Jovens e negros são as principais vítimas de violência no país, segundo estudo do Ipea

Estudo do Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública resultou no Atlas da Violência no Brasil 2017


O Brasil registrou, em 2015, 59.080 homicídios. Isso significa 28,9 mortes a cada 100 mil habitantes. Os números representam uma mudança de patamar nesse indicador em relação a 2005, quando ocorreram 48.136 homicídios. As informações estão no Atlas da Violência 2017, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O estudo analisa os números e as taxas de homicídio no país entre 2005 e 2015 e detalha os dados por regiões, Unidades da Federação e municípios com mais de 100 mil habitantes. Apenas 2% dos municípios brasileiros (111) respondiam, em 2015, por metade dos casos de homicídio no país, e 10% dos municípios (557) concentraram 76,5% do total de mortes.

Os estados que apresentaram crescimento superior a 100% nas taxas de homicídio no período analisado estão localizados nas regiões Norte e Nordeste. O destaque é o Rio Grande do Norte, com um crescimento de 232%. Em 2005, a taxa de homicídios no estado era de 13,5 para cada 100 mil habitantes. Em 2015, esse número passou para 44,9. Em seguida estão Sergipe (134,7%) e Maranhão (130,5). Pernambuco e Espírito Santo, por sua vez, reduziram a taxa de homicídios em 20% e 21,5%, respectivamente. Porém, as reduções mais significativas ficaram em estados do Sudeste: em São Paulo, a taxa caiu 44,3% (de 21,9 para 12,2), e, no Rio de Janeiro, 36,4% (de 48,2 para 30,6).

Houve um aumento no número de Unidades da Federação que diminuíram a taxa de homicídios depois de 2010. Especificamente nesse período, as maiores quedas ocorreram no Espírito Santo (27,6%), Paraná (23,4%) e Alagoas (21,8%). No sentido contrário, houve crescimento intenso das taxas entre 2010 e 2015 nos estados de Sergipe (77,7%), Rio Grande do Norte (75,5%), Piauí (54,0%) e Maranhão (52,8%). A pesquisa também aponta uma difusão dos homicídios para municípios do interior do país.


Municípios mais pacíficos e mais violentos

O Atlas da Violência 2017 analisou dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, referentes ao intervalo de 2005 a 2015, e utilizou também informações dos registros policiais publicadas no 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do FBSP. Para listar os 30 municípios potencialmente mais violentos e menos violentos do Brasil em 2015, o estudo considerou as mortes por agressão (homicídio) e as mortes violentas por causa indeterminada (MVCI).

Altamira, no Pará, lidera a relação dos municípios mais violentos, com uma taxa de homicídio somada a MVCI de 107. Em seguida, aparecem Lauro de Freitas, na Bahia (97,7); Nossa Senhora do Socorro, em Sergipe (96,4); São José de Ribamar, no Maranhão (96,4); e Simões Filho, também na Bahia (92,3). As regiões Norte e Nordeste somam 22 municípios no ranking dos 30 mais violentos em 2015.

Entre os 30 mais pacíficos, 24 são municípios da região Sudeste. No entanto, os dois primeiros da lista ficam em Santa Catarina: Jaraguá do Sul (3,7) e Brusque (4,1). Em seguida, aparecem Americana (4,8) e Jaú (6,3), ambos em São Paulo, Araxá, em Minas Gerais (6,8), e Botucatu (7,2), também em São Paulo. A lista completa dos 30 municípios mais e menos violentos está nas tabelas 2.1 e 2.2 da pesquisa.

A análise isolada das taxas de homicídio pode ocultar o verdadeiro nível de agressão letal por terceiros em um município. Exemplo disso é Barreiras (BA), onde foi registrado apenas um homicídio em 2015. Isso colocaria a cidade entre as mais pacíficas do país. No entanto, ocorreram em Barreiras, naquele ano, 119 MVCI, uma taxa de 77,3 por 100 mil habitantes, o que eleva o município para a relação dos municípios mais violentos.


Perfil das vítimas

Mais de 318 mil jovens foram assassinados no Brasil entre 2005 e 2015. Apenas em 2015, foram 31.264 homicídios de pessoas com idade entre 15 e 29 anos, uma redução de 3,3% na taxa em relação a 2014. No que diz respeito às Unidades da Federação, é possível notar uma grande disparidade: enquanto em São Paulo houve uma redução de 49,4%, nesses onze anos, no Rio Grande do Norte o aumento da taxa de homicídios de jovens foi de 292,3%.

Os homens jovens continuam sendo as principais vítimas: mais de 92% dos homicídios acometem essa parcela da população. Em Alagoas e Sergipe a taxa de homicídios de homens jovens atingiu, respectivamente, 233 e 230,4 mortes por 100 mil homens jovens em 2015.

A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com informações do Atlas, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência.

Austrália quer ser o primeiro país a impedir pedófilos de viajar para o estrangeiro

A Ministra dos Negócios Estrangeiros, Julie Bishop, anunciou a proposta esta terça-feira, durante uma conferência de imprensa no Parlamento LUSA/LUKAS COCH


A medida foi proposta pelo governo de Camberra e tem como objectivo proteger crianças de “países vulneráveis” no sudeste asiático.

Catarina Reis O governo australiano anunciou, esta terça-feira, que planeia proibir de viajar para o estrangeiro todos os cidadãos registados por pedofilia no sistema criminal da Austrália. A proposta, que a concretizar-se será uma estreia mundial, vai ser apresentada no Parlamento e visa proteger principalmente as crianças de outros países do sudeste asiático, “mais vulneráveis” a práticas de abuso sexual de menores, noticia o Sydney Morning Herald.

O ministro da Justiça australiano, Michael Keenan, explicou que as leis de prevenção existentes são “completamente inadequadas” e acredita que a Austrália está a debater “a mais forte repressão de sempre sobre o turismo sexual de menores”. “Nenhum país alguma vez tomou uma acção tão decisiva para impedir os seus cidadãos de viajar, muitas vezes para países vulneráveis, para abusar de crianças”, disse o ministro, numa conferência de imprensa no Parlamento de Camberra, nesta terça-feira.

A ministra dos Negócios Estrangeiros, Julie Bishop, entende que a medida permitiria anular os passaportes de cerca de 20 mil pessoas condenadas por pedofilia, que já cumpriram as suas penas de prisão mas que continuam sob controlo das autoridades — 3200 estão sob controlo vitalício, por isso, nunca seriam elegíveis para viajar. Bishop falava na mesma conferência de imprensa que o seu colega da Justiça.

As excepções à aplicação da moção serão definidas com base no parecer e verificação das autoridades australianas, que irão comprovar se os cadastrados não representam um risco para as crianças no estrangeiro e se há razões legítimas — pessoais ou profissionais — para viajarem. O governo acrescenta que estarão isentos todos os indivíduos que deixarem de pertencer à base de dados criminal.

De acordo com dados divulgados pelo executivo australiano, em 2016 aproximadamente 800 predadores sexuais viajaram da Austrália para o estrangeiro. No mesmo ano, os jornais locais noticiaram a história de um australiano, Robert Andrew Fiddes Ellis, condenado a 15 anos de prisão na Indonésia por ter abusado de 11 raparigas naquele país.


Texto editado por Hugo Torres

A LAVA JATO COMBATE A CORRUPÇÃO OU O DESENVOLVIMENTO DO BRASIL?

Creio que o mais imbecilizado coxinha já desconfiou que o impeachment da Presidente Dilma foi um golpe com dois interesses: do lado internacional, destruir o Brasil e sua economia, para favorecer o sistema financeiro internacional, ou, como denomino, a banca; do lado nacional, colocar à testa do único poder ainda não completamente corrompido um representante à altura dos derrotados de 2014.







Autor: Pedro Augusto Pinho, via Dinâmica Global


Como não se tapa o sol com peneira, aos poucos foram sendo expostos as reais personalidades dos atores e os verdadeiros interesses dos novos ocupantes do executivo e seus aliados. Aquele cuja obsessão, desde a derrota para presidente, foi destruir a “nação ingrata”, como declaração de sua esposa em rede virtual, mostrou-se, pior do que um espírito fraco submetido à droga, um aliado dos traficantes, um insistente devorador de recursos escusos, um criminoso que tem agora, após enorme relutância de outros poderes, um pedido de prisão. O traidor, dotado de medíocre percepção de seu papel, caiu, pela ambição voraz, nas malhas de um dos corruptores. E toda a corja, toda a súcia dos golpistas e oportunistas vai sendo, pouco a pouco, apresentada à nação, que um tanto envergonhada dos bate panelas, ou um tanto horrorizada dos jardins paulistanos e da zona sul carioca não tem como desmentir. E, também perplexa pela imensidão dos crimes e da agressão ao País, fica a maioria dos honestos trabalhadores brasileiros.


É preciso reagir, reclamam os interesses estrangeiros. Temos que mudar o foco destas acusações, programam seus representantes no Brasil.


Surgem, então, os procuradores Lava Jato, articulados com seu mestre maior, recém chegado do país de seus instrutores, para pedir a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva.

Para que a história não deixe sem registro, são peticionários de punição de Luiz Inácio Lula da Silva, por crime inexistente: Deltan Martinazzo Dallagnol, Antonio Carlos Welter, Carlos Fernando dos Santos Lima, Januário Paludo, Isabel Cristina Graba Vieira, Orlando Martello, Diogo Castor de Mattos, Roberson Henrique Pozzobon, Julio Carlos Motta Noronha, Jerusa Burmann Viecili, Paulo Galvão, Athayde Ribeiro Costa e Laura Gonçalves Tessler (Autos nº 5046512-94.2016.4.04.7000, em 02/07/2017).


A Lava Jato já destruiu a maior empresa brasileira, detentora de tecnologia própria e sem igual no mundo do petróleo, que está sendo despedaçada e repartida entre vorazes bocas estrangeiras. Sabem por que? Porque o capital financeiro emitiu muitos, mas realmente uma enorme quantidade de papéis de dívida sem lastro. E, em todos os bancos, aqui e em toda parte, eles foram vendidos a “aplicadores”, aos “fundos de pensão”, aos ingênuos compradores de fundos e certificados bancários. Mas como pagar o que não existe? Assim ocorreram as crises desde 1990, sendo a última em 2008, até hoje deixando bancos norteamericanos e europeus em situação crítica, obrigando os governos a tirar recursos dos impostos para evitar mais falências, mais escândalos financeiros. O Brasil, com o pré-sal, com a riqueza mineral, com nióbio, Amazônia, sua capacitação em energia nuclear, era um pitéu ultra desejado.

Cria-se então a Lava Jato. Qual seu saldo nestes três anos? Grandes empresas nacionais de engenharia fecham as portas, desempregam-se mais de 600.000 profissionais qualificados, sobe para 14% a população desempregada, a Petrobrás é doada, parte por parte, aos estrangeiros, a Base de Alcântara, para lançamento de foguetes brasileiros, é entregue para gestão dos Estados Unidos da América (EUA), todo o País sofre com a recessão. Conquistas históricas dos trabalhadores são lançadas no lixo; vive a desesperança!


E os corruptos? Os grandes e verdadeiros corruptos estão em casa, com ou sem tornozeleiras, desfrutando de seus saques. Os que se recusam a incriminar o Lula, pois lhes resta alguma dignidade, são torturados e suas famílias vivem em verdadeiro rito medieval. Mas a senhora Eduardo Cunha, que reconheceu gastar milhões de reais em supérfluos de todo gênero e ter conta na Suíça com valores recebidos como suborno e achaques pelo marido, é inocentada pelo juiz Sergio Moro. Pode-se pensar: quanto custou? E, nas redes sociais, sai uma hipótese: o advogado da Claudia Cunha está envolvido em escândalo das APAE junto com a senhora Sergio Moro. Ah!


As 341 páginas da Força Tarefa dos Procuradores Lava Jato não contém uma única prova, um único fato delituoso, que se atribua ao ex-presidente. É uma anáfora de pensamentos e desejos, um rol de citações tão absurdas que precisam invocar Sherlock Holmes (SH). Isto mesmo, o detetive criado pelo gênio de Conan Doyle. Em 1983, o escritor Umberto Eco realizou um estudo, com base na teoria de Charles S. Pierce, sobre o método investigativo de SH (U. Eco e Thomas Sebeok, coordenadores, O Signo dos Três, Perspectiva, SP, 2014). Este estudo é denominado semiótico, isto é, que se dedica aos signos e às representações. Pois os procuradores transformam os estudos de sinais, em romance policial, numa base da argumentação contra Lula. O simbolismo em Sherlock Holmes. Haja coragem!




E, assim, pretendem incendiar o país, levar brasileiros à morte pela repressão, o caos de uma guerra civil para atender um dos objetivo da banca: reduzir a população mundial, a curto prazo, para 500 milhões de habitantes.

Se escaparem da ira dos despossuídos, os Lava Jato não escaparão das páginas da história e da maldição dos pósteros.

E o que você acha, prezado leitor? Que a Lava Jato combate a corrupção ou o desenvolvimento do Brasil?

Para quem argumenta com ficção, concluo com uma citação do colega de Sherlock Holmes, o Comissário Maigret, criação notável de Georges Simenon: “Na realidade, o papel da polícia é proteger o Estado; primeiro, o governo, seja ele qual for, em seguida as instituições, o dinheiro …”(Maigret e o ladrão preguiçoso, Colecção Vampiro, Livros do Brasil, Lisboa).

‘Meu filho foi confundido com um mendigo’, Pai acusa shopping em área nobre de SP de racismo

Segundo jornalista, criança foi confundida com pedinte por funcionária do Pátio Higienópolis

O shopping Pátio Higienópolis visto de fora - Reprodução / Google



SÃO PAULO — O shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo, foi acusado de racismo pelo jornalista Enio Squeff. Enquanto tomava chá no local com seu filho de 7 anos — um garoto negro —, Squeff foi abordado por uma segurança do local, na última sexta, que confundiu a criança com um pedinte. A funcionária se desculpou várias vezes e alegou seguir orientações do shopping.

Em relato publicado nas redes sociais, Squeff disse que o filho vestia o uniforme da escola. “Como eu lhe questionasse para o fato de ela ver pele e não o uniforme, quem se chocou, então, assustada, foi a moça travestida de segurança. Eu que a desculpasse, ela não tinha tido a intenção de me ofender. Para corroborar a extensão de seu pedido de perdão, afirmou-me que ela também era negra -,e sua pele não a desmentia; mas que recebia ordens”, contou.

O artista, no texto, questiona as ordens da direção do local de “expulsar meninos negros do sagrado local de Higienópolis”. Depois, afirmou ter sentido pena da moça, pois se recorresse à auditoria shopping ela provavelmente teria sido demitida.


“E aí, então, ela seria duplamente punida: não apenas por ter atentado contra uma criança negra, mas por se ter flagrado num racismo duplamente condenável por ser ela mesma negra, num ato discriminatório que ela entranhou em si, como parte do seu trabalho”, e acrescentou: “Não é por nada, aliás, que 70% dos jovens assassinados no Brasil, sejam negros.”


Procurada, a assessoria do shopping ainda não se manifestou sobre o caso.

"Eu decido se você cala a boca porque eu pago seu salário"

Que tipo de processo poderia ser movido contra um patrão que se dirigisse assim a uma empregada? E se, em resposta a uma solicitação dela, o patrão rasgasse o pedido, chamasse ela de “puta”, colocasse dentro da cueca e devolvesse com a seguinte mensagem: "tire o conteúdo, sinta o cheiro do meu saco e abra a b*** e enfie bem no meio dela"

[foto: montagem lado a lado, maria e gentili]


Por Gilberto Miranda Junior*, Medium - Via Pragmatismo politico

Que tipo de processo poderia ser movido contra um patrão que se dirigisse assim a um empregado ou empregada? E se, antes de falar assim, diante de uma solicitação por escrito da empregada para explicar o que havia dito anteriormente, o patrão rasgasse o pedido, picasse, chamasse a empregada de “puta”, colocasse dentro da cueca os papéis picados, tirasse os papéis de dentro da cueca e colocasse em um envelope, dizendo:
Chegando minha cartinha, abre ela, tire o conteúdo, sinta aquele cheirinho do meu saco e abra a bunda e enfie bem no meio dela tudo isso que estou mandando para você.
Não se escandalize, caro leitor. Foi exatamente isso que Danilo Gentili fez e falou em um vídeo que tem sido replicado no Whatsapp e no Facebook por ocasião de uma notificação extra-judicial da Câmara dos Deputados para que Danilo explicasse alguns Twitters publicados contra a Deputada que se sentiu caluniada por ele. Ao interpretar o pedido de explicação da Câmara como uma tentativa de censura ao seu “humor”, ele levou ao pé da letra os dizeres de sua camiseta “se você não aguenta uma piada, foda-se” e partiu para o ataque.
Caberia discorrermos sobre aquela velha ladainha acerca dos ‘limites do humor’? Não penso que seja esse o caso. Não parece-me, sob qualquer parâmetro razoável que se possa olhar o caso, como se tratando de humor. Embora procurando ser irônico ou sarcástico, Danilo atacou covardemente uma pessoa, um cidadão, independente da suposta ‘relação de trabalho’ alegada. Danilo ofendeu, chamou de puta, falou para ela sentir o cheiro do seu saco e mandou ela abrir a bunda para enfiar a resposta dele dentro. Afinal, do que se trata isso? Não fossem essas as duas figuras protagonistas do caso, haveria algum tipo de indignação das pessoas? Quem está compartilhando esse vídeo e o transformando em viral parece dar anuência ao que foi feito e comemorar como se Maria do Rosário ou qualquer pessoa realmente merecesse isso. Assim foi, por essas mesmas pessoas, quando Bolsonaro disse que ela sequer mereceria ser estuprada de tão chata, como se alguma mulher, em alguma circunstância imaginável, merecesse.
Não penso que humor ou arte em geral tenha que ter limites. Não pode ter. Mas é notável a indignação causada pela performance da artista que defecou na foto do Bolsonaro e a anuência ou condescendência das pessoas diante do ato abominável e desrespeitoso com Maria do Rosário. Homens parecem gostar ou serem afeitos a mostrar suas genitálias como forma de intimidação, de humilhação ou demonstração de poder. Chamar de humor a total ultrapassagem de qualquer limite de civilidade, parece-me apenas uma forma de mascarar um ódio irracional que certos porta-vozes da classe média tem incorporado e representado sem o menor constrangimento. Mesmo que não se queira defender a Deputada, assistir algo assim (sem que se participe desse ódio irracional) é estarrecedor.
É reservado a todo e qualquer cidadão (inclusive ao Danilo Gentili) o direito a uma representação junto ao Estado para que se peça explicação acerca de afirmações proferidas por alguém sobre sua pessoa. Basta se sentir ofendido e interpretar a ofensa como calúnia ou difamação, tipificações previstas em nossas Leis. Ainda assim não é o ofendido quem decide sobre isso. Há um processo e um julgamento sobre o caso, tendo aquele que ofendeu todo o direito de justificar os motivos da ofensa ou retira-la, independente das sanções que possam advir posteriormente. Ora, onde há censura em impetrar processo legal previsto em Lei a que todos os brasileiros tem pleno direito de exercer? Para Danilo há. Logo, com base nessa distorção interpretativa, ele próprio se deu ao direito de cometer um crime, o de injúria, enquanto protestava contra aquilo que ele interpretava da ação movida pela Deputada.
Mas a questão não é só isso. Ao alegar que, pagando o salário dela, era ele quem teria o direito de mandá-la calar a boca, demonstrou ser um péssimo empregador. Empregadores não devem fazer isso e, inclusive, é passível de processo de assédio o empregador que o fizer. Um deputado não é nosso empregado, embora, obviamente, são nossos impostos que pagam seus salários. Um deputado é um empregado do Estado, contratado com a anuência da população que, à época de sua escolha, entendeu que este defenderia seus interesses. Se não defendeu, não deverá ser reeleito. Se cometeu crime, há leis para investigá-los, puni-los e levá-los a cumprir pena, como no caso do ex-Deputado e Presidente da Câmara Eduardo Cunha. Deputados não são empregados particulares de alguém, a despeito de grandes empresas poderem financiar suas campanhas e colocá-los informalmente como seus empregados particulares. Isso acontece muito, aliás. Mas é contra a lei, diga-se.
Gentili parece entender que Deputados são cachorros particulares de quem os elege: devem levantar, pular, rolar e fingir de morto quando falam com eles. De fato muitos agem assim diante de seus financiadores ou chefes de partido, mas isso é um desvio. Danilo parece achar isso normal e reivindica seu quinhão na aberração política nacional, baseado em uma visão de relação empregado-empregador, no mínimo, anacrônica e, no limite, criminosa.

Congratulo-me com a recente decisão do STJ, cujo relator do caso foi Ribeiro Dantas, ao entender que a tipificação do crime de desacato à autoridade é incompatível com o artigo 13º da Convenção Americana de Direitos Humanos, defendendo, acima de qualquer autoridade pública, o direito inalienável de liberdade de pensamento e de expressão. Muitas denúncias foram coibidas e abafadas por conta de ameaças que colocavam a figura pública acima de seus crimes e delitos. Minas Gerais sabe bem como é isso. Mas ofensa à pessoa é diametralmente oposto disso. A liberdade de expressão não pode sobrepor o direito à dignidade e, nesse caso, parece-me estar tipificado uma das formas do crime contra a pessoa naquilo que a define como tal: sua honra.
Nada disso é sobre limites do humor, autoritarismo ou opressão do Estado sobre o indivíduo, mas sobre dignidade humana e civilidade. A direita raivosa está perdendo o sentido de civilidade e está atropelando direitos individuais em nome de direitos individuais, por que? Muito provavelmente Gentili considera Maria do Rosário menos humana que ele, menos indivíduo que ele, dando-lhe o direito de ofendê-la publicamente através de uma atitude misógina e autoritária, chamando-a de humor. Dessa mesma forma momentos inesquecíveis de barbárie foram cometidos na história da humanidade, sempre que um grupo, uma classe ou mesmo um indivíduo se sentiu superior ou mais humano que outro humano.
É disso que se trata todo esse caso!
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*Gilberto Miranda Junior participa do Círculo de Polinização do RAIZ Movimento Cidadanista, é editor do Zine Filosofando na Penumbra e Revista Krinos. Escreve para as revistas MaquiavelTrendR e Portal Literativo.

Pai ajuda a prender pedófilo que mandava mensagens para sua filha de 9 anos

Pai vê mensagens que pedófilo mandava para sua filha de 9 anos e vai a encontro com a polícia. Homem foi preso nesta terça-feira em local que tinha marcado para se encontrar com a menina

Conversas pelo whatsapp com uma criança de 9 anos (Montagem: Pragmatismo Político)


O estupro de uma menina de 9 anos foi impedido pelo pai da garota, que descobriu mensagens de assédio enviadas via WhatsApp por um homem de 47 anos à filha.
Após a descoberta do conteúdo enviado, o pai avisou a polícia de Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá (MT), que o homem havia marcado um encontro com sua filha, na última terça-feira (23).
O pai procurou a delegacia sem saber o que fazer, afirmando que a filha iria se encontrar com um homem mais velho, que a levaria para um motel. O estupro foi impedido no último momento”, declarou delegado Cláudio Alvarez, da Polícia Civil, ao G1.
De acordo com o delegado Cláudio Alvarez, da Polícia Civil, ao G1, o homem responsável pelo assédio à menor confessou ter conhecimento de que a menina era uma criança e assumiu a autoria das mensagens.
As investidas contra a menina começaram em uma conversa pelo bate-papo do Facebook. Na rede social, ele pediu o telefone da criança e desde 1º de maio os dois conversavam por WhatsApp.
No aplicativo, o homem solicitou que a menina enviasse imagens dela sem roupas e que ela não permitisse que sua mãe visse o conteúdo das conversas.
Dias depois, pediu para que a menor se encontrasse com ele, tomasse o anticoncepcional da mãe antes do encontro e comparecesse ao local sem calcinha.
O lugar marcado era próximo a residência da família da menina. O agressor aguardava a vítima. Contudo, a polícia chegou e ele foi preso em flagrante.

Recorrência de crimes

Segundo o delegado, a menor de 9 anos não seria a primeira e única vítima do homem de 47 anos. A Polícia Civil recolheu o celular do criminoso e verificou conversas com mais de 20 menores de idade no aparelho.
O objeto foi encaminhado para perícia, pois há suspeita de que ele tenha apagado as imagens do celular. “Ele apagou algumas fotos do celular, provavelmente de crianças nuas. As vítimas eram escolhidas pelo Facebook, onde ele pedia o número de WhatsApp para enviar fotos e mensagens de teor sexual”, explicou o delegado.
Para o pai da menina, além de proteger sua filha do ataque do agressor, objetivo também era tentar salvar possíveis novas vítima do pedófilo. “Primeiro, eu estava querendo bloquear [o número dele no celular]. Daí eu pensei: se eu fizer isso, vou resolver o meu problema e o problema com a minha filha que teve a expertise de me contar. Mas, e [o caso] de outras crianças? Será que as outras crianças iam contar para os pais?”, disse ao G1.

5 novos livros para pensar sobre as condições do negro no Brasil



Uma jovem cordelista recupera biografias de grandes mulheres negras desconhecida dos brasileiros. Uma renomada historiadora e antropóloga investiga a trajetória de um dos mais importantes (e desprezados) escritores negros do País.

Um africanista de 75 anos mergulha nos fatos e personagens que construíram o continente que está na base da formação do Brasil. Um famoso astro da TV revisa o curso de sua vida tomando como ponto de partida a identidade negra.

Para encerrar, um negro africano escravizado em Pernambuco narra os horrores que sofreu antes de fugir para os EUA.

Cinco livros que abordam de forma singular o significado de ser uma pessoa negra no Brasil - no passado e no presente - chegaram (ou chegam este mês) às livrarias.

Lima Barreto: Triste Visionário - Lilia Moritz Schwarcz

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A historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz passou mais de dez anos debruçada sobre obra e a vida de Afonso Henriques de Lima Barreto, escritor negro e marginal responsável por, pelo menos, duas obras singulares na literatura brasileira: Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) e Clara dos Anjos (1922). O resultado dessa empreitada chega às livrarias no mês de junho sob forma de uma ousada biografia.

Catatau de mais de 600 páginas, Lima Barreto: Triste Visionário explora a trajetória do escritor carioca a partir da questão racial. "Ele achava que os negros só poderiam ser socialmente integrados através da luta e do constante incômodo. Por isso, denunciava que a escravidão não acabou com a abolição, mas ficou enraizada nos menores costumes mais simples", disse a autora à Revista Cult.

Com escritos que criticavam o racismo, a corrupção e o feminismo vigente que, segundo a o escritor, excluías as mulheres negras, Barreto teve ainda uma dolorosa experiência uma dolorosa experiência manicomial, que também foi registrada em livro, Cemitério dos Vivos, publicado postumamente. "É um autor de muito alento para essa nossa agenda contemporânea neste momento em que a República vive uma crise tão forte, e que os nossos valores democráticos e direitos de cidadãos estão sendo colocados tão em questão", afirma Lilia.


15 Heroínas Negras em Cordéis - Jarid Arraes


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Filha e neta de cordelistas do Ceará, a escritora Jardi Arraes pesquisou durante 4 anos a trajetórias de mulheres negras que defenderam seus direitos e batalharam por seus espaços em solo brasileiro. Até então estavam às margens da História oficial, quinze desses enredos de vida foram adaptados para a literatura de cordel - tipo de poesia popular escrita em folhetos geralmente na forma rimada.

Na lista de grandes mulheres negras estão princesas e rainhas africanas como Aqualtune, Zacimba Gaba e Na Agontimé, sequestradas como escravas para o Brasil, mas que por por aqui lideraram revoltas e mantiveram quilombos fortes e hoje são inspirações para a população negra invariavelmente oprimida do País.

"São mulheres de épocas diferentes, de estados diferentes e que lutaram batalhas diferentes. Entre escritoras, ativistas, líderes quilombolas e de revoltas contra a escravidão, escolhemos 15 heroínas negras que marcaram nossa história e nos deixaram um legado importantíssimo", explicou a autora de 26 anos ao HuffPost Brasil.

Além dos perfis em cordéis, a edição traz todas as histórias também em formato de prosa. O projeto gráfico e as ilustrações de Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis são assinados pela designer e ilustradora negra Gabriela Pires.


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Aos 38 anos de idade, Lázaro Ramos é hoje um dos artistas mais populares na defesa de uma maior representatividade negra na mídia. Além de atuar na televisão, teatro e cinema e escrever livros infantis, o astro soteropolitano também comanda o programa Espelho, na TV Brasil, que traz entrevistas com personalidades da cena cultural brasileira – abordando em geral assuntos ligados à questão racial no Brasil.

Em junho, o ator lançará pela editora Editora Objetiva (do Grupo Companhia das Letras) seu primeiro livro destinado ao público adulto, Na Minha Pele. A obra não é uma autobiografia.

Segundo o ator, trata-se de uma seleção de textos que propões diferentes conversas com o leitor. "Ele tem uma seleção de depoimentos, opiniões e dúvidas sobre diversos temas: afetividade, política afirmativa, coragem, estética, estratégia de sobrevivência e inspirações", explicou o artista em entrevista ao jornal O Globo.

Ao que parece, o livro contém todos os ingredientes para reverberar e provocar boas discussões na internet, ambiente que o ator e sua esposa, a atriz Taís Araújo, são ativos. "As redes sociais têm exercido um papel fundamental na difusão dessas vozes, propagando novos valores, questionando regras tidas como estabelecidas, oferecendo novas percepções estéticas (...) Destampou-se um número grande de desejos e vozes que não se calam e se expressam. E nós, enquanto nação, precisamos ter capacidade para lidar com isso", afirmou o ator.


Dicionário de História da África: Séculos VII a XVI - Nei Lopes e José Rivair Macedo


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Pesquisador, romancista, cantor e compositor, Nei Lopes acaba de lançar seu Dicionário de História da África - Séculos VII a XVI, pela editora Autêntica, em parceria com José Rivair Macedo. Aos 75 anos de idade, o intelectual procura com seu novo trabalho ressaltar que os africanos foram os protagonistas na construção de sua própria História.

O livro explica as diferentes etapas de formação do continente, mostrando desde a organização social até a criação de Estados e Impérios. O leitor tem acesso também às informações referentes aos embates entre cristianismo, o Islã e religiões tradicionais no continente e também sobre as disputas em torno das rotas de comércio.

Africanista autodidata, Lopes tem formação em Direito e Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em recente entrevista ao jornal O Globo, ele revelou que começou a fazer pesquisas e escrever livros sobre a África "porque havia e ainda há um desconhecimento muito grande em relação à história e à cultura africanas e afro-brasileiras".

Também autor de outros dois livros que abordam a diversidade e a riqueza do continente africano - Bantos, Malês e Identidade Negra (1988) e Novo Dicionário Banto do Brasil (2003) -, o autor propõe uma visão de africanidade para além do ponto vista da escravidão.

"Esse dicionário mostra o fundamento do continente. A África não era uma selva só, essa visão que Hollywood ajudou a moldar. Construir essa visão da África foi um projeto estudado. Aí nossos filhos e netos ficam com a autoestima no pé", explicou.



Biografia de Mahommad Gardo Baquaqua - Mahommad Gardo Baquaqua
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Mahommah Gardo Baquaqua nasceu em uma família muçulmana no final dos anos 1820, no reino de Bergoo (atual Benin), na África Ocidental. Na juventude, se tornou escravo onde vivia. Em 1845, foi traficado para o Brasil, desembarcando em Pernambuco, onde serviu de escravo a um padeiro.

Dois anos depois, ele escapou numa embarcação comercial. Liberto por abolicionistas de Nova York, seguiu para o Haiti e depois para o Canadá, onde escreveu sua autobiografia.

Lançada em 1854 nos EUA, a Biografia de Mahommad Gardo Baquaqua estava restrita ao círculo acadêmica até maio deste ano, quando ganhou finalmente uma versão em português pela Editora Uirapuru. Relato da escravidão do Brasil em primeira pessoa, a obra traz detalhes do cotidiano da época, dos ambientes sociais e familiares e dos duros castigos que os negros escravizados sofriam no País.

Em entrevista à revista Trip, o tradutor e organizador do livro, Lucciani Furtado, falou sofre o destaque que Baquaqua dá à descrição da violência que sofria em solo brasileiro: "Há uma ênfase na violência sofrida por ele e por outras mulheres e homens escravizados. Somente a escrita pode dar importância a esses detalhes e, mesmo assim, por muito tempo as pessoas se recusaram a acabar com a escravidão. A brutalidade de um trauma violento pode ser mais fácil de suportar do que a brutalidade da insignificância", explicou.

Furtado passou quase seis anos trabalhando no livro, que traz também retratos e registros de documentos inéditos da época. Segundo o tradutor, Baquaqua era uma pessoa especial que todos gostariam de ser. "Se ele sofreu foi porque teve que enfrentar contingências sobre-humanas. E ele foi um verdadeiro herói", disse.

Crime ou conflito?

Usada contra o MST no Paraná, Lei de Organizações Criminosas permite juntar acusações e imputá-las a supostos líderes; prisões preventivas de sete militantes foram revogadas depois de mais de seis meses de cadeia


A pequena cidade do oeste paranaense Quedas do Iguaçu, a duas horas da fronteira com o Paraguai, amanheceu ao som dos helicópteros no dia 4 de novembro do ano passado. Deflagrada pela Polícia Civil do Paraná após oito meses de investigações, a Operação Castra – que, segundo a polícia, significa “acampamento” em latim – tinha como alvo uma suposta organização criminosa que estaria atuando em algumas ocupações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região. Houve mandados cumpridos em Quedas do Iguaçu, no município vizinho de Rio Bonito do Iguaçu e também no Mato Grosso do Sul e na Escola Nacional Florestan Fernandes, em São Paulo. Ao todo, foram expedidos 16 mandados de prisão – 14 deles contra integrantes do MST – por 33 acusações que constam em três inquéritos diferentes. A reunião desses inquéritos se tornou possível a partir do enquadramento no crime de organização criminosa, definido pela Lei de Organizações Criminosas (12.850/2013), a mesma utilizada para prender manifestantes acusados de uso de práticas black bloc em São Paulo e no Rio de Janeiro e também contra réus da Lava Jato. Sete dos 14 mandados foram cumpridos no último dia 4 de novembro e os militantes, presos preventivamente.
Foi a segunda vez que a mesma lei foi utilizada contra pessoas do MST em um espaço de poucos meses. Em abril do ano passado, o Tribunal de Justiça de Goiás decretou a prisão de quatro militantes do MST com base na mesma legislação, depois de o movimento ocupar uma usina em recuperação judicial. “O MST sempre foi criminalizado. No passado, eles usavam a acusação de formação de quadrilha, por exemplo”, diz o consultor jurídico da Terra de Direitos, o advogado Fernando Prioste. “É um novo tipo penal, ainda não enfrentado nos tribunais. É também uma acusação que aumenta a pena em caso de condenação. Eles usam essa lei para fazer uma relação entre os acusados. Uma liderança liga para outra para combinar uma manifestação, por exemplo. Eles usam esses links para sustentar a acusação de organização criminosa”, argumenta Prioste. Na visão da defesa, o tipo penal de organização criminosa permitiu ao Ministério Público (MP) estender os delitos supostamente encontrados pela polícia a todos aqueles apontados como integrantes. “É uma forma de chegar a diversas lideranças do MST”, avalia Rafaela Pontes de Lima, outra advogada que defende os militantes.
O oeste do Paraná é uma região simbólica para o Movimento dos Sem Terra, que nasceu em 1984 na cidade de Cascavel. Em Quedas do Iguaçu, as ocupações se iniciaram em 1996, e a região acabou se tornando uma das principais concentrações de famílias beneficiadas pela reforma agrária no país. Segundo dados do Incra, cerca de 10 mil pessoas vivem nos mais de 53 mil hectares de assentamentos existentes só em Quedas e Rio Bonito do Iguaçu – uma população superior a 200 municípios do Paraná. As terras – públicas de acordo com a Justiça Federal (veja box) – foram desapropriadas da madeireira gaúcha Araupel – e ainda restam 30 mil hectares em poder de alguns fazendeiros e da madeireira. É por esse pedaço de chão que se trava o atual conflito do qual a Operação Castra é mais um capítulo.
A suposta organização criminosa entrou no radar da Polícia Civil paranaense quando o MST preparava mais uma rodada de ocupações das áreas reivindicadas pelo movimento: as fazendas Dona Hilda e Santa Rita, vizinhas da Araupel. No dia 23 de outubro de 2015, um ex-integrante do Acampamento Dom Tomás Balduíno, erguido em 2014 na área da Araupel reivindicada pelo MST, fez uma denúncia ao Ministério Público do Estado do Paraná, em Quedas do Iguaçu, contra regras que teria sido obrigado a seguir quando pertencia ao movimento, como o pagamento de uma mensalidade de R$ 23, necessidade de permissão para trabalhar, exigência de participação nos atos promovidos pelo MST e punição aos descumpridores – como o pagamento de horas nas guaritas da ocupação. Segundo o documento do MP, o denunciante disse ainda que havia rondas armadas dentro do acampamento e que novas ocupações em áreas da Araupel estavam nos planos do movimento.
O MP de Quedas enviou então um ofício ao procurador-geral do estado, Gilberto Giacoia, e ao secretário de Segurança Pública, Wagner Mesquita de Oliveira, apontando “notícias de vários crimes envolvendo o conflito agrário entre o MST e a Araupel” e solicitando a “designação de policiais especialmente capacitados” para auxiliar o trabalho do MP. A solicitação foi atendida. Meses depois, o aparato requisitado pelo MP entrou em cena.
Da esquerda para a direita: o deputado estadual Paulo Litro (PSDB-PR); Adriano Chohfi, delegado da Operação Castra; o chefe da Casa Civil paranaense Valdir Rossoni e Tarso Giacomet, diretor da Araupel (Foto: Reprodução)
Pouco antes de a operação se iniciar, houve uma reunião vista posteriormente pelo movimento como suspeita, registrada em uma foto publicada em um jornal local. Nela aparecem enfileirados o deputado estadual Paulo Litro (PSDB-PR), um dos delegados que conduziu a Operação Castra, Adriano Chohfi, o chefe da Casa Civil paranaense Valdir Rossoni e Tarso Giacomet, um dos diretores da Araupel. Para o movimento, o encontro pode ter selado o destino da Operação Castra. Um dos motivos da suspeita é a influência da Araupel sobre os fotografados. Na eleição de 2014, a madeireira doou R$ 150 mil à campanha de Beto Richa (PSDB) – o chefe da polícia paranaense –, outros R$ 10 mil à campanha de Paulo Litro e R$ 50 mil à campanha de Rossoni, que foi eleito, mas assumiu a chefia da Casa Civil de Richa. O passo seguinte coube ao MST.

O viveiro de mudas da Araupel

Março do ano passado foi um mês de uma série de ocupações e atos nas áreas rurais de Quedas do Iguaçu. O primeiro ato, no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, fazia parte da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Camponesas e tinha como mote “Mulheres na luta em defesa da natureza e alimentação saudável, contra o agronegócio”. Os coletivos femininos do MST levaram às ruas, segundo o movimento, 30 mil mulheres em todo o país.
Em Quedas do Iguaçu, o alvo do protesto contra “o modelo destrutivo do agronegócio e seus impactos ao meio ambiente” foi o viveiro de mudas de pínus e eucaliptos da Araupel. A ação foi rápida. As militantes chegaram às 5h30 e ficaram cerca de meia-hora. Em um documento enviado à Polícia Civil, a madeireira declarou um prejuízo estimado de pouco mais de R$ 936 mil, que seria referente à destruição de mudas, barracões, móveis e de uma lavanderia móvel. A imprensa chegou a noticiar que mais de 1 milhão de mudas de pínus e eucalipto teriam sido destruídas. Houve um incêndio em um barracão da companhia registrado em vídeo e em fotos.
No mesmo dia, a delegada Cyntia de Barros Albuquerque abriu um inquérito para apurar o incêndio e o dano ao patrimônio da empresa. Ela determinou a apuração dos crimes de porte ilegal de arma de fogo e cárcere privado, incluídos nas investigações após alguns depoimentos colhidos no dia da destruição do viveiro. Em um deles, o chefe de segurança da Araupel, Gerson Xavier de Souza, declarava que ele e seus companheiros de trabalho tinham sofrido ameaças de morte durante as ações do MST. Gerson disse à polícia que “um homem […] sacou de uma arma [revólver], levantando-a para o alto com a mão direita” e disse para os seguranças “não darem nenhum passo em direção a eles, se não iriam erguê-los na pedra, pauladas e tiro”. Na abertura do inquérito, a delegada afirma também ter obtido informações de que o caseiro Danilo André Ferreira da Silva, que dorme dentro do viveiro da Araupel, teria sido mantido ali sob ameaça, e por isso incluiu a apuração do crime de cárcere privado no inquérito. No depoimento do caseiro, porém, obtido pela Pública, não há nenhuma menção de ameaça dos militantes do MST. Ao contrário. O caseiro conta que ouviu uma voz feminina dizendo aos demais militantes que não se aproximassem da casa dele, “pois ali havia mulheres e crianças”. Mas o caseiro afirmou também que chegou a temer pela segurança da família durante a depredação do viveiro e o incêndio.
O inquérito ouviu ainda outros seis seguranças da Metropolitana Vigilância, que presta serviços à Araupel. Todos alegaram que os manifestantes portavam ferramentas próprias ao trabalho rural (foices e facões, por exemplo, tratadas no inquérito como “armas brancas”), mas também armas de fogo. Quanto a estas, porém, o relato dos seguranças é divergente: quatro depoimentos alegam que havia um manifestante com um revólver, outros três falam genericamente que alguns manifestantes portavam armas. Nenhuma arma foi apreendida nesse inquérito.
Regras dos acampamentos motivaram acusações de constrangimento ilegal
e até formação de milícia privada contra o MST (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)
Dois dias depois do ato no viveiro da Araupel, o motorista de ônibus municipal Valdir da Fonseca Fragoso depôs à delegada Cyntia. Naquele dia, ele estava se dirigindo a um dos assentamentos para transportar crianças para uma escola do município. Quando passou pelo viveiro, o motorista foi parado por militantes do MST, que subiram no veículo e mandaram o motorista atravessar o ônibus na estrada de terra em frente ao local para servir de barreira aos seguranças da madeireira. O veículo foi depredado na ação, como mostram as fotos juntadas ao inquérito, mas Valdir Fragoso disse em seu depoimento que depois que os manifestantes saíram conseguiu manobrar o ônibus até um pátio de máquinas da prefeitura.
Encerrado no dia 15 de março do ano passado, uma semana após seu início, o inquérito reuniu provas materiais – vídeos e fotos – da ocorrência do incêndio e depredação do viveiro da Araupel e dos danos no ônibus dirigido por Valdir Fragoso. Os crimes de porte ilegal de arma de fogo e de cárcere privado, porém, foram embasados apenas nas conclusões da delegada sobre os depoimentos colhidos na investigação, apesar da existência de contradições. Mesmo em relação às acusações mais sólidas, as provas sobre a autoria são frágeis: nenhum depoimento aponta qual manifestante depredou ou provocou o incêndio. O único nome citado aparece nos depoimentos de três seguranças. Trata-se de Fabiana Braga, militante de 22 anos conhecida no movimento como “Bugra”, que atua na secretaria do Acampamento Dom Tomás Balduíno.
O chefe de segurança da Araupel, Gerson Xavier de Souza, teria reconhecido Fabiana “sem sombra de dúvidas” em uma foto no Facebook, exibida pela polícia. Mas ele afirmou também que já conhecia a militante anteriormente. Segundo ele, foi Fabiana que “emitiu a ordem para que começassem a quebrar e incendiar o viveiro”. Afirmou também que “vários invasores apontaram armas para o noticiante [Gerson] e seus companheiros de trabalho”. Uma hora depois, porém, em depoimento, o chefe de segurança disse ter visto uma única pessoa apontando um revólver para cima.
Os outros dois relatos são ainda menos conclusivos. O vigilante Ronaldo Antunes de Almeida alegou que “havia uma mulher loira dando ordens aos manifestantes, a qual gritava ‘vamos quebrar tudo, Araupel assassina’”. Outro vigilante, Laércio de Oliveira, disse que “uma voz feminina incentivava e comandava o pessoal”. Laércio diz textualmente “que não chegou a ver a líder”. Ele relata que, “em outra situação, eles [militantes do MST] foram durante o dia, quando então viu que a líder seria Fabiana Braga, mas nessa oportunidade, durante a invasão e destruição do viveiro, não chegou propriamente a ver ela, mas segundo informes de seus colegas, a Fabiana Braga estava no local e seria a líder da invasão”. Um vídeo foi anexado ao inquérito, mas as imagens são escuras e dificultam a identificação dos presentes. Fabiana acabaria presa durante seis meses por causa dessas acusações.

Nasce um inquérito por organização criminosa

Nos dias seguintes ao ato no viveiro, novas ocupações ocorreram em Quedas do Iguaçu. Em 9 de março, o alvo foi uma fazenda vizinha às áreas detidas pela Araupel, incluídas no mesmo título agrário da companhia, tido como nulo pelo MST. Os militantes chegaram à fazenda Dona Hilda, um imóvel de 2 mil hectares do pecuarista Rozimbo Luiz Bianchi, às 5h. Na casa-grande da fazenda estavam o filho de Rozimbo, Edson Luiz Bianchi, e o vice-presidente de uma cooperativa de produção agropecuária, João Jaime Denardin, acompanhado de três auxiliares. Edson disse à polícia dois dias depois que os militantes do MST arrombaram a porta de sua cozinha e subiram as escadas. Segundo ele, “cerca de 30 militantes […] fortemente armados com armas longas [espingardas calibre 12, 44 e outros calibres]” mandaram-no descer e permanecer na sala de estar do imóvel. O relato de Edson Bianchi diz que a maioria dos militantes vestia balaclavas pretas – e, portanto, não haveria como identificá-los.
Novamente há uma contradição entre declarações de um depoente. Em depoimento prestado no MP no dia dos fatos, Edson disse que nem todos estavam com o rosto coberto: “O indivíduo conhecido como ‘Cachorro’ estava sem capuz”, afirmou. Cachorro é o apelido de Claudelei Torrente Lima, um conhecido militante do MST então em campanha a vereador – meses depois, ele seria eleito com votação recorde à Câmara de Vereadores de Quedas do Iguaçu e diplomado na penitenciária. Ao assistir a um vídeo produzido pela Araupel, Edson disse ter reconhecido outro militante do MST, Rudmar Moeses. Segundo ele, “Rudmar estava mascarado, mas com uma máscara mais aberta, de modo que o declarante pode reconhecer-lhe a barba, os olhos e outros detalhes do rosto”.
Em entrevista à Pública, Edson reafirmou o que disse ao MP, mas encerrou o telefonema sem explicar a divergência entre os depoimentos. Em uma conversa apressada, ele disse temer por sua segurança e que não daria mais informações porque o processo está sob sigilo. “Eles entraram na casa todos encapuzados, menos um líder deles que está preso, o ‘Cachorro’, o único que estava sem máscara”, reafirmou à reportagem. Uma versão pouco crível, já que como candidato a vereador era o mais fácil de ser reconhecido. Outros documentos obtidos pela Pública mostram que Claudelei não estava na fazenda no dia dos fatos. Uma ata de uma reunião do dia 8 de março no núcleo regional da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (Seab), em Laranjeiras do Sul, registra a presença de Claudelei para discutir a construção de uma estrada ligando os municípios de Rio Bonito e Quedas do Iguaçu por dentro dos assentamentos. A assinatura de Claudelei consta na ata. Na tarde do mesmo 8 de março, Claudelei visitou o empresário Gessir Galera e pernoitou em sua casa, segundo declaração do empresário. Saiu de lá na manhã de 9 de março, no dia em que a fazenda de Bianchi foi ocupada. Às 9h ele se reuniu com o locutor Alex Garcia da Silva. “Ele estava aqui conosco no dia do ato lá [a ocupação da fazenda Dona Hilda]. Veio falar sobre a reunião do dia anterior”, disse Garcia à Pública.
Adesivo na porta da casa do vereador mais votado da região, Claudelei Lima (Cachorro), detido na Operação Castra (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)

Já João Jaime Denardin e dois de seus auxiliares confirmaram à polícia a versão de Edson. Dois fazendeiros vizinhos também disseram ter sido impedidos de sair de suas casas por membros do MST. Ao todo, cinco militantes do MST foram citados em depoimentos como participantes da ocupação da fazenda – além de Rudmar e Claudelei, Claudir Braga (conhecido como “Graia”), Elias Abraão Ferreira e Valdemir Xalico de Camargo (o “Lobisomem”). Fabiana Braga e o militante Antônio Cloves Ferreira (o “Neguinho) foram apontados como coordenadores da ocupação posteriormente. No dia seguinte à ocupação da Dona Hilda, o MST entrou em uma fazenda próxima, a Santa Rita, essa com 770 hectares. Dois funcionários disseram ter sido abordados por 15 militantes armados do MST e apontaram Graia e Lobisomem como participantes que estariam portando armas de fogo.
As duas únicas armas que constam na Operação Castra, um fuzil e uma pistola, foram apreendidas em outra operação policial e posteriormente incluídas na Operação Castra por estarem com um morador de um assentamento, mas ele nem faz parte do MST. “O MST é contra arma de fogo. Nós não usamos armas de fogo nas nossas ações”, afirma um dos militantes, que preferiu ser identificado como “Galo”. Não há nenhuma prova do porte de armas, apenas os depoimentos. “Aqui foi uma ocupação pacífica. Não foi com turbulência e nem ameaça”, afirma um militante ouvido pela Pública no interior da ocupação. “Foi a massa, foi a quantidade de famílias que entraram que fez com que o fazendeiro se retirasse.”
Dias depois, um terceiro inquérito foi criado em Quedas do Iguaçu e a delegada Anna Karyne Turbay Palodetto foi deslocada de Cascavel para comandá-lo. Na portaria de abertura, a delegada citou o delito que posteriormente agruparia os três inquéritos contra militantes do MST na região: o crime de organização criminosa, definido pela Lei de Organizações Criminosas (12.850/2013). As duas investigações preexistentes – a do ato do viveiro e da ocupação das fazendas – foram apensadas a esse inquérito no dia seguinte. Para a nova delegada, havia sinais de que os membros do MST estavam “se associando de forma organizada para fins de prática de crimes”.

Um mês depois do ato das mulheres, um massacre no acampamento

Quem chega à região de Quedas do Iguaçu pela PR-473 observa claramente o contraste: passando duas reservas indígenas, começa o mar de pínus – a matéria-prima básica da Araupel – que se estende quase até chegar à cidade. Antes da área urbana, é possível avistar um imponente portal com o logo da madeireira sobre uma estrada que leva às instalações industriais. Continuando a viagem por alguns minutos, aparece o letreiro encravado entre as árvores. “Atenção: Acampamento Dom Tomás Balduíno MST”. Antes de entrar na ocupação, é preciso passar por uma guarita. O carro da Pública foi revistado pelos militantes. Segundo eles, o objetivo é impedir que os visitantes entrem com itens proibidos no acampamento, como bebidas alcoólicas e drogas ilícitas. A reportagem esteve em três acampamentos e dois assentamentos da região.
Apesar de tachados de “vagabundos” pelos fazendeiros, e até por parte da imprensa e da população local, o que não se vê nas ocupações do MST é falta do que fazer. A circulação de pessoas é intensa e os acampados trabalham em roçados e colheitas, constroem casas, igrejas, escolas. No Dom Tomás Balduíno, 482 alunos frequentam a Escola Itinerante: um projeto criado pelo movimento para garantir a educação das crianças nos acampamentos. As escolas são construídas por eles e o movimento tenta firmar parcerias com as prefeituras municipais para receber educadores nas ocupações, além de formar seus próprios educadores. O MST se orgulha de ter educado cerca de 200 mil crianças, jovens e adultos nas mais de 2 mil escolas de acampamentos e assentamentos em todo o país. Existem também barracões onde há festas, oficinas culturais e atividades de lazer. Algumas bandas de assentados e acampados animam os militantes, com bem-humoradas paródias, inclusive contra a Araupel.
Há roças de milho, mandioca, abóbora, arroz, feijão, hortaliças diversas. Boa parte ostenta o selo de produção orgânica. O destaque é a produção de leite. Em 2015, assentamentos da região alcançaram a marca de 150 mil litros de leite produzidos por dia. “É criminoso você ter uma área tão grande com uma terra dessa, que dá de tudo, sendo usada por uma única empresa só pra plantar pínus e ainda por cima em terra pública. Aqui é um dos melhores solos do mundo”, afirma Elemar Cezimbra, membro da coordenação do MST no Paraná e professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).
Em 2015, assentamentos do oeste do Paraná alcançaram a marca de 150 mil litros de leite produzidos por dia (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)

No dia 7 de abril do ano passado, enquanto corriam as investigações da Operação Castra, a rotina do acampamento foi interrompida da forma mais trágica possível. Os trabalhadores Vilmar Bordin e Leonir Orback, conforme a versão dos trabalhadores rurais que estavam no local, foram mortos a tiros pela Polícia Militar paranaense. Naquele dia, Rudmar Moeses, o “Frango”, membro da direção do Acampamento Dom Tomás Balduíno, recebeu a informação de que policiais militares e seguranças da Araupel estavam indo até uma área dos fundos do acampamento conhecida como “Fazendinha”. No local, havia uma estrada anteriormente obstruída por membros do MST para evitar o acesso pelos fundos à área do acampamento. Depois os policiais diriam em depoimento que foram ao local por causa de um foco de incêndio – embora não estivessem acompanhados de bombeiros.
Os sem-terra foram até os fundos do acampamento averiguar o que estava acontecendo. Um militante foi de moto na frente de um comboio de sem-terra formado por um ônibus, uma caminhonete e outras motos. Ao chegar ao local, o militante que guiava o grupo foi rendido pelos policiais militares. A partir desse ponto, há um conflito de versões. Os policiais militares disseram que os sem-terra atiraram em direção aos policiais e eles revidaram com tiros. Já os membros do MST dizem que os agentes passaram a atirar em direção ao grupo quando os viram passar. Além dos dois trabalhadores mortos, outros sete sem-terra ficaram feridos em decorrência dos disparos dos policiais militares. Nenhum policial foi ferido.
Foram 128 tiros disparados pela polícia em direção aos sem-terra, conforme documentado no inquérito. As únicas armas apreendidas pela polícia – dois revólveres – teriam sido encontradas com as duas vítimas e não tinham nenhuma munição deflagrada. Um cartucho de espingarda calibre 12 deflagrado, coldres e carregadores de armas foram apresentados pelos policiais como supostas provas de que os sem-terra estavam armados. Com a exceção de Vilmar Bordin, todas as demais vítimas foram atingidas pelas costas – incluindo o outro morto, Leonir Orback.
Dois militantes gravemente feridos foram levados ao hospital de Quedas e posteriormente transferidos a outro, em Cascavel. “Desde o momento em que houve o massacre, nós fomos cerceados de falar com os feridos. Eles foram isolados, nós fizemos várias tentativas de conversar com eles e não foi permitido”, afirma Claudemir Torrente Lima, advogado que atuou na defesa dos membros do MST. Enquanto isolava os sobreviventes, a polícia colheu um depoimento decisivo prestado pelo agricultor Pedro Francelino, conhecido como “Popota”. Ferido por tiros no cotovelo e na base da coluna, ambos disparados pelas costas, Popota foi interrogado pela delegada Anna Karyne Turbay Palodetto ainda no leito hospitalar. Parte do interrogatório foi parar até no YouTube. Nele, Pedro afirma que um dos mortos teria dado um tiro para cima quando o comboio do MST avistou as viaturas da PM paranaense.
“Na mesma noite em que levaram o Pedro pra Cascavel, a delegada de polícia tomou o depoimento dele no hospital, ele sob efeito de medicamentos. Quando eu falei com ele, ele nem se recordava de ter falado com a polícia. Esse depoimento totalmente arbitrário e desumano, sem o acompanhamento de advogados, serviu para a polícia definir que o que tinha ocorrido era uma resistência. Mesmo que depois tenha sido provado que o depoimento estava equivocado”, diz o advogado Claudemir. No interrogatório do hospital, Pedro Francelino conta que estava no ônibus que integrava o comboio dos sem-terra. Quando passou por cirurgia no hospital, ficou comprovado que até essa informação era falsa: um pedaço da caminhonete que também fazia parte do comboio foi achado dentro do seu braço. Os laudos de apreensão das armas supostamente encontradas com os sem-terra atestam que nenhum disparo havia sido feito. Pedro depôs novamente e explicou o mal-entendido e o contexto de sua oitiva, mas não adiantou. A Pública registrou em vídeo a versão dele e de Henrique Pratti, outro sobrevivente do episódio.

Henrique e Pedro foram presos em flagrante. Ambos foram autuados por porte ilegal de armas de fogo e tentativa de homicídio contra os policiais e transferidos para penitenciárias locais. Após pedidos das comissões de Direitos Humanos do Senado e da Câmara, a Polícia Federal (PF) foi deslocada para o caso. A investigação da PF concluiu que era impossível determinar quem era o autor do primeiro disparo. Nenhum policial foi sequer indiciado. Henrique Pratti e Pedro Francelino ainda respondem por tentativa de homicídio contra os policiais no inquérito que apura a morte dos trabalhadores. O próprio Ministério Público já pediu o arquivamento das acusações contra os agricultores, mas o pedido ainda não foi julgado. Outros militantes do MST foram denunciados por obstruir o trabalho da polícia naquele dia, mas a Justiça ainda não decidiu se aceita ou não esta denúncia.
As mortes de Vilmar Bordin e Leonir Orback fizeram subir para quatro o número de mortes no conflito agrário entre MST e a Araupel. Em janeiro de 1997, os trabalhadores Vanderlei das Neves, 16 anos, e José Alves dos Santos, 34, de acordo com muitos depoimentos e testemunhas dos fatos, foram mortos por dois seguranças da madeireira: Jorge Dobinski da Silva e Antoninho Valdecir Somenski. À época, a empresa sustentou a versão de um confronto entre trabalhadores e os seguranças. Os laudos  atestam que os trabalhadores foram baleados de cima para baixo, a curta distância. No local foram encontradas munições calibre 12, 22, 357 e de fuzil 762. Vanderlei chegou a levar um tiro na mão, o que indica que pode ter tentado se proteger dos disparos. O caso foi a julgamento só 13 anos depois, após oito adiamentos do júri. Os seguranças foram absolvidos, pois os jurados entenderam não haver provas suficientes para condená-los.
Sala de aula na escola itinerante Vagner Lopes, no acampamento Dom Tomás Balduíno (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)

O guarda-chuva da “organização criminosa”

O massacre no Acampamento Dom Tomás Balduíno não afetou a Operação Castra, que no mês anterior já havia começado a fase de interceptações telefônicas. Os telefones dos membros do MST foram monitorados por oito meses – entre março e outubro do ano passado.
Nesse período, outras acusações engordaram o inquérito sobre “organização criminosa”. Edson Luiz Bianchi, o fazendeiro da Dona Hilda, deu novos depoimentos à polícia e acusou os militantes do MST de estarem furtando gado de sua fazenda. Segundo ele 1.300 cabeças de gado haviam desaparecido de sua propriedade, um senhor desafio logístico para os ladrões. Bianchi disse que alguns animais estavam sendo mortos a tiros na ocupação e que teve de deixar 250 sacas de soja com o movimento – o equivalente a R$ 15 mil – para poder fazer a colheita. Acusou também os sem-terra de furtar uma caminhonete Toyota amarela (fotos obtidas pela Pública mostram que a caminhonete foi devolvida ao pecuarista). O gerente da fazenda, Valdemar dos Santos, reiterou o furto do gado. Disse que retirou do interior da ocupação, com a autorização do movimento, 2.371 animais e que ficou faltando retirar pouco mais de 1.900 cabeças de gado. Afirmou que posteriormente fez um sobrevoo no local e constatou que apenas 31 cabeças estavam lá. Outro funcionário ouvido pela polícia confirmou as falas de Valdemar. O prejuízo informado por Edson Bianchi e seus funcionários foi de cerca de R$ 5 milhões só com o gado.
A PM apreendeu 98 cabeças de gado nas cidades paranaenses de Palmital e Lobato depois da prisão do motorista Claudiomir Kredens, que, segundo o boletim de ocorrência, estaria transportando gado da fazenda Dona Hilda, de acordo com informações obtidas pela polícia. Em depoimento, Claudiomir disse que fez quatro viagens com seu caminhão para transportar gado furtado da fazenda a pedido de Fabio Maximiniano, o “Baby”, e Valdemir Xalico Camargo, o “Lobisomem”. Os animais apreendidos foram reconhecidos pelo fazendeiro Edson Bianchi e entregues a ele. Os que compraram o gado confirmaram a compra em depoimento, mas se disseram surpresos com a informação de que os animais haviam sido furtados. Outro nome também denunciado pelo furto de gado foi Tiago Cleiton Ferreira, o “Perereca”.
Estrada corta plantação de pínus na acampamento Herdeiros da Terra. No local, Araupel faz a retirada da madeira (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)
Outras acusações foram anexadas ao inquérito – um episódio de agressão e furto a funcionários da Araupel, roubo de madeira, constrangimento ilegal –, que se tornou guarda-chuva de todos os supostos delitos. No conjunto de interceptações telefônicas colhidas, há inúmeras conversas que pouco significam. Muitas delas são papos simples entre os militantes acusados, combinações de manifestações e protestos, e sua única utilidade é demonstrar que os militantes se conhecem. No entanto, são elas que comprovariam a existência da “organização criminosa”, denunciada pela Operação Castra, e apontariam os líderes das ações. Em alguns casos, a interpretação da polícia salta à vista.
Um exemplo é o caso de Antonio de Miranda, o “Bugre”, militante do MST. No inquérito ele é tratado como líder máximo da suposta organização criminosa, mas suas conversas revelam-no muito mais como um líder do próprio movimento. Bugre aparece nos grampos organizando passeatas, protestos e encontros. Por ser o líder, ele responde até mesmo por delitos em que não estava presente e não tem participação citada como, por exemplo, o dano e incêndio ao viveiro da Araupel, ações planejadas pelo coletivo de mulheres do movimento, que atua com total autonomia.
“Para a polícia, nenhum dos supostos crimes apurados poderia ocorrer sem a anuência do Miranda, porque ele seria o chefão da suposta organização”, explica um dos advogados da defesa, Fernando Prioste. Segundo a defesa, a Polícia Civil e o Ministério Público buscam aplicar de forma equivocada a teoria do domínio do fato, pois não têm provas efetivas de cometimento de crimes por Miranda. “Usam as relações de Miranda com atividades lícitas de ação política para tentar vinculá-lo à realização de supostos crimes cometidos por terceiros sem vinculação com o MST”, diz o advogado.
Para o promotor Leonir Battisti, porém, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Paraná, a acusação de formação de organização criminosa está bem embasada. “A polícia e o Ministério Público identificaram quem são os cabeças e os responsáveis pelos vários crimes ocorridos na região”, defende Battisti. “Há indicações suficientes de que houve uma combinação [entre os denunciados] e que essa combinação era para praticar eventuais invasões, eventuais destruições. Alguns dos que estavam lá inclusive se aproveitavam para levar coisas. Então, com base nisso é que foi feita a acusação. O Ministério Público foi praticamente compelido a denunciar. O que está descrito na denúncia é que há um conjunto de pessoas que por casualidade estavam no movimento e estavam tomando atitudes criminosas. Se a finalidade deles era social, não importa, mesmo assim a lei não estabelece que é permissível transgredir a lei.”
Procurada, a delegada Anna Karyne Turbay Palodetto não quis dar entrevista à Pública. Ela afirmou que seu trabalho no caso já havia sido concluído e não quis dar mais esclarecimentos sobre a operação.
Dos 16 membros do MST denunciados por organização criminosa, sete foram presos preventivamente. Todos no último dia 4 de novembro de 2016. No último dia 17 de maio, a juíza Ana Paula Menon Loureiro determinou a soltura de todos os militantes depois de eles terem passado seis meses na cadeia. “Considerando a alegação de excesso de prazo aventada pela defesa, cuja ocorrência de fato verifiquei estar presente […] impõe-se, de ofício, o reconhecimento da ilegalidade da manutenção da segregação cautelar dos requerentes e dos demais denunciados presos”, decidiu a juíza. Os militantes soltos não quiseram dar entrevistas à Pública.
O processo, no entanto, está longe de acabar. Há uma enorme quantidade de testemunhas anexadas e acusações feitas, o que indica que a instrução processual deve ser longa.
Moradores do acampamento Dom Tomás Balduíno limpando o mato para fazer uma roça coletiva (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)

Terras em disputa são públicas, diz procuradora do Incra
A primeira ocupação sobre áreas da Araupel data de 1996 e foi imortalizada pelas lentes de Sebastião Salgado no livro Terra. Ou seja, o problema já perdura há cerca de 20 anos. Para solucioná-lo, resta à Justiça definir: as terras em disputa são públicas e pertencentes à União?
A resposta a essa questão não é simples, ela passa pela análise da cadeia dominial de duas áreas detidas ainda pela Araupel: os imóveis rurais Rio das Cobras e Pinhal Ralo. O imóvel Rio das Cobras foi concedido por decreto uma semana antes da proclamação da República, em 9 de novembro de 1889, ao engenheiro João Teixeira Soares ou à companhia que fosse futuramente criada por ele. Para ser efetivada, a concessão dependia da construção de uma estrada de ferro. Também foram concedidas as áreas em torno dos trilhos – a nove quilômetros de distância – desde que utilizadas em um período de 50 anos após a publicação do decreto. As áreas passaram à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, mas em 1931 os títulos caducaram, pois a empresa não construiu a ferrovia. Em 1944, o governo do Paraná revalidou os títulos em um procedimento considerado ilegal posteriormente pelo Incra. Nos anos 1970, a recém-fundada madeireira gaúcha Giacomet-Marodin (sobrenome dos dois sócios da Araupel) adquiriu a área anteriormente pertencente à companhia férrea e se instalou na região. Nos anos 1990, a empresa mudou de nome para Araupel S.A.
Décadas depois, após a ocupação de parte do imóvel pelo MST em 1999, a madeireira tentou vender a área ao Incra. A autarquia fez um estudo da cadeia dominial e concluiu que a área era pública. Por isso, o Incra entrou em 2004 com uma ação pedindo a nulidade das matrículas pertencentes à Araupel. Onze anos depois, após inúmeras idas e vindas jurídicas, a juíza Lília Côrtes Martino declarou nulos os títulos da Araupel e reconheceu o domínio da União sobre a área. “O poder judiciário federal já reconheceu a dominialidade pública deste imóvel Rio das Cobras”, relata a procuradora especializada da Superintendência Regional do Incra no Paraná, Josely Massuquetto. “O domínio dessa área é público, é terra pública que estamos falando.” Após a nulidade dos títulos, o Incra entrou com uma ação civil pública pedindo a reintegração de posse da Araupel. O juiz Leonardo Cacau Santos reconheceu a dominialidade da União na ação de reintegração de posse, mas, sob o argumento de que a Araupel era responsável por um grande número de empregos e boa parcela da arrecadação dos municípios da região, propôs um acordo quanto à posse: determinou que a Araupel adquirisse outra área semelhante ao imóvel Rio das Cobras e a destinasse ao Incra para que a autarquia assentasse trabalhadores rurais. A Araupel recorreu de ambas as decisões e os dois processos – o da posse e dos títulos agrários – se encontram na instância revisora da Justiça Federal paranaense, o Tribunal Regional Federal da 4ª região, em Porto Alegre.
No outro imóvel rural, denominado Pinhal Ralo, a situação é ainda mais complexa. Quando criou os primeiros assentamentos na região – os PAs Hireno Alves e Marcos Freire –, o Incra pediu a desapropriação da área para fins de reforma agrária, alegando que a propriedade era improdutiva, o que foi acatado judicialmente. Cerca de 25 mil hectares do imóvel Pinhal Ralo foram desapropriados e sobre eles foram criados os assentamentos que hoje abrigam cerca de 1.500 famílias.
No entanto, em 17 de julho de 2014, cerca de 3 mil famílias fizeram outra ocupação na área, o acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio, na fronteira com o assentamento Hireno Alves. Com a ocupação, o superintendente regional do Incra à época, Nilton Guedes, determinou a realização do estudo da cadeia dominial do Pinhal Ralo. A procuradora especializada Josely Massuquetto fez o estudo e também concluiu que a terra é pública, pedindo o ajuizamento de uma nova ação de anulação de títulos. “O imóvel Pinhal Ralo vem de um título da baronesa de Limeira”, explica a procuradora especializada Josely Massuquetto. “Ela recebe essa terra do estado do Paraná, mas o modo que ela transmitiu esses títulos não é válido. Eu detectei no estudo da Pinhal Ralo que há quebra de vários elos da cadeia dominial. Tem pessoas que não pertencem ao eixo familiar recebendo a terra como herança. Há pontos insuperáveis”, opina a procuradora.
Horta cultivada por morador do acampamento Herdeiros da Terra, em Quedas dos Iguaçu (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)

O parecer foi remetido à procuradoria especializada da sede do Incra, em Brasília. Mas a questão parou. Há um problema político na mesa: caso ingresse com uma ação de anulação de títulos, o Incra será forçado a reconhecer que agiu de maneira equivocada ao pedir a desapropriação da área nos anos 1990, uma vez que não existe desapropriação em terras públicas. Ingressar com essa ação poderia implicar até mesmo a punição dos funcionários da autarquia que decidiram pela desapropriação à época. “Tudo vai depender da Justiça”, avalia Nilton Guedes, que conduziu os dois processos. “Se a Justiça em Porto Alegre mantiver a anulação dos títulos no imóvel Rio das Cobras, é possível que haja um acordo com a empresa.” O atual superintendente do Incra, Edson Barroso, não quis conceder entrevista à reportagem.
Enquanto a Justiça não decide a questão, ambas as partes vão propondo seus modelos: de um lado, a madeireira Araupel, que diz ser responsável por 60% da arrecadação em Quedas do Iguaçu e pela geração de cerca de mil empregos diretos; do outro, os milhares de famílias do MST. Segundo um estudo apresentado pela economista e assentada Cristina Sturmer dos Santos, da UFFS, a criação de assentamentos na região foi responsável pela melhoria de índices socioeconômicos locais, como emprego, renda e produção agrícola.
Moradora do acampamento Vilmar Bordin voltando da roça coletiva, onde cada morador pode colher alimentos, mesmo tendo sua plantação individual (Foto: José Cícero da Silva/Agência Pública)

Apesar de vários pedidos feitos pela reportagem, a Araupel não quis dar entrevista à Pública. “A empresa não tem se manifestado a respeito de assuntos relacionados a conflitos agrários”, disse a assessoria da madeireira.

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