Cultura de Estupro: 7 traços que os homens reproduzem sem querer no cotidiano

Uma triste verdade: a cultura do estupro está inserida historicamente em nossa sociedade. Talvez os homens não concordem, e até mesmo algumas mulheres, mas a questão é que, quando falamos sobre um mundo ocidental, patriarcal, aparentemente se mostra que os homens são melhores ou mais importantes em determinados sentidos que as mulheres. Apesar de haver uma grande luta, que nos últimos anos tem ganhado cada vez mais força,na tentativa de conscientização da sociedade em relação à igualdade de gêneros, os preconceitos ainda permanecem fortemente arraigados ao convívio social.
7 traços da cultura de estupro que os homens reproduzem sem querer no cotidiano
A probabilidade de você não concordar com isso é grande, mas com certeza conhece alguém que ainda sim. Como por exemplo, o homem é quem deve prover o sustento da casa, da família. Ou em situações menores, como um pneu furado na estrada, tanto por parte dos homens quanto das mulheres, eles dizem que ela não sabe e, por sua vez, ela acata esse pensamento dizendo que não faz parte de sua alçada aprender esse tipo de coisa. Uma questão: com exceção dos órgãos reprodutores, em que, necessariamente, se diferenciam biologicamente os organismos masculinos e femininos?
Determinadas situações são extremamente constrangedoras e embaraçosas, trazem à tona preconceitos e medos que não são dialogados em sociedade. De acordo com a legislação brasileira, é considerado estupro:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2o Se da conduta resulta morte:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.


Muitas vezes, uma pessoa sofre estupros constantes sem mesmo saber que o está. O mais comum são casos como: festas, trabalho e até dentro da própria casa. O ato de reproduzir esses traços culturais podem acontecer tanto contra os homens quanto contra as mulheres. Mas, com certeza, 99% das vezes, repugnantemente, acontecem contra as mulheres.
Confira abaixo a seleção que a redação da Fatos Desconhecidos preparou e se surpreenda com alguns traços da cultura do estupro que os homens reproduzem sem querer no cotiano e que passam despercebidas no dia-a-dia.

1. Coisa de menina02-60-600x430

Se vestir bem, se cuidar, ser recatada. Não sentar de pernas abertas, não subir em árvores, não brincar de bola na rua. Bonecas, cházinhos, brincar de casinha, maquiagem. Dançar balé ao invés de praticar artes marciais. Usar rosa e amarelo ao invés de azul e verde. As meninas devem aprender a “servir”, ajuda nas tarefas da casa, obedece pais e irmãos, por serem homens.

2. Mulher casta03-61-600x400

Desde sempre é ensinado às mulheres que elas devem ser castas, seletivas, honradas. Devem escolher o parceiro com cuidado e detalhadamente. Caso contrário, se torna puta, vagabunda, piranha, etc. Enquanto os homens, com quanto mais mulheres se envolvem, frequentam bordéis, vão às festas, mais “machões” eles são, devem ser pegadores para se provarem viris.

3. Roupas04-55-518x500

Criticar as roupas de uma mulher, porque é curta de mais, decotada, ou porque a idade dela já não combina com aquele tipo de roupa. Quando alguém fala “Essa roupa está muito curta.” é a mesma coisa de dizer que “Mas também, com minissaia à noite, pediu para acontecer”. Pelo fato de que o corpo da mulher é de propriedade dela, de mais ninguém. Não existe homem, pai, namorado, marido, no mundo que tenha poder sobre o que ela faz ou deixa de fazer em relação ao próprio corpo.

4. Objetosmaxresdefault-5-600x338

Talvez um dos piores traços da cultura do estupro, objetifica o corpo da mulher. É muito comum ver esse tipo de coisa acontecendo em propagandas de cerveja, com a famosa “Globeleza”, etc.

5. Cantadas

As famosas cantadas de pedreiro, tiram a liberdade e, na maioria das vezes, ao invés de servirem como elogio, acabam insultando aquelas que por ali passam. Os homens fazem isso por acreditar que é de direito deles, é a prova mais fiel da crença de poder e dominação sobre a mulher.

6. Desumanizar07-84-600x336

Quando os esteriótipos, as características físicas da mulher definem o que ela é. Como por exemplo: loira gostosagordelíciabonita e burra, são exemplo de objetificação da mulher. Esse é um dos piores tipos de sexismo, porque ele vem disfarçado de brincadeira.

7. Silêncio08-64-600x450

É preciso começar desde já, abrir a boca, falar, não ter medo nem vergonha. O silencio é o pior inimigo nessas horas. Não denunciar é a mesma coisa de ser cúmplice. Seja um puxão no cabelo, uma piada sexista ou tentativa de tratar a mulher como objeto, esses e outros atos são atos machistas e contribuem para a cultura do estupro.
Provavelmente nem todos vocês irão concordar, mas o pior cego é aquele que não quer ver. Essas características, como dissemos anteriormente, estão incrustadas em nossa cultura social e cabe a nós desmistificarmos. Claro que as coisas não mudam do dia para a noite, mas o mais importante é começar.

Estratégia evangélica é ocupar o Executivo para chegar ao Judiciário, diz pesquisadora

A vitória do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, na eleição municipal do Rio é um passo fundamental na estratégia do segmento evangélico de ocupar o Executivo para chegar ao Judiciário.

Por THAIS BILENKY - Folha de São Paulo

Para a pesquisadora Christina Vital, 42, da Universidade Federal Fluminense, que estuda a atuação política dos neopentecostais, conseguir chegar à Presidência da República é importante para eles como estratégia para barrar no Supremo Tribunal Federal temas de minorias -como a pauta gay- que travam embate com esses religiosos.

O crescimento do PRB, partido ligado à Igreja Universal, porém, causa tensão entre outras denominações, que se veem ameaçadas por seu poderio político e econômico.

Folha - Qual é a consequência da vitória de Marcelo Crivella no Rio para os evangélicos na política?

Christina Vital - Há uma tensão diante do crescimento do PRB. A Iurd [Igreja Universal do Reino de Deus, ligada ao partido] vem comprando horários em outras emissoras, não só na Record, encarecendo-os, fazendo uma gentrificação do espaço público.

Muitas lideranças da Assembleia de Deus e outras denominações veem com apreensão o crescimento de uma corrente que não lhes representa e é avassaladora em termos econômicos e de ocupação do espaço público.

Mas, por outro lado, desde pelo menos 2014, há um investimento de importantes lideranças evangélicas em torno de unidade para ocupação dos Executivos. No Legislativo, é mais fácil, você fala para um núcleo. Para o Executivo, tem de conciliar a fala para a base religiosa com a fala para a sociedade em geral.

Essa unidade pode crescer para 2018?

A possível candidatura presidencial de 2018 em torno do [deputado do PSC-RJ, Jair] Bolsonaro é talvez mais representativa de um movimento de unidade de diferentes denominações.

A Assembleia de Deus, a Sara Nossa Terra e a Igreja Batista já o apoiam. Até o momento, a Universal do Reino de Deus consegue ser inimiga de católicos e de outros evangélicos. Tem uma condição muito singular. E pensar que teve queda no número de fieis desde 2000. Os religiosos da Universal dialogam para muito além do universo religioso. Têm uma pauta mais conservadora, neoliberal.

Os resultados municipais de 2016 evidenciam uma mudança na estratégia, com discurso mais moderado ou perfis mais palatáveis para o eleitorado que não é evangélico?

Sim, eles adotaram um jogo de visibilidade e ocultação da identidade evangélica dos candidatos. Crivella não se registrou na Justiça como bispo Crivella, diferente do que fez o pastor Everaldo [candidato presidencial do PSC em 2014], que, no registro, já ativou o lugar dele na hierarquia religiosa.

Em uma candidatura majoritária, não se pode ter referência apenas em uma base, você tem de falar para um público mais geral. E aí eles ativam elementos que não são evidentemente religiosos, como a forte inclinação para falar do cuidado com as pessoas, da atenção, e motivação da individualidade.

Em 2011, Crivella disse que Lula ajudou a Universal a se expandir dentro e fora do Brasil. Além disso, dirigentes do PSDB o apoiaram no segundo turno. Em que medida políticos tradicionais facilitaram o crescimento de quadros evangélicos no país?

Os evangélicos estão na política há muitos anos, tiveram papel importante na Constituinte e foram ganhando espaço desde então. Mas, a partir do primeiro mandato do ex-presidente Lula, os evangélicos que, de modo geral, apresentavam-se como minoria em termos percentuais e mesmo do seu lugar na agenda pública, crescem. Coincidência ou não, em 2003, a frente parlamentar evangélica passa por uma reestruturação.

Os partidos e todo candidato têm interesse em números de massa. E as organizações religiosas são em estatística de associativismo das poucas que continuam crescendo.

A ocupação do Executivo mira o Judiciário?

No nosso livro que será lançado, o pastor Everaldo falou claramente na estratégia de assumir a 'cabeça', falou exatamente a palavra 'cabeça', em uma referência à importância da ocupação da Presidência, que é por onde passa a indicação para o Supremo Tribunal Federal.

A gente acompanha o crescimento de mobilização de juízes evangélicos ou sensíveis à causa evangélica na Associação de Juristas Evangélicos, que se espelha na Associação de Juristas Católicos, da qual Ives Gandra Martins é o grande representante.

Desde pelo menos 2006, o Judiciário tem sido o Poder que vinha possibilitando a garantia de direitos de algumas minorias, direitos esses ameaçados, digamos assim, pelo comportamento legislativo. Os evangélicos falam de uma judicialização da política e eles estavam se organizando para combatê-la.

Crivella afirmou que a sua entrada na política foi imposta pela Universal, a despeito de sua resistência. Como se dá a escolha de quadros na igreja para serem lançados?

Há diferentes formas. Uma passa por escolher pastores que têm importante representação na denominação, têm carisma. Outras vezes, as escolhas são feitas por relações familiares entre a liderança religiosa e o nome proposto, como no caso do Crivella, sobrinho de Edir Macedo, fundador da Universal.

Mangabeira Unger apontou benefícios na ascensão de evangélicos por sua 'bênção à prosperidade'. A senhora concorda?

Discordo, porque não entendo que haja necessariamente relação entre a teologia da prosperidade e o desenvolvimento da nação, como se a cultura católica fosse responsável por subdesenvolvimento e o neopentecostalismo, por desenvolvimento econômico. Aí tem uma diferença.

A bandeira de Benjamin Franklin e do calvinismo, que forma a base do discurso do comportamento americano, é muito diferente da teologia da prosperidade, que tem a ver com consumo e ostentação, com individualidade, e não com produção, contenção, disciplina do trabalho e coletividade. Isso é preocupante, não a ascensão dos evangélicos de modo geral.

O PRB em São Paulo lançou o deputado Celso Russomanno à prefeitura, que é católico e tentou se dissociar da religião. Qual é o espaço para o laicismo no partido?

O partido tem um projeto de poder maior que não se sustenta só em torno da religião. Então, a legenda escolhe candidatos com carisma, ampla visibilidade na sociedade, para angariar votos.

As igrejas aumentam a sua influência inclusive entre o crime organizado, e políticos ligados a milícias declararam apoio a Crivella. Até onde vão as concessões de evangélicos nas negociações políticas?

Tem de ter pragmatismo, porque o universo politico demanda aliança, negociação com diferentes segmentos. E aí não dá para ser uma coisa só intrarreligiosa.

Mesmo esses religiosos no Congresso Nacional não representam todos os evangélicos no Brasil em todas as pautas. Na questão do aborto e LGBT, sim, há correspondência. Mas na pauta da arma e da pena de morte, há enorme descompasso, segundo o Datafolha. Os religiosos no Congresso são mais conservadores. Eles têm interesses para muito além do universo religioso, propriamente, passam por interesses pessoais e partidários.

Os evangélicos no Brasil são, em geral, contra a pena de morte, contra a ampliação do armamento e contra o Estado liberal, defendem o Estado protetor. Enquanto a maior parte dos políticos religiosos no Congresso é a favor do liberalismo. Tem um descompasso aí.


Bebês negros eram usados como iscas para caçar jacarés nos EUA

Por Simone Guimaraes

Durante a escravidão e até meados do século vinte, bebés negros foram usados como isca de jacaré no Norte e Centro da Florida nos Estados Unidos de América.



Os caçadores de jacarés roubavam os filhos quando as mães, muitas delas escravas estavam ocupadas com seus afazeres diários. Algumas seriam crianças de um ano de vida ou menos. Outras crianças eram roubadas à noite mediante ataques brutais contra seus pais, de seguida amarravam uma corda em volta do pescoço e ao redor de seu torso junto de uma árvore no pântano ou eixavam-nas em gaiolas como se fossem galinhas.

Como as crianças choravam e gritavam os jacarés apareciam rápido para devora-las, em questões de minutos os jacarés estavam sobre elas. O caçador que se mantinha distante não dava conta da presença do jacaré, já que a caça era realizada a noite, então somente quando o animal atacava a criança e tentava arrasta-la no pântano para devorar ou quando começava a come-la viva é que os caçadores conseguiam se aperceber da presença do mesmo através dos movimentos e esticar da corda. Somente nesta altura que eles partiam em direção ao bebe e matavam o animal.

Bebês negros eram usados como iscas para caçar jacarés


A revista Time, em 1923, relatou que os caçadores da cidade de Chipley, Flórida, praticavam tais atos, mas a cidade negou-o como “uma mentira boba, falsa e absurda.”

A prática tem sido documentada em pelo menos em três filmes: “Alligator Bait” (1900) e “O ‘Gator eo pickaninny” (1900). E a história de dois meninos negros que serviam de isca de jacaré foi contada em “Fúria Untamed” (1947).

Na verdade, o termo “isca de jacaré” era comum em todo o Sul dos estados unidos, pelo menos, da década de 1860 até ao ano de 1960 foi um insulto racial e uma ameaça que os brancos usavam para “domesticar” as crianças negras resilientes.

Mas na década de 1940 no Harlem, em New York “, isca de jacaré” aplicada aos negros de qualquer idade – particularmente aqueles que eram da Flórida.

Finalmente, em termos de iconografia, a partir de, pelo menos, a década de 1890 até os anos 1960, as crianças negras eram frequentemente retratado como isca de jacaré nos brinquedos para as crianças brancas, saboneteiras, escovas de dentes, cinzeiros e, especialmente, em cartões postais enviados através do correio dos EUA.

Whites Used Black Babies as Alligator Bait

Meus sete anos como escrava sexual dos cartéis de drogas do México


Esta matéria foi originalmente publicada na VICE NEWS.



Daniela se lembra de atravessar de carro o deserto do norte do México de olhos vendados, pensando que estava a caminho da morte. Recorda que foi obrigada a descer da van, tirar a venda e seguir os sequestradores armados até uma casa grande, onde então teve que descer para o porão. Ela foi forçada a ver o que estava acontecendo e tentou apagar da mente.

Não deu certo. A cena ainda está na memória — cerca de cinco jovens amarradas a pilares, cercadas de homens que tinham pagado caro não só para estuprá-las, mas também para torturá-las e, quem sabe, matá-las.

Daniela não é seu nome de verdade. Ela insiste em usar um pseudônimo porque, apesar de ter conseguido fugir do terror a que foi submetida, o alcance de seus antigos raptores é grande. O que ela viu naquele dia foi apenas uma das muitas experiências aterradoras pelas quais passou em sete anos de escravidão sexual, primeiro sob controle de Los Zetas e depois, do Cartel do Golfo. O tormento terminou quando ela conseguiu fugir em 2015, voltando para a família na Nicarágua, onde todo pesadelo começou.

"Vi muita gente morrer, e de formas terríveis", diz, tomando chocolate quente e comendo pizza em uma cafeteria na Cidade do México. "Quero contar porque as pessoas precisam saber o que está acontecendo na fronteira com as meninas desaparecidas, e com muitas das meninas que trabalham no comércio sexual nas zonas dos tráfico."

O caso de Daniela está sendo investigado pela procuradoria geral do México, mas se ela tivesse esperado a salvação do governo, muito provavelmente não estaria livre, e viva, hoje.

Quero contar porque as pessoas precisam saber o que está acontecendo na fronteira com as meninas desaparecidas.

Segundo dados do governo mexicano, 20.203 homens e 7.435 mulheres estavam classificados como "sumidos ou desaparecidos" no país no fim de 2015. É basicamente o mesmo número de quando o presidente Enrique Peña Nieto assumiu o mandato em dezembro de 2012, com o compromisso de agir para acabar com os horrores dos desaparecimentos promovidos pelas mãos dos cartéis de drogas. As promessas se intensificaram depois que o desaparecimento em massa de 43 estudantes em setembro de 2014 na cidade de Iguala, no sul do país, desencadeou a indignação nacional e internacional.

São recorrentes as duras críticas de grupos de direitos humanos do México e do exterior às autoridades do país por não atuarem com mais empenho na busca pelos desaparecidos. No começo de agosto, 68 membros do Congresso dos EUA assinaram uma carta endereçada ao secretário de Estado norte-americano John Kerry sobre a "atual crise de direitos humanos no México". O texto começa com uma referência aos desaparecidos.

Quem some raramente volta para contar a história. Os motivos dos sequestros variam, mas muitos são raptados para fins de escravidão sexual. A história de sobrevivência de Daniela é ao mesmo tempo extraordinária e angustiante.

Daniela conta que ela mesma ficou chocada ao descobrir a duração de seu suplício. Ela havia estimado quatro ou cinco anos, mas os sequestradores deliberadamente confundiam a passagem do tempo para ela.

"Às vezes, quando estava com um cliente, eu descobria em que mês ou ano estávamos, porque ele acabava falando na conversa, mas se me ouviam perguntando, eu apanhava bastante", recorda. "Não tinha rádio nem televisão [onde eu estava], jornal, nada. Eu dormia em uma das casas deles, eles me levavam para fazer coisas horríveis com os clientes, tiravam meu dinheiro e depois me levavam de volta para dormir."
O início do inferno

Tudo começou quando Daniela tinha 22 anos e passava dificuldades para sustentar os filhos e a mãe, trabalhando como costureira em uma fábrica voltada para exportação perto de sua cidade natal na Nicarágua.

Era abril de 2008 e o país de Daniela mantinha relativa distância da violência brutal que já assolava regiões do México e países vizinhos na América Central. Então a jovem não tinha muitos motivos para ter cautela quando aceitou um convite para uma reunião em que, segundo lhe disseram, ela passaria por uma avaliação para assumir um empréstimo.

As 15 jovens que participaram daquela reunião perto da fronteira com Honduras foram sequestradas.

Homens armados tomaram seus documentos de identificação e deram calças jeans claras, camisetas e bonés de beisebol brancos para elas vestirem. Ameaçaram matar as famílias das jovens se elas não seguissem instruções detalhadas durante a travessia de postos fronteiriços em Honduras, depois Guatemala, Belize e, finalmente, México.

Dois dias depois do início da viagem, elas pararam na cidade de Comitán, no sul do estado mexicano de Chiapas, e foram colocadas para trabalhar em prostíbulos escuros e sujos. Daniela diz que elas eram espancadas quando demonstravam inexperiência. Duas semanas depois, o grupo continuou a viagem rumo ao norte. Daniela conta que foi a última a ser entregue aos novos mestres, em Nuevo Laredo, no estado de Tamaulipas, na fronteira com o Texas. Foi só então que ela descobriu que estava em poder do cartel Los Zetas.
O cartel

Os Zetas foram formados nos anos 90 por um grupo de desertores das forças especiais recrutados pelo Cartel do Golfo para proteger o então líder do grupo, Osiel Cárdenas. Quando capturaram Daniela, já eram uma organização criminosa famosa pela inclemência dispensada aos inimigos e exerciam poder sobre a população que vivia em suas fortalezas, das quais a mais importante era Tamaulipas.

Nada durante a entrevista afeta tanto Daniela quanto falar sobre o menino que ela considerava um irmãozinho, quando os dois trabalhavam na boate Danash, no centro de Nuevo Laredo. Ela o conheceu quando ele tinha apenas 12 anos e a lembrança a leva a soluçar.

Daniela tinha que dançar, beber e ficar chapada com os clientes, além de cumprir uma cota de seis serviços sexuais prestados por noite nos cubículos do clube. O menino era ajudante, mensageiro, vigia e DJ — e também era alugado para os clientes, muitos dos quais, turistas norte-americanos em busca de sexo com crianças.

Vi muita gente morrer, e de formas terríveis.

Daniela e seu irmão de consideração surrupiavam conversas furtivas quando seus sequestradores não estavam atentos. Fantasiavam com a liberdade. Ajudavam um ao outro a sobreviver.

Quando o menino teve problemas digestivos que o impediram de trabalhar, homens armados do cartel levaram-no junto com Daniela para a área montanhosa nos arredores da cidade.

Lá, deram uma arma para Daniela e ordenaram que ela o matasse. Quando ela se negou, deram a arma para o adolescente e disseram para ele a matar. Quando ele também se recusou a atirar, os homens o enforcaram em uma árvore e começaram a cortá-lo. Por fim, então, eles o mataram.

"Nunca mais ouvi falarem nada sobre ele", conta.

Mais tarde, Daniela descobriu que a ordem para matá-lo era um teste para ver se ela poderia, de escrava sexual, se transformar em sicaria, como são chamadas as assassinas de aluguel. Quando ficou claro que ela não cumpria os requisitos, o cartel atribui-lhe a função de contrabandear drogas. Esse é um padrão comum, no qual as vítimas do tráfico sexual são forçadas a realizar outros crimes quando envelhecem e passam a ganhar menos dinheiro para seus raptores.

Daniela conta que o novo trabalho a colocou em contato com líderes do cartel de nomes bem conhecidos da polícia, como Z-40, Metro 3 e Catracho.

Ela também conheceu um Zeta chamado de La Ardilla, e diz que viu quando ele ordenou o massacre de 72 migrantes centro-americanos em agosto de 2010. Mais tarde, ela contou às autoridades que os assassinatos foram encomendados porque o traficante acreditava que as vítimas eram reforços de seus inimigos.

O massacre ocorreu quando os Zetas e o Golfo travavam uma guerra generalizada depois do rompimento entre os dois cartéis no início daquele ano. A disputa incluía batalhas imensas com transporte de homens fortemente armados em comboios com dezenas de veículos de uma só vez.

O início de Daniela na guerra foi como escrava/amante escolhida por um comandante do Zeta de apelido El Viejón. Quando o traficante decidiu mudar a lealdade para o Golfo, ela inevitavelmente foi junto.

Pensei que já estava morta mesmo, então deixei que eles fugissem e se escondessem.

Ser identificada como propriedade pessoal de um chefe do cartel significa que implantaram um chip rastreador no pé de Daniela. Isso não a liberava, no entanto, da obrigação de fazer sexo com outros clientes também. Na verdade, as condições do bordel em que ela trabalhava ficaram ainda piores depois que o Golfo assumiu, apesar da reputação mais sangrenta dos Zetas.

Daniela conta que os novos chefes filmavam os clientes desde o momento em que eles entravam no bar. Os quartos tinham microfones e câmeras escondidas.

Ela relata que as mulheres tinham que assistir a vídeos de torturas e assassinatos de pessoas que tentavam fugir. Adquirir vícios também levava a desaparecimentos para sempre. E havia também as vítimas de clientes que pagavam para torturá-las e matá-las, como as mulheres que ela vira no porão em meio ao seu suplício. Daniela afirma que os raptores uma vez lhe mostraram um vídeo de um capanga alimentando um leão mantido em um esconderijo na cidade de Reynosa com partes de um corpo.

Embora diga que fez o possível para não arranjar problemas, Daniela conta que uma vez procurou a própria morte quando recebeu ordens de vigiar um casal que havia sido sequestrado.

"Era a primeira vez que me mandavam vigiar alguém e eles estavam muito tristes", relembra. "Pensei que já estava morta mesmo, então deixei que eles fossem embora. Deixei que eles fugissem e se escondessem."

Ela conta que esse ato de rebeldia lhe rendeu um espancamento terrível e uma viagem para o interior, onde El Viejón entrou em um trator e ameaçou passar por cima dela. Depois ele mudou de ideia e mandou que ela passasse horas de joelhos na frente de membros do cartel, para em seguida ser trancada em uma van sem nada para comer nem beber até quase a morte.

Passado o castigo, conta Daniela, ela teve que voltar a trabalhar no bordel.



De acordo com o relatório mais recente do governo mexicano sobre tráfico sexual no país, que data de 2014, existem 47 grupos criminosos identificados envolvidos com esse mercado de escravos sexuais, com líderes identificados na América Central, no México e nos Estados Unidos, e a participação de bares e boates nos raptos em toda a fronteira norte do país.

Daniela não tem certeza se algum de seus clientes sabia que ela era escravizada, mas acredita que alguns suspeitavam. Ela diz que às vezes ficava claro que eles tinham visto seus hematomas — apesar de não apanhar no rosto e dos cubículos serem escuros — mas faziam vista grossa. E pedir ajuda, conta a moça, estava fora de cogitação, embora às vezes ela tenha tentado transmitir seu desespero pelo olhar.
Fuga

A jovem não dá detalhes de como conseguiu finalmente escapar, tirar o chip do pé e fugir em segurança. Ela só diz que uma pessoa arriscou a própria vida para ajudá-la. "A pessoa me tirou daquele lugar, pagou meu transporte para a Cidade do México." É tudo que ela conta. "Se eu disser mais alguma coisa, vão matar essa pessoa e eu jamais me perdoaria por isso."

Ela tem bons motivos para temer pela vida de quem a salvou. A violência continua implacável em Tamaulipas, mesmo após o fim da guerra entre o Golfo e os Zetas, agora substituída por uma multiplicidade de batalhas entre diferentes facções dos dois cartéis.

Daniela também não conta detalhes sobre como acabou levando sua história para investigadores federais na Cidade do México. Inicialmente, afirma a jovem, ela foi enviada de volta para a Nicarágua, mas seu caso foi reavivado depois que uma ONG mexicana que atua no combate ao tráfico sexual bateu à sua porta.

Os ativistas conseguiram convencê-la a entrar em contato com um promotor especial em crimes sexuais. Sua esperança, diz ela, é que as investigações levem à liberdade de mulheres que, acredita a jovem, ainda estão desamparadas em cativeiro.

Daniela diz que sua família registrou o desaparecimento na Nicarágua logo que ela sumiu. Eles também falaram com um canal de TV local e divulgaram cartazes. Depois de um tempo, ela foi dada como morta. Como muitos centro-americanos que desaparecem no México, Daniela nem sequer foi computada no país como os outros 28 mil desaparecimentos registrados.

Daniela relembra a incredulidade da mãe quando ela ligou da delegacia de polícia na capital mexicana. Ela só começou a acreditar quando começaram os relatos de antigas lembranças, como o vestido longo demais que ela havia feito para o 15° aniversário da filha.

"Filha, você está viva!" Daniela recorda o choro da mãe quando a ficha finalmente caiu. "Estou, estou aqui, mãe. Estou aqui."

Disque 100 vai operar em aplicativo Proteja Brasil

Ferramenta do governo federal recebe denúncias de violação de direitos humanos

http://www.protejabrasil.com.br/br/

Para utilizar o Disque 100 por meio do Proteja Brasil basta baixar o aplicativo e clicar no ícone denuncie. Em seguida, serão apresentadas quatro opções: ligar para o disque 100; denunciar local sem acessibilidade; violação na internet; e violação fora da internet. Basta escolher qualquer uma dessas opções que o aplicativo irá guiar o usuário por diversos menus para identificar a violação.
Disque 100

O Disque 100 é um serviço de utilidade pública da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania (SDH/MJC), vinculada à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. O canal é destinado a receber demandas relativas a violações de Direitos Humanos, em especial as que atingem populações com vulnerabilidade acrescida, como crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, LGBT, pessoas em situação de rua e outros, como quilombolas, ciganos, indígenas e pessoas em privação de liberdade.
O serviço inclui ainda a disseminação de informações sobre direitos humanos e orientações acerca de ações, programas, campanhas e de serviços de atendimento, proteção, defesa e responsabilização em Direitos Humanos disponíveis no âmbito federal, estadual e municipal.

O que você faz com o seu preconceito?

O que você faz com o seu preconceito? Você o ignora? Você finge que ele não existe? Você ao menos se dá conta da existência dele, ou acredita fielmente que ele não reside também em você? Ele se situa apenas nos outros? É uma questão superada para você? Não o nota em seu interior, mesmo que pequenino, ali, no cantinho de sua alma? Se você for parar para refletir, para procurar, você o encontrará.





Por mais mínimo que seja, possuímos todos certo nível de preconceito em nosso ser. Digo aqui de uma maneira geral, bastante ampla. O preconceito reside em cada um de nós. Não adianta negar. O preconceito existe em vários níveis. Há aquele dos intolerantes, dos desarrazoados, dos que manifestam sua idiotice como um ato de orgulho, cujo preconceito é também intolerável. Mas há também aquele nível em menor escala, que muitas vezes se encontra arraigado no âmbito cultural do qual ainda não nos demos conta ou não conseguimos superar. Se pelo menos já foi constatado, pode-se contar como o início de uma vitória, pois a comemoração ampla só pode se dar quando da superação.

Em que ponto o ato de atravessar a rua para evitar cruzar com alguém vindo em sua direção deixa de ser uma cautela visando a própria segurança e passa a ser um preconceito não admitido? Você trata as pessoas da mesma forma independente da cor, da vestimenta ou da aparência delas? Você julga o comportamento das pessoas pela forma com a qual elas se vestem? Você acha que uma pessoa merece ser melhor atendida num estabelecimento em decorrência de seu poderio econômico?

Sinto dizer para os que ainda não admitem que todos temos um nível de preconceito em nosso ser que precisa ser desvelado. Admitir é o primeiro passo. Mas o que soa ainda mais difícil é estabelecer um plano de como e o que fazer com o nosso preconceito. Qual a razão desse preconceito? Ele se justifica de algum modo? Necessita ser superado? Há como ser superado? De que forma pode ser superado?

Eis que fica a singela pergunta: o que você faz com o seu preconceito?

A cruzada do papa Francisco de satanização da teoria de gênero

O papa Francisco, do alto da suposta infalibilidade papal, falseia a verdade sobre a teoria de gênero e a considera uma ideologia – uma invenção do contradiscurso cristão, de extração católica e evangélica, que é uma das maiores desonestidades intelectuais de todos os tempos!



Por Fátima Oliveira enviado para o portal Geledés



Há uma guerra ideológica de fundamentalistas cristãos no mundo contra o conceito de “gênero”. No Brasil, o acirramento ocorreu na tramitação do Plano Nacional de Educação (PNE, 2014) no Congresso Nacional, que excluiu gênero e orientação sexual, deixando as batalhas finais para as esferas estaduais e municipais – um caos com ares de terceira guerra mundial! E o Senado, afagando negociantes de Deus, excluiu, em 9.3.2016, a perspectiva de gênero como uma das atribuições das secretarias de Políticas para as Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.


Precisamos ter seriedade diante de palavras cujo envolvimento com a sexualidade é explícito. Por exemplo: intersexuais, gays, lésbicas, bissexuais, transformistas, travestis, transexuais, transgêneros, gênero, identidade de gênero/identidade sexual, expressão de gênero e orientação sexual. Destaco que as interfaces da saúde sexual e dos direitos sexuais com os direitos reprodutivos são relevantes para a sexualidade.


É incontestável que há sexo genético (cromatínico), sexo gonadal (hormonal ou endócrino), sexo morfológico (anatômico), sexo psicológico (comportamental, emocional e cognitivo), sexo social, sexo jurídico, papel sexual, orientação sexual e parafilias. E teoria de gênero? Gênero é uma categoria analítica. Trata do significado político, econômico, cultural e social da feminilidade e da masculinidade. As relações entre os sexos não são ditadas pelas suas diferenças biológicas em si, mas pela construção social de mulher e de homem. Opressão de gênero é a opressão do sexo feminino, resultante dos privilégios masculinos e das relações de poder.


Enquanto categoria analítica, referendada pelo sistema Nações Unidas (ONU), gênero foi um “achado” para a análise da cidadania de segunda categoria da mulher – a expressão da opressão de gênero, resquício do patriarcado –, apesar dos limites e das insuficiências na teoria de gênero: o binarismo de gênero, que só inclui mulheres e homens, pois só enfoca aspectos socialmente construídos da feminilidade e da masculinidade (a “criação”) em correspondência com o sexo biológico.


O artigo “13 vezes em que o papa Francisco falou contra a ‘ideologia de gênero’ e o ‘casamento gay’” evidencia que, como as cruzadas religiosas contra leitos obstétricos para o aborto atrapalham, mas não impedem o direito de decidir, encontraram novo alvo: a categoria analítica gênero, em nome da defesa da família!



(Papa Francisco e a A ideologia de gênero é demoniaca)



O papa Francisco pratica terrorismo ao dizer coisas tais como: “Há as colonizações ideológicas das famílias, modalidades e propostas que estão na Europa e provêm também de além-mar. E ainda o erro da mente humana que é a teoria de gênero… Assim, a família está sob ataque” (Nápoles, 21.3.2015); “Muitos problemas escondem ideologias… E uma delas – digo-a claramente por ‘nome e apelido’ – é o gênero! Hoje, às crianças – às crianças! –, nas escolas, ensina-se isto: o sexo, cada um pode escolhê-lo’ (Cracóvia, 26 a 31.7.2016); “Há uma guerra mundial contra o casamento, e a teoria do gênero é uma grande inimiga do matrimônio” (Geórgia, 1.10.2016).


O patriarcado prospera sob o manto do fundamentalismo e deseja que o mundo seja regido por visões teocráticas. E o papel das mulheres em luta é se insurgir contra as trevas!

Fotógrafa propõe vinculo entre negras de hoje e africanas que viveram no Brasil

“São as avós delas?” é o que a maioria das pessoas perguntavam quando entravam na exposição fotográfica Atavoz, da artista e fotógrafa chilena Pola Fernandez, na Casa Canon durante o Paraty em Foco. A resposta trazia a surpresa, e a grande beleza deste projeto: na verdade elas nunca se conheceram, mas as mulheres atuais encontravam familiaridade nas fotografias antigas.






O projeto tem a intenção de criar um vinculo simbólico com a ancestralidade africana, já que por muito tempo não houve registro das famílias vindas da África e seus descendentes no Brasil. “A afrodescendência não tem uma árvore genealógica completa”, explicou Pola Fernandez em entrevista ao iPhoto Channel.

“As pessoas perguntam no primeiro impacto: nossa, mas todas elas são parentes? Não, realmente elas não são parentes. Mas é isso que é o Atavoz, que vem do atavismo, o vínculo com a ancestralidade”, diz a fotógrafa.


Para criar o projeto, a fotógrafa apresentou várias fotos de mulheres africanas que foram escravas no Brasil a um grupo de mulheres negras da terceira idade e pediu para que elas dissessem com qual elas se identificavam mais. Em seguida, fotografou cada uma dessas mulheres atuais com a fotografia escolhida ampliada ao fundo.


“Acredito que estas mulheres podem ser uns dos últimos registros de memórias vivas do período da escravidão, pois elas conviveram com avós e bisavôs escravizados”, comenta a artista em seu blog, onde você pode conferir o projeto completo.



As Convicções e o Fascismo



Por Mauro Santayana



(Revista do Brasil) - Os países, como as pessoas, precisam tomar cuidado com as suas convicções.

Convicções arraigadas, quando não nascem da informação, da razão, do conhecimento, costumam ser fruto do ódio, do preconceito e da ignorância.

Não é por acaso que entre as características do fascismo, a mais marcante está em colocar, furiosamente, a convicção acima da razão.

Foi por ter a forte convicção de que os judeus, os comunistas, os ciganos, os homossexuais, eram espécimes de diferentes raças sub-humanas, que os nazistas fizeram coisas extremamente "razoáveis", como guardar centenas, milhares de pênis e cérebros arrancados dos corpos de prisoneiros em vidros de formol, esquartejar pessoas para fazer sabão, adubar repolhos com cinzas de crematório, ou recortar e curtir pedaços de pele humana para colecionar tatuagens e fazer móveis e abajours, em um processo que começou justamente nos tribunais, com a gestação da jurisprudência racista e assassina das Leis de Nuremberg.

De tanta mentira, distorção, hipocrisia, servidas - ou melhor, impostas, cotidianamente - à população, nos últimos quatro anos, o Brasil tem se transformado, paulatinamente, em um país em que a realidade está sendo substituída por fantásticos paradigmas, que são absorvidos e disseminados como as mais sagradas verdades, e adquirem rapidamente a condição de inabalável convicção na cabeça e nos corações de quem os adota, a priori, emocionalmente, sem checar, minimamente, sua veracidade ou sustentação.

Senão, vejamos:

Muitíssimas pessoas, no Brasil de hoje, têm convicção de que o PT quebrou o país.

Assim como têm convicção de que o Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso foi um tremendo sucesso do ponto de vista econômico, certo?

Errado.

Os números oficiais do Banco Mundial provam que o PIB e a Renda per Capita em dólares recuaram no Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso, com relação ao de Itamar Franco (de 534 para 504 bilhões e de 3.426 para 2.810 dólares), e aumentaram mais de 300% no governo do PT, de 504 bilhões para 2.4 trilhões de dólares, e de 2.810 para 11.208 dólares, entre 2002 e 2014; com o salário mínimo subindo também mais de 300% em moeda norte-americana nesse período, de 88 para 308 dólares no ano passado, com um dólar nominal mais ou menos equivalente, que chegou a 4,00 reais tanto em 2002 como em 2015.

A queda atual da economia é um ponto fora de curva que irá se recuperar, mais cedo do que tarde, se não forem adotadas medidas recessivas, que mandem, mais uma vez, a vaca para o brejo. 

A maioria das pessoas - incluídos ministros do atual governo, que exageram os problemas, para vender a sua "competência" e seus projetos, muitos deles ligados, direta e indiretamente à iniciativa privada - têm convicção que o Brasil está endividado até o pescoço, certo?

Errado.

Nona economia do mundo em 2016 - éramos a décima-quarta em 2002 - o Brasil ocupa, apenas, o quadragésimo lugar entre os países mais endividados do planeta.

Temos uma Dívida Pública Bruta com relação ao PIB (66%) mais baixa que a que tinhamos em 2002 (80%); e menor que a dos EUA (104%), Zona do Euro (Europa) (90%), Japão (220%), Alemanha (71.20%), Inglaterra (89.20%), França (96,10%), Itália (132.70%), Canadá (91.50%).

Além de possuirmos mais reservas internacionais (370 bilhões de dólares) que qualquer uma dessas nações e de não estar devendo - somos credores do FMI - um centavo para o Fundo Monetário Internacional.

E, mesmo assim, ninguém fica fazendo, nesses países que citamos, o mesmo carnaval - verdadeiro massacre - que se faz aqui, com relação à questão da dívida pública.

Uma grande pilantragem midiática que ajuda a justificar, entre outras coisas, o absurdo teto de despesas públicas proposto pelo atual governo - que não existe em nenhum país desenvolvido e irá engessar e tolher o desenvolvimento nacional nos próximos 20 anos - os juros pornográficos que a nação paga, a cada 12 meses, aos bancos, e a privatização e entrega de empresas estatais brasileiras a países estrangeiros.

Muitas pessoas também aparentam ter desenvolvido a convicção, no Brasil de hoje, de que o PT é um partido que é contra as Forças Armadas, bolivariano e comunista, certo?

Errado.


O PT sempre trabalhou com o tripé capital estatal, capital privado nacional e capital estrangeiro, e apoiou - a ponto de estar sendo execrado por isso - as maiores empresas privadas do país, e não apenas as de controle brasileiro - expandindo para elas o crédito subsidiado do BNDES, aumentando a oferta de crédito na economia, melhorando a situação do varejo e da indústria, fomentando a indústria automobilística, triplicando a produção e as vendas de caminhões, automóveis e equipamentos agrícolas, com linhas especiais de financiamento, e fortalecendo o agronegócio injetando bilhões de reais no Plano Safra, duplicando, praticamente, a colheita de grãos depois que chegou ao poder, sem atrapalhar o mercado financeiro, que teve forte expansão após 2002.

E, na área bélica, prestigiou o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, lançando e bancando, por meio da adoção da Estratégia Nacional de Defesa, o maior programa de rearmamento das Forças Armadas na história brasileira.

Nem nos governos militares ousou-se investir, ao mesmo tempo, em tantos projetos estratégicos como se fez nos últimos anos, como é o caso do programa de construção de 36 caças-bombardeios com a Suécia.

Ou o do submarino atômico - além de outros quatro, convencionais - como se está fazendo em Itaguaí, no Rio de Janeiro, com parceria francesa.

Ou o da construção de mais de mil blindados multipropósito Guarani, em um único contrato, com a IVECO, com design e projeto de engenheiros do Exército Brasileiro.

Ou o do maior avião já construído no Brasil, o KC-390 da EMBRAER, produzido para substituir os Hércules C-130 norte-americanos, capaz de realizar missões também múltiplas, como o transporte de paraquedistas e blindados e o reabastecimento de outras aeronaves em vôo.

Para não falar da família de radares SABER, dos novos mísseis da AVIBRAS, do programa Astros 2020, da nova família de rifles de assalto IA-2 da IMBEL, capaz de disparar 600 tiros por minuto, e de outros projetos como o do míssil ar-ar A-Darter desenvolvido por uma subsidiária da Odebrecht, com a Denel, sul-africana.

Da mesma forma, muitíssimas pessoas têm convicção, nos dias de hoje, que o PT é o partido mais corrupto do Brasil, certo?


Errado.


Em ranking publicado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral em 2012 - que, estranhamente, parou de publicar rankings anuais por partido depois disso - o PT aparece apenas em nono lugar, em uma lista encabeçada pelo DEM.

Na lista de 50 políticos investigados na Lava Jato que estão com processos no STF, cuja maioria pertence ao PP, só 6 nomes são do PT, e do total de 252 candidatos impugnados por serem ficha-suja nas eleições de 2014, por exemplo, apenas 20 são do Partido dos Trabalhadores.

Dados que não mudam em nada o fato de que o discurso anticorrupção, no Brasil de hoje, só existe na proporção que ocorre, porque pertence e serve, como bandeira, desde o início - na tradição golpista da UDN - à direita e à extrema direita em nosso país.

A esquerda, que costuma cair com facilidade nessa esparrela moral dos imorais, principalmente quando pretende utilizá-la, como seus adversários o fazem, como arma política, precisa tratar de outros temas, sem deixar - prudentemente - de colocar suas barbas de molho.

Como, por exemplo, o futuro do projeto nacional-desenvolvimentista brasileiro, com foco, principalmente, nas áreas social, científica, da educação, da indústria bélica, naval e de petróleo e de infraestrutura.

Ou a defesa da Democracia, do Estado de Direito e da Soberania Nacional, em tempos de risco - quase certeza, a depender do avanço da imbecilidade vigente - de inserção subalterna do país em um processo de globalização que não deixará outras opções, a não ser o fortalecimento ou a capitulação. 

Tudo isso, no contexto do urgente estabelecimento de uma aliança que permita manter a estabilidade da República e evitar a vitória da Antipolítica com a ascensão do fascismo - em aliança com partidos conservadores tradicionais - à presidência da República em 2018. 

É nesse país ridículo, mal informado, rasteiramente manipulado, por segmentos da mídia mendazes e deturpadores, que alguns procuradores do Ministério Público Federal vieram a público, há alguns dias, para dizer que tem "convicção" de que o ex-presidente Lula é o Chefe Supremo, o "Capo di tutti capi" da corrupção nacional, neste Brasil "casto" e "ilibado", nunca dantes atingido - como diziam no Caso do "Mensalão", estão lembrados? - por semelhante tsunami antiético.

Que ele, que nunca teve contas no exterior, como, digamos, Eduardo Cunha ou Maluf, teria recebido "virtualmente", para o padrão de consumo de nossa impoluta elite, acostumada a apartamentos em Paris, Miami e Higienópolis, um modesto apartamento de 215 metros quadrados, de cooperativa - no qual nunca dormiu e do qual não sem tem notícia de escritura em seu nome.

Além de um sitiozinho mambembe, até mesmo para o gosto de nossa pseudo classe média paneleira, que também não está em seu nome.

E de uma ajuda para a guarda de seus documentos presidenciais - de inestimável valor histórico, por abarcarem oito anos de história nacional - tudo isso apresentado como a parte do leão, do "Pai", do "Comandante", de um suposto esquema de propina que o mesmo MPF afirma - ainda sem provas cabais - ter movimentado a extraordinária soma de 42 bilhões de reais em desvios da Petrobras (antes eram 6 bilhões, segundo "impecável" "auditoria" da "competentíssima", jamais multada, "honestíssima", "imparcialíssima", consultoria norte-americana Price Watherhouse). 

Cinismo por cinismo, poderíamos dizer que, na hipótese, difícil de provar, que tivesse recebido os alegados 3.7 milhões em propina pelos quais foi acusado, em um negócio de mais de 40 bilhões, Lula seria o mais "ingênuo" senão um dos mais "modestos", políticos brasileiros, considerando-se a quantidade de empregos, negócios, projetos, obras, programas, que ajudou a proporcionar à economia nacional nos anos em que esteve à frente da Presidência da República.

E o PT, que teria pedido apenas miseráveis 5 milhões de reais para pagar contas atrasadas devidas a publicitários, em um contrato de aproximadamente 1 bilhão de dólares para a construção de duas plataformas de petróleo pela empresa do Senhor Eike Batista - um sujeito que resolveu depor "espontaneamente", depois de ter recebido bilhões do BNDES, durante anos, em apoio às suas empresas falidas - teria sido, diante das franciscanas proporções da solicitação, de uma tacanhice digna de fazer corar outras legendas e personagens do espectro político nacional.


Ora, nos poupem.


Ninguém está aqui para santificar o Partido dos Trabalhadores ou o Sr Luís Inácio Lula da Silva, que, se tiver cometido algum crime, deve purgá-lo - respeitada sua condição de réu primário - na mesma proporção de seus erros.

O que nos indigna e nos tira do sério, trabalhando na área em que trabalhamos, é a desfaçatez, a caradurice, a hipocrisia institucionalizada, com que estão tratando a verdade, a maior vítima desse atual "surto" de "convicções" brasileiro. 

Não nos venham com estórias da Carochinha e mirabolantes apresentações que vão ridicularizar, pelo exagero, ausência de lógica, de proporcionalidade, razoabilidade e verossimilhança - como já mostram as matérias e editoriais dos jornais estrangeiros - o Ministério Público e o Judiciário brasileiros junto à opinião pública internacional.

Correndo o risco, seus "convictos" acusadores, de verem o tiro sair pela culatra, transformando Lula em uma espécie de símbolo, ou de herói, se for impedido de concorrer à presidência da República.

Ou em um mártir - caso alguma coisa ocorra a ele, eventualmente, na prisão - para boa parte do planeta.


“Lawfare” - O USO DA LEI COMO UMA ARMA DE GUERRA

Movimentos sociais: prestem atenção a essa expressão em inglês: “lawfare”!







O Washington Post, de 23/dez/2015, publicou uma matéria sobre o juíz Sérgio Moro que contém o seguinte parágrafo:

EM 1998, MORO E GISELE LEMKE, UMA JUÍZA FEDERAL AMIGA DELE, PASSARAM UM MÊS EM UM PROGRAM ESPECIAL NA ESCOLA DE DIREITO DE HARVARD. EM 2007, MORO PARTICIPOU DE UM CURSO DE 3 SEMANA PARA POTENCIAIS LÍDERES PATROCINADO PELO DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA.


A Operação Lava-Jato representa um típico exemplo de Lawfare, no seu sentido mais amplo e atual: trata-se da utilização de meios judiciais frívolos, com aparência de legalidade para cooptação da opinião pública, com o inegável objetivo de neutralizar o inimigo eleito – Lula. Assim os advogados de Lula argumentam contra as teses da acusação.

Em outras palavras, o defensores de Lula acusam Moro e envolvidos na Lava-Jato de usar a lei para, através de ações inconsistentes e de pouca importância, tentar deslegitimar e incapacitar Lula perante a opinião pública, que é exatamente o objetivo de Lawfare.

Teria sido essa a instrução passada ao juíz em curso do Departamento de Estado dos EUA?


Como surgiu a expressão e a tática Lawfare?

A origem da palavra Lawfare (“Lawfare” que se pronuncia “lofér”, com “o” aberto) é a junção das palavras law, que é lei (e se pronuncia “ló”), e warfare , que significa arma de guerra (e se pronuncia “uorfér”, com “o” aberto). Lawfare passou, assim, a refrenciar-se ao uso da lei como uma arma de guerra.

No primeiro uso da palavra, os autores, John Carlson e Neville Yeomans em um ensaio de 1975, consideravam Lawfare uma tática de paz, em que a guerra dava lugar à disputa por leis: “um duelo de palavras em vez de espadas”.

A definição que disseminou o uso comum da expressão foi dada pelo coronel da Força Aérea dos EUA, CharlesDunlap, em 2011. Lawfare é “a estratégia do uso – ou mau uso – da lei como um substituto dos meios militarestradicionais para alcançar um objetivo operacional.”

Aqui o site lawfareproject.org inclui fins políticos:



LAWFARE SIGNIFICA O USO DA LEI COMO UMA ARMA DE GUERRA. DENOTA O ABUSO DAS LEIS OCIDENTAIS E SISTEMAS JUDICIAIS PARA CONSEGUIR FINS MILITARES ESTRATÉGICOS OU POLÍTICOS. LAWFARE É INERENTEMENTE NEGATIVA. NÃO É UMA COISA BOA. É O OPOSTO DA BUSCA DE JUSTIÇA. É A APRESENTAÇÃO DE PROCESSOS JUDICIAIS FRÍVOLOS E MAU USO DE PROCESSOS LEGAIS PARA INTIMIDAR E FRUSTRAR ADVERSÁRIOS NO TEATRO DE GUERRA. LAWFARE É O NOVO CAMPO DE BATALHA LEGAL.


Susan Tiefenbrun define lawfare: “é uma arma projetada para destruir o inimigo através do uso, mau uso e abuso do sistema legal e dos meios de comunicação, para levantar o clamor público contra aquele inimigo.”


A defesa de Lula acusa a Lava-Jato

A defesa de Lula enumera 11 táticas Lawfare utilizadas pela Operação Lava-Jato:


– MANIPULAÇÃO DO SISTEMA LEGAL, COM APARÊNCIA DE LEGALIDADE, PARA FINS POLÍTICOS;

– UTILIZAÇÃO DE PROCESSOS JUDICIAIS SEM QUALQUER MÉRITO;

– ABUSO DO DIREITO PARA DANIFICAR E DESLEGITIMAR UM ADVERSÁRIO;

– PROMOÇÃO DE AÇÕES JUDICIAIS PARA DESCREDIBILIZAR O OPONENTE;

– TENTATIVA DE INFLUENCIAR OPINIÃO PÚBLICA: UTILIZAÇÃO DA LEI PARA OBTER PUBLICIDADE NEGATIVA;

– JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA: A LEI COMO INSTRUMENTO PARA CONECTAR MEIOS E FINS POLÍTICOS;

– PROMOÇÃO DE DESILUSÃO POPULAR;

– CRÍTICA ÀQUELES QUE USAM O DIREITO INTERNACIONAL E OS PROCESSOS JUDICIAIS PARA FAZER REIVINDICAÇÕES CONTRA O ESTADO;

– UTILIZAÇÃO DO DIREITO COMO FORMA DE CONSTRANGER E PUNIR O ADVERSÁRIO;

– BLOQUEIO E RETALIAÇÃO DAS TENTATIVAS DOS ATORES POLÍTICOS DE FAZER USO DE PROCEDIMENTOS DISPONÍVEIS E NORMAS LEGAIS PARA DEFENDER SEUS DIREITOS;

– ACUSAÇÃO DAS AÇÕES DOS INIMIGOS COMO IMORAIS E ILEGAIS, COM O FIM DE FRUSTRAR OBJETIVOS CONTRÁRIOS.


Notas


1 Para ter acesso à defesa completa de Lula, apresentada por Cristiano Zanin Martins, Roberto Teixeira e Valeska Teixeira Zanin Martins veja em: http://www.abemdaverdade.com.br/2/Noticias/DefesaIdentificaTaticasDeLawfareEmDenunciaContraLula_381/


2 “In 1998, Moro and Gisele Lemke, a fellow federal judge, spent a month in a special program at the Harvard Law School. In 2007, Moro participated in a three-week course for potential leaders sponsored by the U.S. Department of State.” Esse é o parágrafo no original e texto completo do Washington Post sobre Moro está no endereço:
https://www.washingtonpost.com/world/the_americas/brazils-new-hero-is-a-nerdy-judge-who-is-tough-on-official-corruption/2015/12/23/54287604-7bf1-11e5-bfb6-65300a5ff562_story.html


3 A juíza Gisele Lemke, da 2ª Vara Federal de Curitiba, participa das questões civeis da Lava-Jato.

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