, a criminalização de todos os movimentos de rua, além do incentivo ao punitivismo puro e simples. Permanentemente, a criminalização da pobreza com “especialistas” explicando porque se deve usar fuzil nas favelas.
Democratizar a mídia é medida urgente. Urgente porque está intimamente ligada à liberdade na vida real, nas ruas, nos estádios, nas assembleias, comunidades, onde quer que seja. Nos espantamos com uma festa de torcida em um aeroporto e com um jornalista agredido. Temos razão, é de se espantar este deslocamento, as coisas fora do seu lugar natural.
Porém, não se pode esquecer que não chegamos a este ponto à toa, tivemos um incentivo crucial ao ódio, à classificação da sociedade entre os que devem sofrer e os que não devem; e esta linha é maleável, pode atingir quem a defende e vice-versa.
A torcida palmeirense foi exaltada naquele momento, mas no jogo seguinte, em casa, teve um cerco no entorno para “evitar tumulto”. Aquele torcedor que compra a conversa da Globo que torcedor organizado é marginal e gostava de tomar sua cerveja na rua Palestra Itália sentiu na pele a criminalização. Pague caro e consuma muito (os ingressos, planos de sócio torcedor, produtos oficiais e autorizados, é claro),  mas torça com moderação. Essa é a nova lei das arenas esportistas que estão empurrando goela abaixo (com revolver e distintivo) em território palmeirense, mas que não ficará só por lá; recairá sobre qualquer torcida que quiser voltar a ocupar o seu devido espaço.
O Caco Barcellos foi a bola da vez, aliás, não foi a primeira oportunidade que foi expulso, lá em 2013 também foi. Apesar da importância de seu trabalho e de não se tratar de mais um jornalista que analisa superficialmente o assunto, será taxado de golpista por trabalhar para a Globo, generalização que a Globo faz com os manifestantes. Mesma lógica.
O que houve com Barcellos não foi ataque à liberdade de imprensa e tampouco o rolê no aeroporto se tratou de festa histórica. Ambos os tipos de episódio acontecem com certa frequência. Ambos os episódios foram a consequência do que há anos se planta na tela da TV com a Rede Globo.

Só não seremos fofas

Pela inconformidade de gênero. Pela transgressão dos padrões feitos para agradar aos homens – e às mulheres que se submetem

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Por Maria Bitarello | Imagem: Laerte
Aprendi um termo novo esses dias: conformidade de gênero. Não tinha o vocabulário correto, mas a sensação, sim, claro. Há mulheres mais ou menos de acordo com o que se espera delas, assim como há homens considerados masculinos o bastante – ou não. Se sua intuição está agora te dizendo que quem tem maior conformidade de gênero só pode ser a mulher cis heterossexual, por exemplo, volte duas casas. Não necessariamente. A mulher trans pode ser muito mais lady. Conformidade de gênero, segundo aprendi, não tem a ver com orientação sexual nem com identidade de gênero, mas sim com o que se espera do comportamento social do seu gênero. Ou seja, quão feminina ou masculino é você?
Eu, com certeza, não sou muito mulherzinha assim como manda o manual das donzelas. Nunca me comportei como a mocinha que minha vó talvez gostaria que eu tivesse sido. Olho em volta e vejo outras mulheres bem mais de acordo com as normas femininas, da vestimenta ao tom de voz. Pelo menos no Brasil. Somos uma legião de mulheres atuando fora da zona (bem estreita) de comportamentos ditos apropriados. Fora disso já fica um pouco desconfortável. Meio sapatão, muito independente, pouco delicada. Personalidade demais. Preocupação de menos com a aprovação masculina. Um crime que não costuma passar impune.
Não sei você, mas eu tenho mais acessórios de acampamento do que sapatos. Mais instrumentos musicais do que bolsas. Mais livros do que qualquer outra coisa. Joguei futebol, tocava guitarra, faço fotografias. Gostava de subir nas coisas, me meter em encrenca, andar de bicicleta, patins, roubar frutas do vizinho. As brincadeiras das outras meninas de apartamento da minha geração me pareciam de um tédio inenarrável. Ser esposa, cuidar da casa, do marido, dos filhos: que saco. Eu precisava correr e criar, suar e me arriscar, igual um cachorro, pra não pirar. Me diziam que eu não tinha modos. Daí eu cresci e só piorou. Gosto de viajar sozinha. Falo palavrão. Sento de pernas abertas. Nunca fui sustentada por um cônjuge. E segundo meu mapa astral, nunca serei.
Claro que #nãotáfácilpraninguém, mas a vida de uma menina é diferente da de um menino. Ela é bem mais recheada de nãos e de “tem que”. Não pode voltar pra casa essa hora à pé, tem que casar, não deve viajar sozinha, tem que construir família, não vai dormir lá na casa do menino, tem que deixar o marido ser o centro das atenções, não pode ficar com essa unha roída horrorosa. Mesmo desconfiadíssima desse esquema suspeito, minha vez também chegou. Hora de virar mulher. Os peitos crescem, os meninos te olham diferente, você menstrua e já pode engravidar. O “você agora já é mocinha” carrega significados múltiplos. Não pode dar pra qualquer um, mas também não pode ficar pra titia. Tem que trabalhar e correr atrás do seu, mas não demais, senão homem nenhum vai querer ficar com você. Um inferno.
Mas viajar liberta. Viajando descobri que nem sempre é assim, como é aqui. Que em alguns lugares é pior. Em muitos, aliás. Mas que em alguns também é melhor. Descobri que cada cultura tem seus próprios códigos sobre o que é ou não feminino ou masculino o bastante. Que o desajuste em um lugar pode não significar nada demais em outro. Que na Europa, por exemplo, sou tipo mulherzinha padrão latina – feminina, barroca –, algo que aqui eu jamais seria. Viajando, aqui e alhures, também conheci mulheres maravilhosas que me mostraram outros caminhos possíveis, que afirmam a existência de uma outra mulher. Uma que arrisca desrespeitar os padrões que estão aí pra agradar aos homens – e às mulheres que só pensam em agradar aos homens.
Ser mulher traz uma bagagem kármica só sua. E karma tem o que vem com a gente e o que a gente gera pra próxima vi(n)da. Eu sou sagitariana e tenho um otimismo incurável de que tudo vai melhorar. Se não na macropolítica – porque tá tudo um horror –, na micro: em mim, em você, no cotidiano, no tudão. Sei lá, acho que evolução é inevitável. Confio nisso. E que certas coisas demoram uma vida toda pra gente entender. Tenho uma tia que diz que ser mulher é um estado evolutivo e espiritual mais avançado do que ser homem. Eu acho maravilhoso ser mulher, mas não é pros fracos, não. Segundo a filosofia barata e doméstica dessa minha tia, se você é mulher nessa vida, é porque já veio antes como homem e já andou pra frente. Eu gosto dessa ideia. Assim, na próxima encarnação, quem sabe, poderemos ser árvores. Seremos flores. Pedras. Água. Só não seremos fofas.

Breve história crítica dos feminismos no Brasil

Excluídas da história oficial, as mulheres fazem do ato de contar a própria trajetória uma forma de resistência. Neste ensaio, publicado na...