Quais foram as piores torturas da Santa Inquisição?

Como sabemos, a Santa Inquisição foi um período iniciado no começo do séc XII. Com expansão do poder do cristianismo, a Igreja Católica liderou uma cruzada contra quem se opunha aos seus dogmas. Massacres aconteceram. Em 1252, o Papa Inocêncio IV publicou um documento intitulado Ad Exstirpanda - ele dava uma chance aos hereges: assumir o erro através de tortura. Não foi legal. Os Papas seguintes renovaram o documento, o que manchou a história com séculos de mortes injustas.


Milhões de inocentes sofreram mortes terríveis e inimagináveis. Muito pior do que qualquer filme foi capaz de reproduzir. Mesmo sendo difícil mensurar quais são as piores, vamos listar algumas delas. Se você não tem estômago forte, pare por aqui.


A Tortura d'Água


A vítima ficava imobilizada com a barriga para cima. Com um funil, o algoz derramava litros e litros d'água que, sem defesa, a vítima engolia. Se não morresse sufocada, o torturador e seus ajudantes pulavam sobre ela, fazendo com que a água saíssem abruptamente. O ritual era repetido até que os vasos sanguíneos estourassem com a saída da água.

O Burro Espanhol





A vítima era posta nua sobre um cavalete de madeira em forma de 'V'. A parte mais aguda ficava entre as pernas. Pesos eram presos em seus pés e ela ia, rasgando-o gradativamente ao meio.



A Serra




Nesta, o acusado era suspenso pelas pernas e os carnífices o serrava verticalmente. Essa tática era ainda mais agonizante pois, com o sangue acumulado na parte superior do corpo, a vítima só morria quando a serra alcançava o peito, o que podia levar horas. Essa técnica de tortura foi muito utilizada para matar pessoas acusadas de bruxaria, adultério, assassinato e blasfêmia.




A Pêra




O instrumento era introduzindo no ânus da vítima e depois aberto, estourando a pessoa por dentro e causando hemorragia interna. O aparelho em formato de pêra era inserido também nas vaginas femininas, no ânus dos homossexuais e na boca dos blasfemadores. A pêra era capaz de arrancar a pele com sua expansão e mutilar os orifícios das pessoas que a recebiam. O método era conhecido por apenas “abrir” a sequência de torturas.


A Mesa de Evisceração




Prendendo a vítima numa mesa, abriam seu ventre e prendiam um gancho nas suas entranhas. Depois, uma manivela era rodada lentamente, puxando o gancho. O gancho (como um anzol) extraía, aos poucos, os órgãos internos da vítima à medida que o carrasco girava o eixo. Esta agonia podia prolongar-se por horas e até dias. Quanto mais tempo demorasse a morte, ou seja, quanto mais o condenado sofresse, maior seria considerada a perícia do verdugo.


O Arranca-Seios


Esse terrível aparato costumava ser utilizado para punir mulheres acusadas de realizar aborto ou adultério. As garras – aquecidas no óleo ou na brasa - era preso aos seios expostos das vítimas, e depois arrancá-lo vagarosa ou lentamente, dependendo do que o inquisidor queria causar. Logo depois se deixava a mulher sangrando para que pudesse morrer de hemorragia, ou que fosse levada a loucura pela dor.



A Roda do Despedaçamento



Era um dos mais temidos. Neste método, o réu era preso a uma roda que ficava sobre chamas. Então era rodado, tendo seu corpo lentamente cozido. O fogo podia ser trocado por lanças, que despedaçavam o condenado.


O Berço de Judas





Uma evolução (se é que podemos chamar de evolução) do empalamento. A vitima ficava nua, suspensa por cordas sobre uma espécie de cone pontiagudo. As cordas iam se afrouxando lentamente (muito lentamente) num processo agonizante onde o acusado era aberto ao meio. O peso do corpo pressionava e feria o ânus (no caso dos homossexuais) ou a vagina (no caso das adúlteras). A tortura costumava levar dias. E, se é que pode piorar, o Berço nunca era lavado, o que gerava infecções terríveis.




A Dama de Ferro



A famosa Iron Maiden era um sarcófago de ferro com longos espinhos que se fechavam sobre a vítima. Todavia, os espinhos eram dispostos de tal forma que não acertassem órgão vitais, mantendo a vítima viva, com a intenção de atrasar a morte e prolongar o sofrimento da vítima. Também conhecido como A Virgem de Nuremberga.


Geralmente as regiões furadas eram os olhos, braços, pernas, barriga, peito e nádegas. Mesmo sendo um método de tortura, era comum que as vítimas fossem deixadas lá por vários dias, até que morressem. A primeira referência confiável de uma execução com a Dama de Ferro, data de 14 de Agosto de 1515. A vítima era um falsificador de moedas.

Curiosidade: Foi dai que saiu o nome da banda de Heavy Metal "Iron Maiden", que tem muitas letras de suas musicas baseadas em filmes de terror.



A Pata de Gato (cócegas espanhola)


Conhecidos também como "cócegas espanholas". Eram ganchos de ferro pontiagudos que eram passados brutalmente sobre o corpo do acusado, dilacerando-lhe a carme e os órgãos. O instrumento era tão forte que nem músculos ou ossos eram um obstáculo. A pata do gato era naturalmente usada com as vítimas amarradas pelas mãos e pelos pés.



Empalamento

EMPALAMENTO: UMA DAS TÉCNICAS MAIS TERRÍVEIS DA IDADE MÉDIA


Uma das mais conhecidas técnicas de tortura é a do empalamento. Durante a Idade Média, inimigos tinham seus corpos atravessados por enormes estacas a golpes de marreta. Normalmente, o processo começava pelo ânus, umbigo ou vagina da vítima, e seguia até a boca. E o mais assustador: a vítima poderia levar até três dias para morrer.

Este método foi amplamente utilizado pelo célebre Vlad Tepes. O personagem Vlad III, o Empalador (o sujeito que inspirou Drácula). O tirano costumava apreciar uma refeição enquanto observava as estacas atravessando os orifícios de seus inimigos. Estima-se que Vlad tenha matado de 20 a 300 mil pessoas dessa maneira.




Esmaga Cabeças




Altamente usado durante a Inquisição Espanhola, o Esmaga cabeças, como um capacete, a parte superior deste mecanismo pressiona, através de uma rosca girada pelo executor, a cabeça da vítima, de encontro a uma base na qual encaixa-se o maxilar. Apesar de ser um instrumento de tortura, há registros de vítimas fatais que tiveram os crânios, literalmente, esmagados por este processo. Os torturadores conseguiam destruir as arcadas dentárias e as mandíbulas. E caso a tortura não parasse, os globos oculares saltavam dos olhos e o cérebro saía despedaçado pelo crânio.




Garfo




Uma haste metálica com duas pontas em cada extremidade semelhantes a um garfo. Presa por uma tira de couro ao pescoço da vítima, o garfo pressiona e perfura a região abaixo do maxilar e acima do tórax, impedindo a pessoa de abrir a boca para falar. Este instrumento era usado como penitência principalmente para os mentirosos.



...................


Muitas outras formas de torturas eram utilizadas: fogueiras, cozimento vivo, esmagar partes do corpo, submersão, enfim. Foi um período de trevas no qual até mesmo os nobres temiam o Tribunal do Santo Ofício, já que a Igreja estava intimamente ligada ao Estado. Estes fatos fazem lembrar a importância de se manter o Estado laico, tanto na teoria quanto na prática.






Fontes de Pesquisa

- Muito Interessante
- Revista Galileu
- Fatos Desconhecidos
- Blog Monte Olimpo
- Spectrum gothic
- Imagens Históricas
- Blog Taberna do Fauno

Como atitudes diárias ajudam a reforçar a cultura machista e a violência contra a mulher

"Discutir masculinidade significa romper com um padrão FIXO, LIMITADOR e PRÉ-MOLDADO do que é ser homem", diz cartilha da Defensoria Pública

FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL
A Defensoria Pública de São Paulo lançou a cartilha Vamos falar sobre masculinidade?, com orientações sobre como combater o machismo e esclarecimentos sobre a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006).
De acordo com a coordenadora auxiliar do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, Yasmin Pestana, o objetivo da campanha é que os homens reflitam sobre atitudes cotidianas.
A ideia de que existe uma padrão hegemônico de masculinidade que aprisiona os homens está relacionado ao machismo. O que a cartilha pretende debater é que existem várias formas de ser homem e outras formas de masculinidades que não estejam relacionadas a padrões machistas.Defensora pública Yasmin Pestana
Serão disponibilizadas 10 mil cópias em todas as unidades do órgão e também no site da defensoria. O órgão também fará duas rodas de discussões sobre gênero. Uma nesta terça-feira (15), das 19h às 21h30 na Defensoria Pública em Santo André. E outra nesta quarta-feira (16), das 17h às 19h30 na Defensoria Pública em Ferraz de Vasconcelos.
No início da publicação, vem o questionamento sobre o que é ser homem e as brincadeiras de infância.
Para as meninas brinquedos de cozinha, bonecas, fantasias de princesas etc. Para os meninos, bola, skate, armas de brinquedos, espadas etc (...) Por que os homens têm que mostrar coragem e força enquanto as mulheres, fragilidade e dependência?Cartilha "Vamos falar sobre masculinidade?"
Em seguida, a cartilha apresenta ideias ligadas à feminilidade, como passividade, sensibilidade, compreensão e delicadeza. E frases como "meninas brincam dentro de casa", "mulheres são dramáticas e choronas", "mulheres possuem TPM, por isso, são descontroladas".
E também conceitos relacionados à masculinidade, como agressividade, dominação, insensibilidade. Além de expressões como "homem que é homem não chora" e "o homem é o chefe da família.
Para depois questionar o valor dado a essas características.
Na medida em que as características femininas são vistas como inferiores, se algum homem aparentar qualquer traço desse tipo, é tratado com inferioridade pelos outros. Por exemplo, "Mulherzinha" é um xingamento que, desde pequenos, homens que demonstram sensibilidade ouvem dos demais.Cartilha "Vamos falar sobre masculinidade?"
Discutir masculinidade significa romper com um padrão FIXO, LIMITADOR e PRÉ- MOLDADO do que é ser homem. O mesmo se aplica quando se discute feminilidade. O que se pretende, portanto, é dar liberdade para que as pessoas possam sair das "caixinhas" dos comportamentos pré-determinados para homens e para mulheres.Cartilha "Vamos falar sobre masculinidade?"
A publicação dá exemplos como não dizer que um homem é menos homem porque sua esposa ganha mais do que ele, não julgar a masculinidade de um homem que permite que sua esposa saia sozinha ou não dizer que é conduta de "mulherzinha", um homem gostar de assistir um filme romântico.
Muitas condutas tidas como tipicamente "masculinas" são reflexo do machismo. Mas, o que é machismo? Machismo é toda forma de discriminação às mulheres, que tenha como objetivo inferiorizar, controlar e desqualificar uma pessoa pelo simples fato de ser mulher.Cartilha "Vamos falar sobre masculinidade?"
A cartilha lembra que meninos são ensinados a impor suas vontades por meio da força e que, segundo o Mapa da Violência de 2015, 94,2% das vítimas de homicídio por armas de fogo no País, em 2012, eram homens, sendo que 59% possuíam entre 15 a 29 anos.
E como essa educação está ligada à violência contra a mulher, que costuma ser vítima dentro de casa.
Se o homem aprendeu a ser agressivo e violento quando criança, se é agressivo e violento na rua, as chances desse e comportamento se repetir em casa são enormes.Cartilha "Vamos falar sobre masculinidade?"
A publicação ressalta que as vítimas de violência doméstica majoritariamente são as mulheres agredidas pelos maridos, companheiros, namorados, irmãos etc. Das mortes violentas de mulheres, 50,3% são cometidas por familiares. Desse total, 33,2% são parceiros ou ex-parceiros.
O Brasil é o quinto país mais violento para mulheres em um ranking de 83 nações que usa dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em média, 11 mulheres foram assassinadas no Brasil todos os dias entre e 2003 e 2013.
Segundo a pesquisa "Violência contra a mulher: o jovem está ligado?", feita pelo Data Popular, em parceira com o Instituto Avon, em 2014, 51% já sofreram ameaças, foram seguidas pelo ex, ou este ficou enviando mensagens ou ainda espalhando boatos sobre a mulher.
De acordo com o Mapa da Violência 2015 – Homicídio de Mulheres, quase metade das entrevistas declararam que tiveram que tomar alguma atitude para cortar contato com o ex, incluindo deixar de freqüentar lugares onde iam regularmente, mudar o número do celular, parar de usar redes sociais e até mesmo mudar de telefone residencial ou endereço ou local de trabalho. Apenas 2% declaram ter registrado boletim de ocorrência.
E mais uma vez, a cartilha aproxima casos graves de atitudes cotidianas.
O controle das ações e das condutas das mulheres por seus companheiros também é uma forma da violência doméstica (...) Essas atitudes são realizadas por meio de violências verbais, psicológicas, morais e patrimoniais que, mesmo quando realizada com a justificativa de que é "por amor". Por exemplo: "não quero que use essa roupa, porque eu quero te proteger e cuidar de você.Cartilha "Vamos falar sobre masculinidade?"
Em seguida, a publicação conta a origem da Lei Maria da Penha, criada a partir do caso de Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu duas tentativas de assassinato por parte de seu companheiro e, por consequência dessas agressões, ficou paraplégica. E busca acabar com mitos sobre a legislação.
A importância da aprovação da Lei nº 11.340/06 foi a contribuição ao debate sobre violência doméstica, que se espalhou pelo país, mostrando a gravidade e a invisibilidade de uma violência que até então não era conhecida ou percebida como tal. Diferente do que muitas pessoas pensam, a Lei não tem como objetivo principal prender os homens.Cartilha "Vamos falar sobre masculinidade?"
E detalha os tipos de violência previstos na Lei: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. A defensoria também explica que as mulheres podem solicitar medidas protetivas, como afastamento do lar do homem autor da violência, proibição de contato por qualquer meio (celular, internet etc), suspensão de visitas, entre outras.
A cartilha mostra ainda que a Lei Maria da Penha prevê a criação de grupos de reeducação para homens autores de violência doméstica, em que são discutidos temas relacionados ao cotidiano dos homens.
Ao final, a publicação dá sugestões de como os homens podem combater a violência contra a mulher, como conversar com amigos e familiares homens se perceber que estão envolvidos em alguma situação de violência doméstica e acabar com a divisão de tarefas e de tratamentos desiguais a meninos e meninas nos espaços familiares.

Por que os homens não amam as mulheres?

Essa é a grande questão do romance e filme suecos Os homens que não amavam as mulheres. O ódio se expressa no estupro, no incesto, na tortura e no assassinato. Depois de meio século de feminismo, pensávamos ter alcançado algum avanço no respeito às mulheres.

Artigo de Eva Alterman BlayJornal da USP
Nos Estados Unidos, Trump desqualifica todas as conquistas das mulheres, desrespeita seus corpos, abusa, e se considera o grande patriarca. É o retorno a uma sociedade racista em que, até os anos 1960, os negros eram tratados como semiescravos, os judeus não podiam morar em certos prédios de NY e em várias cidades do interior do país, os latinos eram a casta nefasta.
O recém-eleito presidente pretende apagar os avanços democráticos, retoma um critério nazista ao selecionar os imigrantes, logo ele que vive num país cuja grande riqueza foi construída por imigrantes de todas as religiões, cores e gêneros. Foi na América que os intelectuais, cientistas e todos os tipos de trabalhadores se refugiaram após a 2ª Guerra para construir o que são hoje os Estados Unidos.
A frase que Trump pronuncia com toda empáfia, “A América em primeiro lugar”, lembra a frase do malfadado Hitler, “a Alemanha acima de todos”! Mas nos EUA as mulheres saíram às ruas com seus gorros rosa contra a ditadura racista, para exigir igualdade de direitos, respeito aos próprios corpos, democracia.
Putin, na Rússia, pensa ser o novo czar ou será que lhe baixou o espírito de Stalin?  Aprova uma lei que incentiva o abuso físico contra as mulheres, estimula que os homens batam nas esposas e crianças justificando a descriminalização da violência doméstica em nome da tradição do povo russo.
A seu lado está a Igreja Ortodoxa Russa que cita as escrituras para legitimar que o pai pode bater na prole se for de maneira “amorosa e razoável” (Economist)! Ele reaviva a tradição dos ataques dos cossacos que invadiam as pequenas aldeias, se apossavam dos bens e violentavam as mulheres e meninas.
Desconsideram que sob as marcas físicas há profundas consequências psicológicas, a destruição da autoestima das mulheres e meninas, traumas permanentes e o ensino de um comportamento machista que os meninos repetirão na idade adulta. Sabemos que a violência contra as mulheres começa com um tapa, um empurrão, e vai crescendo até o assassinato.
Nos Estados Unidos, Trump  desqualifica todas as conquistas das mulheres, desrespeita seus corpos, abusa, e se considera o grande patriarca.
As mulheres imaginam que seus companheiros cumpririam as promessas de se modificar após as primeiras agressões, o que nunca acontece. Ao contrário, a violência se agrava e perdura ao longo do tempo.
No Brasil, depois de duas tentativas de assassinar a esposa, o marido de Maria da Penha atirou contra ela, que dormia, deixando-a paraplégica. Por mais de dez anos o agressor não foi punido, até que um grupo organizado de mulheres recorreu à OEA contra a leniente justiça brasileira. Só então o País foi condenado por ignorar por anos a acusação contra o réu confesso. O resultado foi a elaboração da Lei Maria da Penha (2006).
Mas é preciso mais do que uma lei para mudar a mentalidade machista que está enraizada em nossa cultura.
A sociedade tem uma imagem da Universidade como um campo de saber, festeja quando seus filhos e filhas conseguem alcançá-la. Quanta alegria cerca uma jovem que consegue entrar na Faculdade de Medicina, uma das mais procuradas.
É o cumprimento de uma missão dos pais, uma barreira vencida pela jovem. No entanto, a realidade que existe fora da Universidade reaparece dentro de seus muros e de forma cruel através do assédio, da violência, da desqualificação e do estupro. A Universidade é um pedaço da sociedade, ilusão imaginar que, por atravessar o portão, as pessoas sejam diferentes. Elas trazem para a Universidade o que aprenderam na família, na escola, na rua, na tv.
Não por acaso 56% das universitárias já sofreram assédio sexual e uma em cada três já passou por violência sexual (estupro, tentativa de abuso enquanto sob efeito de álcool, ser tocada sem consentimento, ser forçada a beijar veterano). Quando lemos relatos de meninas (por vezes meninos) que foram sexualmente violentadas elas dizem com frequência que não revelaram o que ocorria, pois eram ameaçadas: “Vou matar sua mãe”, “matarei você”…
A realidade que existe fora da Universidade reaparece dentro de seus muros e de forma cruel através do assédio, da violência, da desqualificação e do estupro.
Até que a situação se torne fatal. Quando finalmente a jovem revela a violência, ela é recebida com desconfiança. É mais fácil desacreditar do que admitir realidades tão dolorosas e que obrigarão a que providências sejam tomadas.
Há toda uma ética de comportamento transmitida para as jovens. Delas se espera um comportamento recatado próprio daquela mulher do passado, anterior à que a Constituição de 1988 tornou legalmente igual ao homem. A equidade de gênero constitucional foi uma conquista pelo movimento de mulheres, pelo feminismo.
Parcela dos homens não aceita os direitos igualitários e reage tentando manter os antigos padrões de subordinação da mulher. Não aceitam que as mulheres tenham autonomias das mais corriqueiras, como vestir-se do modo que queiram, escolham trabalhar, estudar e até entrar para a universidade. Como se, ao ter direitos, as mulheres reduzissem o status dos homens.
Temos conseguido humanizar os trotes nas universidades, mas é preciso mais. Falta que alguns docentes não confundam as estudantes com fêmeas a serem desqualificadas, mas como uma nova riqueza intelectual que deve ser formada. Isso se estende a todas as áreas, docentes e colegas. As estudantes não podem ser desqualificadas por terem ido a uma festa ou terem bebido. Sua vontade tem de ser respeitada, qualquer ato, um abraço, um beijo ou uma relação física tem de ser consentido.
Houve vários casos de abuso na USP, como em outras universidades. Os casos ficaram ocultos até que houve uma denúncia na Assembleia Legislativa de São Paulo em 2015 e os casos vieram a público. Várias alunas fizeram depoimentos sobre assédio sexual. Dentre eles chegaram relatos de alunas que foram estupradas pelo mesmo ex-militar Daniel Tarciso da Silva Cardoso, aluno da Faculdade de Medicina.
Esse foi dos poucos casos que chegaram à Justiça. O processo durou três anos ou mais até que agora, em 2017, ele foi absolvido! Examinando o pronunciamento do Juiz Klaus, fica evidente o peso que ele deu às palavras do acusado e às da vítima: o Juiz Klaus justifica a absolvição afirmando: há “inconsistência das declarações da ofendida”. Quanto às palavras do acusado, diz o juiz haver “prova em sentido diverso a sustentar a versão do acusado, quer de cunho testemunhal… como também documental…” Claramente se vê que as palavras da aluna não valem, as do acusado VALEM! (Carta Capital, 13/2/2017).
Foi oferecido à aluna na festa da faculdade algo “batizado”. Sentindo-se mal, aceitou descansar no quarto do réu “de livre e espontânea vontade”, afirma o juiz. Desde quando entrar num quarto significa consentir em ter relações sexuais? E se uma mulher (ou homem) está sem sentidos, pode o outro se aproveitar para estuprá-la/lo? Laudos psicológicos e psiquiátricos consistentes revelaram que houve abuso sexual e há marcas físicas decorrentes da violência. Nada disso foi considerado. Foram anos de angústia, de constrangedora situação de contar e recontar publicamente o cruel uso do corpo da jovem, para chegar a um veredito de inocência!
Nada vai apagar o sofrimento da agredida, ela vai levar para a vida os traumas recorrentes que está passando. Quanto ao agressor, ele imagina que vai prosseguir sua carreira, paradoxalmente, na especialidade de ginecologia.
Mas há ainda uma esperança de justiça, um obstáculo a ser enfrentado para evitar a impunidade: nós, seres humanos, mulheres e homens, esperamos que o CRM de São Paulo e de outras partes do Brasil não incluam Daniel Tarciso da Silva Cardoso entre seus membros, impedindo-o de exercer a medicina.
Eva Alterman Blay é professora sênior de Sociologia da FFLCH-USP e ex-senadora da República

Os verdadeiros ladrões do Brasil: os agiotas do cartão de crédito



A notícia abaixo, publicada num grande meio de comunicação hoje, mostra quem são os verdadeiros ladrões do Brasil.
Juro do cartão de crédito avança para 486% ao ano em janeiro, novo recorde
Taxa cobrada no cheque especial registrou queda marginal em janeiro, para 328,3% ao ano, informou o Banco Central.
Por Alexandro Martello, G1, Brasília
23/02/2017 10h34 Atualizado há menos de 1 minuto
Na contramão da queda dos juros básicos da economia – que vêm recuando desde outubro do ano passado – os bancos continuaram subindo no começo deste ano suas taxas de juros ao consumidor, segundo informações divulgadas pelo Banco Central nesta quinta-feira (23).
Não são os políticos, não são as empreiteiras, não são nem mesmo os marajás do serviço público.
São os bancos e empresas coligadas: os grandes agiotas do cheque especial e do cartão de crédito.
Os bancos sugam centenas de bilhões de reais por ano da economia brasileira, que poderiam ser usados em investimentos de infra-estrutura, em negócios, em consumo, em educação, tecnologia, segurança pública e lazer.
Em algumas semanas, os grandes agiotas amealham mais dinheiro do que a Lava Jato e seus macacos de auditórios afirmam ter sido “a maior corrupção da história”.
E não é para construir nenhuma refinaria, nenhuma hidrelétrica, nenhuma eólica, termoelétrica ou qualquer obras de infra-estrutura.
Não é para construir nada.
Vai tudo para o bolso de meia dúzia de nababos, no país com maior concentração de renda do planeta – o Brasil.
Olhe a comparação das taxas de juros do cartão de crédito em países da América Latina.

Olhe bem!
Os juros do cartão de crédito no Brasil são criminosos: 436% ao ano no gráfico, que é de dezembro de 2015 – hoje já está em 486%! O segundo lugar cobra juros dez vezes menor!
Todas operadores de cartão de crédito e todos os banqueiros deveriam estar presos.
Mas o aparato jurídico do golpe prefere destruir indústrias de engenharia…
Nos EUA, o juro do cartão, mesmo tendo disparado nos últimos anos, é inferior a 15%.
Na era da internet, o cartão de crédito poderia servir para dinamizar a atividade econômica online no Brasil.
Este blog, por exemplo, sofre muito com essa situação, porque vende suas assinaturas e produtos especialmente via cartão de crédito. Se houvesse juros menores, poderia vender mais.
A grande mídia é sócia desse roubo, porque não faz a devida denúncia. Não informa a população, com a ênfase necessária, sobre a diferença entre a taxa de juro no Brasil e a de outros países.
Por que isso?
Que espécie de maldição nós brasileiros carregamos para pagar taxas de juros de cartão de crédito tão altas?
Será que nenhum gênio da economia percebe que essas taxas ferem profundamente o próprio capitalismo brasileiro?
Que raios de capitalismo é esse que impede as pessoas de consumirem?
O Brasil precisa regulamentar urgentemente a cobrança de taxas de cartão de crédito, exigindo que os bancos ofereçam taxas minimamente dignas e coerentes com a realidade internacional.
Para cúmulo da bandidagem, os bancos e operadores de cartões estão aumentando as taxas de juros mesmo com a queda da Selic! Ou seja, eles podem se financiar a juros mais baratos junto ao Banco Central, mas, na ponta, elevam os juros cobrados ao cidadão!
Eu não entendo porque empresas, indústrias, comércio, cidadãos, aceitem esse tipo de injustiça no campo do crédito.
Temos que tirar o chapéu para a Globo e o grupo de empresas que monopoliza a comunicação de massa no país. Conseguiram transformar o Brasil numa nação com 206 milhões de otários.
É um verdadeiro complô para não deixar o brasileiro respirar!

O Galo da Madrugada e a privatização do carnaval do Recife

Privatização do espaço público: propalado símbolo do Carnaval popular do Recife, o desfile do Galo da Madrugada chega a ser transmitido ao vivo em TV aberta para todo o Brasil. Mas há outro lado da moeda que não vai para o ar.


  Por Laércio Portela - Via Marco Zero

No sábado de Zé Pereira centenas de milhares de pessoas vão tomar as ruas do Centro do Recife para o desfile do Galo da Madrugada, propalado símbolo do Carnaval popular e democrático da cidade. Nas TVs, mais uma vez a transmissão será ao vivo. Digna dos grandes espetáculos. Mas há outro lado da moeda que não vai para o ar. É que o entretenimento também é negócio. E os negócios no Recife teimam em desafiar os limites entre o interesse público e os interesses privados. Poucas vezes submetidos à mesma luminosidade do sol que queima os foliões no sábado de Zé Pereira.
Em um dos sites de divulgação do Carnaval de Pernambuco nada menos do que 23 camarotes privados são anunciados ao longo dos seis quilômetros do itinerário do bloco, com ingressos individuais entre R$ 160,00 e R$ 500,00. Alguns deles com mais de mil lugares. Espaço privilegiado é a Praça Sérgio Loreto onde fica o Camarote Oficial do Galo e o Camarote Downtown, cujo ingresso individual (open bar) estava sendo vendido a R$ 320,00 na segunda-feira (20). A praça é pública, mas o lucro é privado.
Em frente aos camarotes do Galo e do Downtown, na mesma Praça Sergio Loreto, dividida em duas pela Rua Imperial, a organização do bloco comercializa outros 66 camarotes de 20 lugares cada um. As vendas começaram em novembro por R$ 5.500,00 para o primeiro andar e R$ 7 mil para o segundo piso. Na semana pré-carnavalesca saíam entre R$ 7 mil e R$ 9 mil cada um deles.

Site lista 23 camarotes privados ao longo do itinerário do Galo da Madrugada, alguns deles em espaços públicos comercializados por empresas privadas
Espaços cedidos pela Prefeitura
Os espaços públicos das ruas e praças por onde brotam os camarotes privados são cedidos pela Prefeitura ao Galo da Madrugada por meio de “termo de permissão de bem público de uso comum do povo”, pelo qual o bloco fica autorizado a “explorar comercialmente os camarotes e arquibancadas com vendas de ingressos” e a “explorar serviço de bar exclusivamente para os adquirentes dos camarotes e arquibancadas”.
A contrapartida do bloco ao Poder Público Municipal vem em forma de publicidade, garantindo 20% do espaço publicitário para as marcas oficiais da Prefeitura do Recife e do Carnaval da cidade.
Mas o apoio público e financeiro da Prefeitura ao Galo da Madrugada não para por aí. É comum que o Poder Público Municipal ainda repasse recursos diretos ao bloco por meio de cotas de patrocínio, tanto para o Carnaval quanto para outros eventos realizados pelo ente privado ao longo do ano. Em 2014, foram R$ 580 mil para o Carnaval e R$ 300 mil para o Forrozão do Galo. Em 2015, R$ 750 mil. A reportagem da Marco Zero Conteúdo questionou os valores relativos a 2016 e a 2017, mas não obteve resposta da Prefeitura.
A camarotização do Galo da Madrugada traz à tona muitas questões. Algumas de cunho sociológico, outras que expõem a linha tênue que rege as relações público-privadas no Recife.
Democracia racial ou apartheid?
Até que ponto a visão de Carnaval popular e democrático do Recife, em oposição ao Carnaval baiano das cordas e dos abadás, não passa de uma fantasia? Será que aqui, como lá, não impera o apartheid social? Negros e pardos pobres no chão, brancos e autoridades nos camarotes? O mito da democracia racial, peça-chave da narrativa propagandística do Galo, sobrevive à ressaca da Quarta-Feira de Cinzas?
E as relações público-privadas que colocam o bloco na rua? Até que ponto a cessão de espaços públicos para o bloco privado atende ao interesse público? Todo o processo não deveria correr de forma mais transparente? Com a divulgação dos custos totais do Poder Público e do lucro auferido pelos entes privados com a ocupação das ruas e praças públicas? Quais os termos da negociação comercial do Galo com outras entidades privadas, como os camarotes DownTown (Praça Sérgio Loreto) e Balança a Rolha (embaixo do viaduto Capitão Temudo), já que estamos falando da sub-cessão para exploração do espaço público? E por que, além de ceder espaços públicos, a Prefeitura ainda repassa verba em forma de patrocínio para o Galo?

Cedido por taxa simbólica a grupo de empresários, o Camarote Parador fatura milhões de reais numa área pública arrendada a um consórcio privado
Parador: alto faturamento, pouca transparência
A polêmica sobre o Carnaval privado em espaço público não está restrita à camarotização do Galo no sábado de Zé Pereira. De domingo a terça-feira, um dos espaços mais nobres do Centro do Recife também fica fechado ao acesso popular. Trata-se do Camarote Parador Itaipava, espaço de shows que toma o estacionamento situado ao lado do Armazém 14, na área não operacional do Porto do Recife. A área é pública, mas está arrendada desde maio de 2012 por 25 anos ao consórcio Porto Novo Recife S/A. Ainda assim, a cessão do terreno de um ente privado para outro só pode ser feita mediante anuência do Porto do Recife, órgão público vinculado ao Governo de Pernambuco.
Numa área privilegiada à beira-mar e a 500 metros de distância do maior e mais importante polo público do Carnaval do Recife, o Camarote Parador Itaipava comercializa mais de 4 mil ingressos por dia. Na segunda-feira (20), os ingressos online estavam sendo comercializados entre R$ 270,00 e R$ 350,00 por noite. A mega estrutura vai receber em 2017 duplas sertanejas de sucesso, como Henrique/Juliano e Maiara/Maraisa; grupos de axé, como Banda Eva e Bel Marques; e bandas de rock como O Rappa e Capital Inicial. Frevo mesmo, só do lado de fora.
Nas páginas dos sites de venda online de ingressos, o Parador é exaltado pelo serviço privê e a localização privilegiada: “O Parador Itaipava é considerado o melhor Camarote do Recife, o espaço oferece ao folião ótima estrutura, open bar premium (Whisky Old Par, Cerveja Itaipava e Vodka). A festa acontece no Recife Antigo (Cais do Porto), principal região turística da cidade, onde está localizado o polo Marco Zero com o principal palco de shows do Carnaval de Recife”.
O Marco Zero Conteúdo pediu, mas não obteve junto ao Porto do Recife S/A cópia do contrato de cessão do espaço. Segundo o Porto do Recife S/A, o pedido precisa ser “formal”. Produtores ouvidos pela reportagem, que preferiram não se identificar, informaram que a área é cedida ao mesmo grupo de empresários desde 2015, tendo à frente Bruno Rêgo (BG Produções) e Augusto Acioly (Festa Cheia Produções e Propaganda LTDA). Acioly é sócio de Felipe Carreras, atual secretario de Turismo do Governo do Estado e ex-secretário de Turismo da Prefeitura do Recife.

O Porto do Recife diz que a cessão está respaldada pela Resolução Normativa número 07/2016 da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). No artigo 2o do Inciso VII, a resolução prevê “autorização de uso e delegação, pela administração do porto, de áreas e instalações portuárias não operacionais disponíveis, localizadas dentro da área do porto organizado, para utilização onerosa, a título precário, visando à realização de eventos de curta duração, de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa ou educacional”.
Taxa simbólica, transtornos reais
Questionada pela reportagem da Marco Zero Conteúdo sobre o valor da taxa paga pelos empresários para a realização dos shows no Carnaval, o Porto do Recife apenas confirmou que “a utilização de uso é onerosa”, mas não divulgou o montante. Em matéria publicada na Imprensa em 2015, primeiro ano de funcionamento do Camarote Parador, o então administrador do Porto, Carlos Vilar, informou que a taxa naquele ano deveria ficar em torno de R$ 20 mil. Um valor apenas simbólico que fica para o Poder Público, considerando os milhões de reais em faturamento que o grupo privado obtém com a exploração comercial do local durante o Carnaval.
Nos bastidores, produtores se queixam da “reserva de mercado” do espaço para grupos empresariais ligados a Felipe Carreras. Também questionam o suposto caráter provisório da permissão de uso da área, considerando que vários shows com venda de ingressos estão sendo realizadas ao longo do ano pelo mesmo grupo empresarial, como acontece nos períodos de São João e de Revellion, o que configuraria, na prática, um acordo permanente de utilização desse espaço firmado entre o Porto Novo Recife e os organizadores do Camarote Parador.
Para além da disputa privada pelo espaço do estacionamento do Armazém 14, há questões mais diretamente de interesse público que também precisam ser levadas em conta. Estamos falando do impacto no fluxo de pessoas e na mobilidade urbana em todo o entorno do Marco Zero, também no impacto nos cofres públicos com a oferta de mais segurança e fiscalização de trânsito na região, onde antes havia um único grande palco público de shows e, agora, ele sofre a concorrência estrutural do maior palco privado do Carnaval do Recife.
Rede Globo e Praça da Independência: nada a ver
Não é de hoje que a ocupação privada dos espaços públicos no Carnaval gera polêmica e críticas de setores organizados da sociedade. Foram essas críticas que forçaram o cancelamento do Camarote da Rede Globo na Praça da Independência, em 2015, depois de 15 anos de funcionamento no local. Dias antes da realização do Carnaval, a Praça era cercada de tapumes para a instalação do Camarote da Globo e o acesso interditado à população em geral. Exatamente o que acontece hoje com a Praça Sérgio Loreto, tomada pelos camarotes do Galo da Madrugada e do Downtown.
praça-da-globo
Estrutura de ferro e tapumes mantinham população afastada da Praça da Independência que alojou o Camarote da Rede Globo até 2015
Um ano antes do fim do Camarote da TV Globo, os tradicionais espaços vips da Prefeitura do Recife e do Governo do Estado no Galo da Madrugada, que perduraram inclusive durante as gestões municipais do PT, haviam sido desmobilizados. Era ano de eleições presidenciais e o governador Eduardo Campos (PSB) temia que as críticas das entidades civis aos altos custos do Poder Público com a manutenção dos camarotes VIPs (sempre abafadas pela imprensa local) ganhassem as manchetes dos jornais nacionais. Ele trocou o desgaste pelo anúncio de moralização dos gastos públicos apenas no último dos oitos anos de sua gestão no Estado.
Nos últimos três anos, produtores e advogados têm não só se manifestado contrários à cessão dos espaços públicos para a exploração da iniciativa privada durante o Carnaval, como estão pressionando cada vez mais os poderes públicos a prestar contas sobre a condução das negociações com os blocos e as empresas.
Acesso pago à praça pública
Em 2015, o produtor artístico Roger de Renor (Som na Rural) e a professora da Faculdade de Direito do Recife Liana Cirne Lins entraram com um pedido oficial de informações na Prefeitura do Recife sobre a cessão dos espaços públicos para a iniciativa privada. Na ocasião, a Prefeitura informou que a Praça Sérgio Loreto era cercada com tapumes para proteger o patrimônio público da degradação, especialmente por estar localizada num ambiente de grande fluxo de pessoas. O documento da PCR diz que medida semelhante é adotada em outras praças, monumentos, espaços culturais e prédios públicos no Centro da Cidade.
A resposta não satisfez Roger. “A Praça da República (em frente ao Palácio do Campo das Princesas) é cercada e quando acaba o Carnaval tiram-se os tapumes e ela está intacta, ninguém tem acesso ao local. Mas a Praça Sérgio Loreto, não. Ela é cercada e só entra nela quem paga. Quem paga ocupa a Praça. Ou será que os secretários de Cultura e Mobilidade da Prefeitura desconhecem que existem camarotes privados funcionando ali durante o Carnaval?”.
Muito pouco provável esse desconhecimento. Além dos anúncios de venda de ingressos em TVs e redes sociais, os camarotes do Galo acabaram substituindo na prática os camarotes da Prefeitura e do Governo de Pernambuco (que aliás é também apresentado no site oficial da agremiação como patrocinador do evento). Prefeito, governador, secretários municipais e estaduais, deputados, vereadores, empresários, jornalistas e artistas globais agora ocupam os espaços VIPs organizados pelo próprio Galo da Madrugada.
Elitização
Para Roger de Renoir, os camarotes privados em espaços públicos estão a serviço da separação de classes sociais.
“É inadmissível que logo no Carnaval mais popular da cidade, se privatize o espaço público porque tem gente que não gosta de se misturar com o povo. As pessoas mais importantes do Carnaval do Recife são os brincantes, não podem ser aqueles que têm R$ 300,00 para ficar afastados da rua. Não se pode cobrar para alguém ter acesso a uma praça pública. No Carnaval do Recife existe isso há mais de 10 anos no principal bloco de Carnaval. Bloco, é bom lembrar, que é subsidiado pela própria Prefeitura”.
Roger de Renor acredita que a repercussão do caso é menor na classe média recifense porque o isolamento se dá numa praça que fica no Centro da cidade, afastada, portanto, dos bairros mais ricos. “Imagina se isso fosse feito na praia de Boa Viagem? Imagina se um bloco de Boa Viagem, o da Parceria (antigo bloco de Carnaval do Grupo Bompreço que levava trios elétricos para a orla da praia no período pré-carnavalesco), por exemplo, recebesse a cessão de parte da praia e decidisse que só teria acesso ao local quem pagasse ingressos? Na prática é isso o que acontecia na Praça da Independência com a Rede Globo e o que acontece agora com a Praça Sérgio Loreto, com os camarotes do Downtown e do Galo”.

Parquinho infantil e árvores são isoladas do público na Praça Sérgio Loreto para receber 66 camarotes vendidos pelo Galo da Madrugada. Foto do Carnaval de 2015. Arquivo: Roger de Renor
Ações na Justiça
Alegando a falta de amparo legal para cessão dos espaços públicos à iniciativa privada, o advogado Pedro Josephi moveu duas ações populares na Justiça no ano passado para forçar a Prefeitura do Recife e o Porto do Recife a anularem as permissões de utilização das áreas públicas e abrirem o acesso a toda a população.
A ação contra os camarotes na Praça Sérgio Loreto e nas áreas públicas no percurso do desfile do Galo tramitou na 4ª Vara da Fazenda Pública. Como tratava especificamente do Carnaval de 2016 e o pedido de liminar do advogado foi indeferido pelo Justiça, o processo perdeu o objeto. No caso do Camarote Parador, o processo começou a tramitar na 5ª Vara da Justiça Federal e depois foi distribuído para a 5ª Vara da Fazenda Pública por se tratar de um terreno pertencente a um órgão estadual arrendado à iniciativa privada.
O advogado alega que o interesse privado está se sobrepondo ao interesse público tanto no Galo da Madrugada quanto no Camarote Parador. Para Pedro Josephi, a desocupação da Praça Sérgio Loreto e de outras áreas públicas no trajeto do bloco traria melhores condições de deslocamento e segurança aos foliões. “A situação do Galo é alarmante. A Prefeitura permite a utilização do espaço público por uma entidade privada, apesar de o Galo ser um patrimônio público do Carnaval, e essa entidade ainda subloca esses espaços para serem explorados comercialmente por terceiros na Praça Sérgio Loreto e abaixo dos viadutos da Avenida Sul? Há uma evidente prevalência do interesse privado sobre o interesse público”.

Ao contrário do que alega a Prefeitura do Recife, o patrimônio público da Praça Sérgio Loreto é sim afetado pela presença dos camarotes do Galo da Madrugada e do Downtown, como pode se ver na intervenção “artística” no entorno das estátuas. Foto do Carnaval 2015. Arquivo: Roger de Renor
Prestação de contas à sociedade
Outra questão que incomoda Pedro Josephi é a impossibilidade de a população acompanhar os detalhes das negociações firmadas entre o Poder Público e a iniciativa privada. “O mais grave é que não há uma prestação de contas para a sociedade, e nem mesmo para a Prefeitura, em relação a quantos camarotes estão sendo comercializados ao longo do desfile do Galo, quais os valores atribuídos a essas sublocações, quais são as compensações que essas empresas que estão sublocando o espaço estão dando na área de segurança e mesmo ao patrimônio em caso de dano. Quem vai assumir esses danos? Ao nosso ver tudo isso precisaria ficar mais claro e transparente para toda a sociedade”.
A reportagem da Marco Zero Conteúdo entrou em contato com as assessorias de imprensa do Tribunal de Contas do Estado e do Ministério Público de Pernambuco questionando se há procedimentos ou processos de acompanhamento das cessões dos espaços públicos para a iniciativa privada durante o Carnaval por parte desses órgãos. As assessorias responderam que os órgãos não desenvolvem ações ou fiscalizações específicas para esses casos.
Perguntas aguardam respostas
A falta de transparência fez o vereador em primeiro mandato do PSOL, Ivan Moraes, protocolar este ano um pedido de informações à Prefeitura do Recife. Ivan solicita cópia dos “termos de permissão de uso de bem público de uso comum do povo” celebrados entre a Prefeitura e o Galo da Madrugada nos últimos cinco anos e questiona qual instrumento legal autoriza que o Galo da Madrugada ceda ou subloque o espaço público para terceiros, como é o caso do Downtown na Praça Sérgio Loreto.
Também solicita informações sobre a relação de todos os camarotes que serão instalados em espaços ou prédios públicos nos bairros de São José e Santo Antônio no dia do desfile do Galo da Madrugada. E mais: cópias dos instrumentos que autorizam o uso do solo e instalação do Camarote Balança a Rolha, localizado embaixo do viaduto Capitão Temudo; do Camarote Spettus, na Avenida Dantas Barreto; e do Camarote Downtown, na Praça Sérgio Loreto.
O vereador do PSOL também quer saber quais as contrapartidas e os valores que a Prefeitura do Recife recebe para a cessão e instalação de camarotes privados em espaços e prédios públicos da cidade e se o Poder Público Municipal realizou algum estudo ou pesquisa sobre o impacto para os foliões dos camarotes privados em espaços públicos?
Na justificativa do documento de pedido de informações, Ivan Moraes lembra que para a realização de um desfile de um bloco carnavalesco das dimensões do Galo da Madrugada a administração pública arca com relevante gasto público na manutenção da ordem e da segurança pública, com os serviços de limpeza urbana, bombeiros, reordenamento do trânsito e de atendimento de saúde da população em geral, por meio do SAMU. “Todos esses gastos públicos são elevadíssimos e suportados por toda a sociedade”, afirma.
Jorge DU Peixe: Por que tanto Camarote?

A camarotização do Carnaval do Recife em torno do polo Marco Zero incomoda o vocalista da Nação Zumbi, Jorge Du Peixe. A Nação Zumbi, que foi uma das principais atrações do polo no ano passado, este ano não vai tocar na rua para o público recifense. A banda fará nesta quinta-feira, dia 23, um show no Baile Perfumado, na prévia da Troça Elétrica, ao lado de Bixiga 70 e da orquestra de frevo de Henrique Dias.
Jorge Du Peixe questionou prefeito pela quantidade de camarotes privados no entorno do Marco Zero, no Recife Antigo

Em postagem no facebook, Jorde Du Peixe relembrou a experiência da Nação Zumbi no Carnaval de 2016. “Botaram três atrações de peso no mesmo palco e o folião foi prejudicado. É culpa da gestão, da organização. Apesar de parecer grande, não cabe todo mundo. E colocam camarotes privados. É falta e cuidado com o folião. Tanto daqui quanto quem vem de fora porque o Marco Zero é a maior vitrine do Carnaval”.

Em resposta a Jorge Du Peixe, o prefeito Geraldo Julio (PSB) disse à Imprensa que não existiam camarotes privados no Marco Zero. “Não existe nenhum camarote privado na área do Marco Zero. A área é 100% pública e aberta à população”. Na verdade, o principal palco público do Carnaval do Recife está cercado de camarotes privados por todos os lados. O maior deles é o Camarote Seu Boteco, com vista frontal para o palco montado pela Prefeitura, open food e open bar e ingressos entre R$ 220,00 e R$ 250,00 por dia. Está lá no espaço do Marco Zero também o Camarote Palácio do Antigo, funcionando no antigo prédio do Santander Cultural, com três andares e palco exclusivo com bandas ao vivo.
O prefeito também esqueceu da existência do Camarote Parador, a cerca de 500 metros do palco do Marco Zero. Esse sim um espaço público arrendado a uma empresa privada que cedeu o espaço para outra empresa privada. E que se beneficia de toda a megaestrutura de segurança pública, ordenamento do trânsito e atendimento de saúde mobilizada pela Prefeitura do Recife e pelo Governo do Estado.
Pressão e monopólio
O que o prefeito não vê é o que mais chama a atenção do advogado Pedro Josephi. “Quando você tem uma festa privada como aquela, ela atrapalha o som do palco principal do Marco Zero, gera uma demanda maior de linhas de ônibus, logística da CTTU, de interrupção e organização do trânsito, gera uma demanda maior do escoamento das pessoas do Recife Antigo. As pessoas que afluem ao local para o Carnaval gratuito e popular são confrontadas com outra multidão que vem para o Carnaval privado. Em 2016, nós vimos a quantidade de arrastões e brigas pelas ruas”, relembra.
Para Pedro, ainda há um agravante quando falamos da produção cultural em Recife com o monopólio da cena por alguns poucos grupos. “O que nós estamos vendo é que o ramo de produção cultural de festas em Pernambuco é uma verdadeira caixa-preta, não se tem transparência de que forma são utilizadas essas áreas públicas e quem são os responsáveis por ganhar tanto dinheiro numa festa que deveria se democrática, popular e acessível para todos”.
Cultura do segregacionismo
A professora de pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco, Cristina Araújo, volta no tempo até os Estados Unidos das décadas de 1940 e 1950, quando foram criados os primeiros condomínios fechados, para analisar a expansão do capital privado no sistema capitalista. Esse modelo chega ao Brasil nos anos 1980, na forma dos “alphaviles”, segundo a pesquisadora, “vendendo a ideia de segurança e qualidade de vida num cenário de cidades violentas e inseguras”.
Por trás dos condomínios fechados está a premissa de que o que é organizado pela iniciativa privada é bom e seguro e o que é cuidado pelo Poder Público é ruim e inseguro. Ela cita as calçadas esburacadas e sujas. Elas não precisam ser cuidadas porque o que prevalece é a lógica do automóvel, do bem privado sobre o espaço público.
A lógica segregacionista do condomínio fechado chega às festas populares como o Carnaval. Na Bahia isso é mais evidente com a disseminação de que as pessoas da “pipoca” são violentas e que se você é do bem deve brincar o Carnaval nos camarotes ou comprar abadás para ter a proteção privada do bloco.
“Recentemente essa lógica chegou por aqui, no Recife e em Olinda. A mesma concepção da segurança que se alimenta da ideia de distinção, ou seja, se você pode pagar então brinque entre seus pares. E tudo isso acontece com total conivência da Prefeitura e do Governo do Estado. Quem acaba se beneficiando é a iniciativa privada que vai transformando o que era público em privado e criando verdadeiras ilhas da fantasia, onde se convive apenas com os iguais, seja nos condomínios fechados, seja nas festas populares”, analisa Cristina.
E ela continua: “Dentro do sistema capitalista a iniciativa privada sempre vai tentar se expandir para obter lucro e caberia ao Estado o equilíbrio do jogo, atendendo aos interesses de todas as classes”. Uma regra que parece passar longe do jogo jogado no Carnaval do Recife.

Breve história crítica dos feminismos no Brasil

Excluídas da história oficial, as mulheres fazem do ato de contar a própria trajetória uma forma de resistência. Neste ensaio, publicado na...