1,2 MILHÃO DE MULHERES SOFRERAM VIOLÊNCIA NO BRASIL ENTRE 2010 E 2017

Dados foram divulgados na segunda-feira pela recém-lançada plataforma EVA, do Instituto Igarapé; aumento das ocorrências foi de 297% para brancas e 409% para negras


“A produção, a coleta e a sistematização de dados são ações fundamentais para entender os padrões da violência contra mulheres e para planejar políticas baseadas em evidência e que sejam eficazes”, informa a plataforma


No Brasil, 1,23 milhão de mulheres reportaram ser vítimas de violência entre 2010 e 2017. No mesmo período, mais de 177 mil mulheres e meninas foram vítimas de violência sexual e 38 mil mulheres foram assassinadas. Os dados são parte da plataforma Evidências sobre Violências e Alternativas para mulheres e meninas (EVA), lançada hoje (25) pelo Instituto Igarapé, que atua em questões de segurança e desenvolvimento.

A data escolhida para o lançamento é o Dia Internacional da Não-violência Contra a Mulher. Além do Brasil, a plataforma reúne também dados sobre a mesma questão no México e Colômbia, e deverá agregar informações de outros países com a evolução desse trabalho, cujo objetivo é reunir conteúdo relevante para informar políticas públicas voltadas à prevenção, redução e eliminação da violência contra mulheres na América Latina.

— Carolina (nome fictício), hoje com 40 anos, ficou casada por mais de uma década com um homem que, da porta para fora, parecia acima de qualquer suspeita. Dentro de casa, proibiu a mulher de trabalhar e de estudar e a afastou dos amigos. Quando ela insistiu em continuar a carreira, começaram os insultos. 
— Ele me chamava de vagabunda, me xingava, dizia que ia me deixar sem nada. No começo, fazia isso só entre nós, depois começou a me agredir na frente da minha filha, da pessoa que trabalhava em casa. Ele foi ficando mais e mais agressivo, até o dia em que me agrediu. Minha filha ( então com 6 anos ), que estava dormindo, acordou, me tranquei com ela no quarto e só saí para ir à delegacia.

Carolina fez exame de corpo de delito e conseguiu medida protetiva, mas ainda vive sob ameaças.

— Fiquei marcada, dolorida, mas o pior foi o emocional. Eu já vivia agressões psicológicas há dois anos. Era enlouquecedor, um terror constante.

A dor de Carolina é um exemplo da violência praticada diariamente contra a mulher — e, na maior parte das vezes, por alguém próximo à vítima.

Para registrar esse e outros tipos de agressão e contribuir para a implementação de políticas públicas de combate ao crime contra a mulher, foi lançada ontem, Dia Internacional para Eliminação da Violência contra Mulheres , a plataforma EVA (Evidências sobre Violências e Alternativas para Mulheres e Meninas), do Instituto Igarapé .

De acordo com os dados compilados pelo think tank, ao menos 1,23 milhão de mulheres foram atendidas no sistema de saúde brasileiro vítimas de violência entre 2010 e 2017. E o agressor é, em 90% dos casos, uma pessoa próxima da vítima — 36% das vezes, o próprio parceiro.

Nesse mesmo período, as notificações de violência contra mulheres brancas aumentaram 297%. No caso das mulheres negras, o cenário é ainda mais grave: 409%.




Não é possível afirmar se o crescimento reflete com precisão o aumento da violência ou se também é resultado da maior visibilidade dada ao tema.

— Houve melhora nas notificações. O que tem acontecido é um despertar para essas questões. As pessoas estão desnaturalizando violências que antigamente se consideravam normais — afirma a pesquisadora sênior do Instituto Igarapé, Renata Avelar Gianinni.

O perfil dos crimes muda quando se faz o recorte por etnia. No Rio de Janeiro, 64% das vítimas de feminicídio eram negras, assim como 62% das vítimas de homicídios dolosos, 58% das vítimas de tentativas de homicídio, 57% de quem sofreu tentativa de estupro e 56% das que foram estupradas. Já as brancas foram 55% das vítimas de difamação, 54% das vítimas de ato obsceno, 54% de quem sofreu constrangimento ilegal e 53% das vítimas de assédio sexual.

A pesquisadora Deise Benedito, especialista em gênero e relações raciais, destaca que, pelo “processo histórico com que se construiu o Brasil, não podemos deixar de levar em consideração a violência contra as mulheres indígenas, vítimas de inúmeras violações”. E, hoje, o fato de a maioria das vítimas ser de mulheres negras, “pobres, responsáveis pela manutenção da casa e dos filhos”.

— Para essas mulheres, tudo é negado. O corpo das mulheres negras secularmente foi algo a ser violado, desprovido de qualquer respeito. — afirma Benedito. — Os dados oficiais apontam para um problema de saúde pública gravíssimo, e as informações e a divulgação desses dados são de fundamental importância para que providências sérias sejam tomadas.

As mulheres são a maioria das vítimas de todos os tipos de violência: física (73%), patrimonial (78%), psicológica (83%) e sexual (88%). Em 2017, a física foi a principal forma de violência registrada no sistema de saúde contra mulheres, com 59% das ocorrências, seguida da psicológica (26%), sexual (14%) e patrimonial (1%).

Na questão da violência sexual, um dado que chama a atenção é o de que, quando as vítimas são mulheres adultas, cerca de metade dos crimes é cometida por pessoas conhecidas delas. Em meninas de até 14 anos, que são as maiores vítimas desse tipo de crime (56%), os perpetuadores são, em 65% dos casos, pessoas com quem elas tinham alguma ligação; 30% das vezes, um parente.

A plataforma EVA é um banco de dados que reúne informações sobre violência contra as mulheres não só no Brasil, mas também no México e na Colômbia. Juntos, os três países concentram 65% dos assassinatos de mulheres em toda a América Latina, considerados os números absolutos. No Brasil ocorrem 37% dos casos de feminicídio . A intenção do instituto é expandir sua atuação para todos os países da região.
Deserto de dados

O projeto esbarra, porém, no que as pesquisadoras chamam de “deserto de dados”. Além do já conhecido problema da subnotificação dos casos de violência, ainda falta uma base equivalente com dados oficiais de todos os estados.

Pelo menos dois estados brasileiros não disponibilizaram nenhuma informação, seja das notificações de Saúde ou das ocorrências da Segurança Pública, para a plataforma: Piauí e Goiás. Já o Amazonas enviou dados apenas da capital, Manaus. Os dados sobre etnia, por exemplo, foram liberados por apenas quatro estados.

— O principal achado da plataforma é a falta de dados. São muitas lacunas. E sabemos que é muito difícil fazer política pública sem dados.

A promotora de Justiça especialista em direitos das mulheres Gabriela Manssur afirma que ainda há uma enorme subnotificação. Segundo ela, mulheres de classe média e média alta em situações de violência se calam por medo, frustração e falta de apoio. Já as mulheres negras não têm oportunidade de inclusão e acesso ao sistema de Justiça como as brancas. Além disso, “há uma descrença das mulheres no sistema de Justiça”.

Apesar disso, Gabriela Manssur afirma que houve queda na subnotificação, de 65% na época da implantação da Lei Maria da Penha para em torno de 40% atualmente.

— O Brasil é um país que culturalmente não se preocupa com dados estatísticos. Eu mesma não me preocupava e, quando pleiteava políticas públicas, não tinha como demonstrar a necessidade delas, foi a partir daí que comecei a fazer micropesquisas para mostrar a realidade e pleitear as políticas necessárias — afirma a promotora. — A falta de dados atrapalha, mas o que me preocupa mais é o aumento da violência contra a mulher. Não podemos transformar a vida das mulheres em números. Precisamos transformar a possibilidade de elas viverem num compromisso de todo o sistema de Justiça e da sociedade.


• Confira aqui os dados da plataforma EVA




Fontes: 

Carolina de Jesus: a história da escritora favelada que foi traduzida em 13 países

Autora do celebrado “Quarto de Despejo”, Carolina de Jesus, traduzida em 13 países, vendeu 1 milhão de exemplares, ganhou dinheiro e morreu pobre. Sua obra faz sucesso nas universidades


Por Euler de França Belém - Revista Bula


O livro “Tempo de Reportagem — Histórias que Marcaram Época no Jornalismo Brasileiro” (Leya, 287 páginas), de Audálio Dantas, que morreu em 2018, contém verdadeiras aulas de jornalismo. Além de reportagens clássicas, típicas do jornalismo literário, mas sem a pretensão típica de Truman Capote e Tom Wolfe, há textos introdutórios sobre como foram feitas. Recomendo vivamente “A nova guerra de Canudos”, “Povo caranguejo” e “O drama da favela escrito por uma favelada”. Neste texto, de 1958, o autor conta a história de Carolina Maria de Jesus (1914-1977), a favelada que se tornou escritora famosa, autora do livro “Quarto de Despejo”, com destaque em vários jornais do exterior e edições da obra em 13 países. Antecipando Jorge Amado e Paulo Coelho, vendeu mais de 1 milhão de livros.


Carolina de Jesus: a escritora favelada que conquistou a revista Time e Alberto Moravia

O bom repórter não é aquele que cumpre a pauta à risca, sem abrir espaço ao novo. O verdadeiro repórter é aquele que transforma a pauta, ou, ao cumpri-la, no meio do caminho muda seu eixo, ao descobrir que a realidade é outra. Em 1958, Audálio Dantas propôs ao chefe de reportagem das “Folhas” (eram três jornais, “Folha da Manhã”, “Folha da Tarde” e “Folha da Noite”), Hideo Onaga, uma matéria sobre a favela do bairro do Canindé, às margens do Rio Tietê. O repórter ficaria uma semana na favela, para compreendê-la com mais precisão, mas três dias depois voltou à redação e jogou meia dúzia de cadernos encardidos na mesa do editor. No texto em que apresenta a reportagem, de 2012, Audálio Dantas escreve: “Eu não havia escrito uma linha sequer, mas a reportagem estava, de fato, naqueles cadernos, especialmente em um que continha um diário iniciado três anos antes, em 15 de julho de 1955, pela favelada Carolina Maria de Jesus, moradora do Canindé”. Aos 44 anos, ela vivia “de apanhar papéis no lixo para vender”.


Lidas as primeiras páginas do diário, Hideo Onaga sugeriu: “Isso dá um livro!” Audálio Dantas conta que, “além do diário, havia contos, poesias, até um começo de romance”. Por mais que os textos estivessem repletos de erros de português, com algumas avaliações mal costuradas, havia vida, alma, no trabalho de Carolina de Jesus. O repórter frisa que “estava convencido de que não conseguiria retratar aquele mundo miserável com a mesma força e a mesma verdade contidas naqueles cadernos”. A vida, vista de dentro, sem os adornos dos métodos, era apresentada em toda a sua crueza, numa espécie de levantamento entre o sociológico e o antropológico. Carolina de Jesus lia livros que encontrava no lixo.


Modesto, Audálio Dantas afirma que a “descoberta” dos cadernos não lhe custou “nenhum esforço de reportagem”. Como Carolina de Jesus já havia procurado outras redações, talvez até a do repórter, é possível dizer que sem a percepção de Audálio Dantas, sem a sua sensibilidade, a autora teria ficado inédita por alguns anos ou, quem sabe, seus diários teriam se perdido nos desvãos do tempo e das agruras dos pobres.

O olho clínico do repórter, a sua percepção da importância do outro, mesmo dos que não têm “cultura” e, em tese, não são interessáveis, foi decisivo para a descoberta de Carolina de Jesus. Na favela, Audálio Dantas não conseguia convencer alguns marmanjos que usavam brinquedos a deixá-los para as crianças. Então, imprecando, aparece Carolina de Jesus, com sua voz tonitruante: “Vou botar o nome de vocês no meu livro!” Mesmo xingando, os homens deixaram os brinquedos para os meninos.

Perceptivo, Audálio Dantas perguntou: “Que livro é esse?” Carolina de Jesus respondeu: “O livro em que estou escrevendo as coisas daqui da favela”. A reportagem, com trechos dos diários — mais de 20 cadernos —, foi publicada na edição de 9 de maio de 1958, na “Folha da Noite”, com o título de “O drama da favela escrito por uma favelada”.

A repercussão, bombástica, gerou comentários céticos: “Isso é invenção de repórter, pra vender jornal”, “onde já se viu, uma negra semianalfabeta, e ainda por cima favelada, escrevendo desse jeito”. Ao reler o texto que escreveu para apresentar os diários, 54 anos depois, Audálio Dantas aponta “excessos de adjetivos, alguma pieguice e imperdoáveis falhas de informação” (não deu o nome dos filhos de Carolina de Jesus).


Recorde de vendas e celebridade


Como o Brasil pedia a publicação do livro de Carolina de Jesus — saiu, depois, mais uma reportagem, na revista “O Cruzeiro” —, Audálio Dantas compilou os diários, publicando apenas o que continham de mais instigante. O livro, com o título de “Quarto de Despejo”, saiu em agosto de 1960. Os 10 mil exemplares da primeira edição foram vendidos numa semana. “Um recorde para a época.”



Carolina de Jesus e Audálio Dantas: o jornalista descobriu e firmou a reputação da escritora


Carolina de Jesus tornou-se, a partir da reportagem e do livro, uma celebridade internacional. “Time”, “Life”, “Paris Match” e “Le Monde” deram amplo destaque aos seus diários e à história da escritora favelada. A revista “Time” destacou o repórter David St. Clair para relatar a história da Cinderela negra que virou escritora famosa. O jornalista hospedou-a no Copacabana Palace, o hotel mais luxuoso do Rio de Janeiro, e comprou vestidos caros para sua “convidada”. “No Antonio’s, se não me engano, montaram uma impressionante cena de preparação de uma sobremesa flambada em meio a altas chamas. Carolina registraria mais tarde em seu diário: ‘Comi aquela confusão toda e não gostei’”, registra Audálio Dantas.

A escritora começou a ser apresentada às elites intelectual e do capital como “uma espécie de bicho estranho. Exibiam-na em jantares elegantes nos bairros finos de São Paulo”. Preocupado, Audálio Dantas alertou-a. Irritada, Carolina de Jesus reclamou que o jornalista queria ser seu “tutor”.

“Quarto de Despejo”, talvez mais comentado do que lido, era elogiado em vários países. É provável que leitores, escritores e críticos percebessem que não se tratava de literatura, de prosa refinada, e sim de retratos ou recortes da vida cotidiana. Os relatos de Carolina de Jesus estão mais próximos da sociologia e da antropologia, ainda que sem o uso de métodos, mas com uma observação direta precisa. Talvez o grande equívoco tenha sido tratá-los como (alta) literatura, que exige uma elaboração que, evidentemente, não há nos livros de Carolina de Jesus.

É claro que Carolina de Jesus não é uma farsa, dada sua percepção aguda e vívida da vida na favela, mas não é também uma escritora comparável a, digamos, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz e Lygia Fagundes Teles. Não se pode nem mesmo compará-las. Porque, nas obras de Carolina, por falta de formação cultural e de banco escolar mesmo, não há elaboração, apuro na linguagem.

Ainda assim, o livro foi traduzido em 13 idiomas e vendeu mais de 1 milhão de exemplares. Alberto Moravia prefaciou a edição italiana. O grande escritor italiano percebeu a “força”, extraliterária, dos escritos da mineira. O próprio Audálio Dantas, no texto de 1958, assinala: “… ela é dotada de agudo senso de observação e talvez por isso retrate tão bem o meio em que vive”. Não há condescendência com os pobres nos seus diários, como às vezes ocorre em trabalhos de acadêmicos engajados à esquerda: “Aqui é assim. Não há ricos, só pobres, uns prejudicando os outros”. Um mundo hobbesiano. Noutro trecho diz: “Suporto as contingências da vida, resoluta. Eu não consegui armazenar dinheiro para viver. Resolvi armazenar paciência”.


Autenticidade dos relatos

Com o tempo, enquanto críticos acadêmicos (alguns brasilianistas) tratavam de valorizar a obra de Carolina de Jesus, inclusive do ponto de vista literário — o que é difícil, senão impossível, provar, exceto por frases esparsas, mas nunca no conjunto —, alguns críticos, como Wilson Martins, começaram a duvidar da autenticidade da autoria dos relatos.


Clarice Lispector e Carolina Maria de Jesus: duas escritoras brasileiras

Jornalistas diziam para Audálio Dantas: “Rapaz, você teve um trabalhão para inventar o livro da negra!” Manuel Bandeira lavou a honra do repórter. Em texto para “O Globo”, o poeta “menor” escreveu que ninguém seria capaz de “inventar” um texto como o de Carolina de Jesus. O crítico Wilson Martins atacou duro e disse que o livro era um “embuste”. Numa segunda crítica, frisou que a história “não podia ser de Carolina”. Porque “continha expressões rebuscadas como ‘astro-rei’ em vez de sol, simplesmente; ou frases inteiras, como ‘acordei, abluí-me e aleitei-me’, o que, jurava [Wilson Martins], só podia ser coisa de jornalista”. E, por certo, jornalista parnasiano…

Irritado, “bravo de verdade”, Audálio Dantas publicou uma longa resposta no “Jornal do Brasil” e ameaçou processar Wilson Martins. “Tinha como testemunhas os cadernos escritos por Carolina, que mantive sob minha guarda até outro dia, quando decidi doá-los à Biblioteca Nacional”, diz Audálio Dantas.

Mesmo depois de 60 anos de jornalismo, Audálio Dantas diz que a reportagem sobre Carolina de Jesus foi a mais importante de sua vida. Foi a que fez mais sucesso.

DOSSIÊ VIOLÊNCIA SEXUAL - A culpa nunca é da vítima!

No Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, Instituto Patrícia Galvão lança plataforma digital com informações sobre assédio sexual,estupro e violência de gênero online para as vítimas e quem quer apoiá-las.






Qualquer prática sexual não consentida é uma violência sexual. Seja em casa, no trabalho, nas escolas, universidades, espaços públicos, inclusive na internet, diariamente as mulheres são submetidas a diversas formas de violências que não têm nada a ver com desejo sexual. São manifestações de poder naturalizadas em sociedades estruturadas sobre desigualdades de gênero, raça, etnia e classe.

Direito a informação e serviços

Promover o acesso das mulheres a informações sobre como se proteger e a quem recorrer — tanto para receber apoio e os cuidados necessários, quanto para fazer uma denúncia — é fundamental para mudar o grave cenário da violência sexual no Brasil, onde 97% das mulheres declaram já terem sido vítimas de assédio em meios de transporte e no qual se estima que apenas 10% dos estupros sejam denunciados à polícia (saiba mais). Também é importante informar toda a sociedade sobre a urgência do problema e as transformações culturais necessárias, bem como o papel que cada um e cada uma podem desempenhar para apoiar as vítimas e ajudar a mudar esse quadro.

Para contribuir nesta frente, o Dossiê Violência Sexual reúne informações e orientações de quem lida diretamente com o problema — médicas, psicólogas, advogadas, promotoras, defensoras, autoridades policiais, especialistas e ativistas de diferentes áreas. As profissionais consultadas reforçam que é necessário dar um basta no julgamento moral, na culpabilização e na revitimização das mulheres, que constrangem as vítimas com mais violência. A recomendação é oferecer escuta, apoio, acolhimento e ajudar a cobrar direitos e serviços. Assim, as especialistas nos lembram que enfrentar esse problema é urgente e exige uma transformação no Estado e na sociedade.

Dossiê digital para compreender e enfrentar o problema

Norteado por algumas perguntas chaves, o Dossiê Violência Sexual traz informações sobre as diversas formas de assédio sexual e de violência de gênero online, além do estupro, considerado uma das formas mais graves de violação aos direitos humanos. Como essas violências acontecem no Brasil? Que leis e informações podem ajudar? Se estou passando por essas violências, quem eu posso procurar? O que eu preciso saber para apoiar uma vítima de violência sexual?

Com o objetivo de compreender as múltiplas desigualdades que se combinam e que afetam de forma diferenciada mulheres negras, indígenas, periféricas e LBTTQI+, também serão lançadas, em uma segunda etapa, as seções sobre “violência sexual e a intersecção com o racismo e a LBTfobia” e “abuso sexual infantil e de vulnerável”.



3,5 mil mulheres foram vítimas de feminicídio na América Latina e Caribe em 2018

Segundo dados oficiais compilados anualmente pelo observatório de igualdade de gênero da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), ao menos 3.529 mulheres foram assassinadas em 2018 por razões de gênero em 25 países da América Latina e do Caribe.

Os dados foram divulgados no Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, que dá início aos 16 dias de ativismo até 10 de dezembro, Dia dos Direitos Humanos.

Instalação artística na Cidade do México lembra as mulheres vítimas de feminicídio. Obra foi realizada para o Dia Internacional da Mulher de 2018, lembrado em 8 de março. Foto: ONU Mulheres/Dzilam Mendez



Ao menos 3.529 mulheres foram assassinadas em 2018 por razões de gênero em 25 países da América Latina e do Caribe, segundo dados oficiais compilados anualmente pelo observatório de igualdade de gênero da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

Quatro das cinco taxas mais altas de feminicídio na América Latina foram registradas nos países do norte da América Central (El Salvador, Honduras e Guatemala) e na República Dominicana.

A eles se soma a Bolívia, cuja taxa de 2,3 feminicídios para cada 100 mil mulheres em 2018 é a terceira mais alta da América Latina e a mais alta da América do Sul. Em contraste, o Peru apresenta uma taxa de 0,8 feminicídios para cada 100 mil mulheres no último ano, a cifra mais baixa da região. No Brasil, a taxa é de 1,1 feminicídio para cada 100 mil mulheres.

No Caribe, a prevalência do feminicídio supera quatro mulheres para cada 100 mil em países como Guiana e Santa Lúcia, de acordo com dados de 2017. Em 2018, Trinidade e Tobago e Barbados lideraram a lista, com uma taxa de 3,4 mortes a cada 100 mil mulheres. Esta cifra pode ser ainda mais grave no caso de Barbados, considerando que este país só compila as cifras de feminicídios íntimos, ou seja, aqueles cometidos pelo companheiro ou ex-companheiro íntimo das vítimas.

“O assassinato de mulheres por razões de gênero é o extremo da violência vivenciada pelas mulheres na região. As cifras compiladas pela CEPAL, em um esforço por visibilizar a gravidade do fenômeno, dão conta da profundidade dos padrões culturais patriarcais, discriminatórios e violentos na região”, disse Alicia Bárcena, secretária-executiva do organismo regional, no marco do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, que dá início aos 16 dias de ativismo até 10 de dezembro, Dia dos Direitos Humanos.

“Milhões de mulheres da região saíram às ruas para reclamar e demandar algo tão fundamental, mas tão vulnerável como é o direito de viver vidas livres de violência”, lembrou a alta funcionária das Nações Unidas.

Em sua mais recente publicação sobre a medição do feminicídio, o observatório da CEPAL advertiu sobre o desafio da comparabilidade do fenômeno regionalmente. Na maioria dos países do Caribe (onde não há tipificação do feminicídio nos códigos penais) apenas são compiladas cifras sobre as mortes de mulheres cometidas pelo companheiro ou ex-companheiro.

Na América Latina, os países diferem na definição normativa desse crime, que vai desde uma expressão ampla como feminicídio a tipos penais que envolvem o matrimônio e a convivência. A isso se soma a utilização de diferentes enfoques na construção dos registros desse crime.

A medição do feminicídio nos países da região é fundamental para o desenho, a implementação e o acompanhamento das políticas públicas orientadas a proteger as vítimas de violência por razões de gênero, especificamente, para prevenir o feminicídio, reparar as vítimas colaterais dependentes e punir os criminosos, disse a CEPAL.

Para fazer frente a esses objetivos, a CEPAL está impulsionando a construção de um Sistema de Registro de Feminicídio nos países da América Latina e do Caribe, que sirva de ferramenta para melhorar a qualidade da informação nacional com o objetivo de aprofundar a análise do feminicídio e fortalecer a comparação regional.

Além disso, as Nações Unidas e a União Europeia estão implementando a Iniciativa Spotlight para eliminar a violência contra mulheres e meninas, que tem como foco na região a eliminação do feminicídio. A CEPAL, através de seu observatório para o tema, é uma parceira estratégica desta iniciativa, já que o fortalecimento dos sistemas de registro do feminicídio é um dos objetivos do projeto.


Os Dados

Feminicídio - América Latina, Caribe e Espanha (19 países): último dado disponível (Em números absolutos e taxas por cada 100 mil mulheres)


Corresponde à quantificação anual de homicídios de mulheres assassinadas por razões de gênero. Se expressa em números absolutos e em taxas por cada 100 mil mulheres. De acordo com as legislações nacionais, se denomina femicídio, feminicídio ou homicídio agravado por razões de gênero.

Fonte CEPAL



ANÁLISE

Informações oficiais de 15 países da América Latina e do Caribe mostram que pelo menos 3.287 mulheres foram vítimas de feminicídio ou femicídio em 2018. Quando somados a esses os dados de 10 países da região que registram apenas feminicídios cometidos pelo parceiro ou ex-parceiro da vítima, é possível afirmar que o número de feminicídios em 2018 foi de ao menos 3.529 mulheres.

Os países da América Latina em que a taxa de feminicídios por cada 100.000 mulheres é mais alta são: El Salvador (6.8), Honduras (5.1), Bolívia (2.3), Guatemala (2.0) e República Dominicana (1.9).

No Caribe, Santa Lúcia teve uma taxa de 4,4 feminicídios por cada 100.000 mulheres em 2017, enquanto em Trinidad e Tobago a taxa foi de 3,4 em 2018.

Griots: Os contadores de histórias da África antiga

Até hoje, os Griots seguem seu papel de guardiões da tradição



Imagem: Reprodução



Por Joseane Pereira. Via Aventuras na História


Contadores de histórias, mensageiros oficiais, guardiões de tradições milenares: todos esses termos caracterizam o papel dos Griots, que na África Antiga eram responsáveis por firmar transações comerciais entre os impérios e comunidades e passar aos jovens ensinamentos culturais, sendo hoje em dia a prova viva da força da tradição oral entre os povos africanos.

Utilizando instrumentos musicais como o Agogô e o Akoting (semelhante ao banjo), os griots e griottes estavam presentes em inúmeros povos, da África do Sul à Subsaariana, transitando entre os territórios para firmar tratados comerciais por meio da fala e também ensinando às crianças de seu povo o uso de plantas medicinais, os cantos e danças tradicionais e as histórias ancestrais.

Diferente da civilização ocidental, que prioriza a escrita como principal método para transmissão de conhecimentos e tem historicamente fadado povos sem escrita ao âmbito da pré-história, em sociedades de tradição oral a fala tem um aspecto milenar e sagrado, e é preciso refletir profundamente antes de se pronunciar algo, pois cada palavra carrega um poder de cura ou destruição.

Nesse sentido, os Griots são os guardiões da palavra, responsáveis por transmitir os mitos, técnicas e tradições de geração para geração.


Griots / Crédito: Reprodução

O termo griot tem origem no processo de colonização do continente africano, sendo a tradução para o francês da palavra portuguesa criado. No século XVI, com a ocupação da costa africana pelo reino de Portugal baseada na construção de fortes que atuavam como entrepostos, os lusitanos passaram a fazer transações com Reinos africanos como Kongo, Mali e Songhai. 

Esses primeiros contatos já transformavam tanto as culturas africanas como a nação de Portugal, mas acabaram levando a muitos reinos à desestruturação. Com o tráfico de escravizados e o processo de Neocolonização do século XIX, países como França, Bélgica e Alemanha adentraram os territórios africanos, contribuindo para o processo.

Entretanto, até os dias de hoje os Griots seguem em seu papel de guardiões da tradição, estando presente em muitos lugares da África Ocidental, incluindo Mali, Gâmbia, Guiné e Senegal, e entre os povos Fula, Hausá, Woolog, Dagomba e entre os árabes da Mauritânia.

Aqui no Brasil, podemos ver semelhanças entre os Griots e os repentistas, que também se utilizam da oralidade para transmitir cultura.


Griots contemporâneos / Crédito: Reprodução

Em sociedades africanas marcadas pela escravidão, os sujeitos foram classificados como objetos sem memória a serem liderados pelos que detinham a razão. Afinal, povos sem escrita eram povos sem cultura.

Nesse sentido, os Griots atuais são a prova viva da força da tradição oral que, de geração em geração, tem preservado memórias, costumes e saberes.

Como se forma uma polícia racista

PM ministra pouquíssimas aulas de Direitos Humanos. Humilha e expõe soldados a rígida hierarquia. Ensina que inimigos têm classe e cor e pune pensamento crítico – mas, cinicamente, atribui atos violentos a casos isolados

Foto: Eduardo Saraiva/Fotos Públicas

Reprodução do artigo "O impacto social da organização militar da polícia", de Almir Felitte¹, publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais, onde aborda a relação entre o militarismo, o preconceito e o racismo nas polícias do Brasil.


O isolacionismo, a rigidez hierárquica e a pretensa superioridade em relação ao restante da sociedade civil, traços já elencados como característicos do militarismo, criam um ambiente propício a comportamentos preconceituosos, muitas vezes pautados em questões classicistas e raciais, e a práticas que, por vezes, violam os Direitos Humanos.

Parte desses traços comportamentais negativos se deve, ainda, à carência do ensino referente aos Direitos Humanos na formação dos policiais militares. No Curso de Formação de Oficiais da Academia do Barro Branco, em São Paulo, por exemplo, a disciplina somente surgiu em 1994, denominada Direito Internacional Humanitário, passando a ser chamada de Direitos Humanos a partir de 2000. Nesse período, porém, a disciplina pouco evoluiu na Academia, já que em 1994 ela ocupava 1,01% da carga horária total do curso, enquanto em 2013 ela ocupou somente 1,47% da mesma.

Porém, ainda que a Academia do Barro Branco demonstre uma enorme carência curricular no que se refere à matéria de Direitos Humanos, ela ocupa posição de destaque se comparada a outras Academias do país. A disciplina integra parcelas ainda menores do currículo dos cursos de formação de oficiais de outros estados, como Santa Catarina (1,07%) e Paraná (0,68%).

Diante de tal quadro, não é surpresa o resultado de uma pesquisa realizada em 2000 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com integrantes da PM mineira que, ao afirmar que “os direitos humanos atrapalham e dificultam o trabalho de controle do crime no Brasil”, obteve a concordância de 47% dos oficiais e de 68% dos praças entrevistados. Quanto à afirmação de que “o policial militar, hoje, encontra-se impossibilitado de realizar bem seu trabalho, já que existem muitas leis que garantem direitos aos criminosos”, 42% dos oficiais e aproximadamente 70% dos praças concordaram com a mesma².

Acerca do tema, ao encontro do exposto pela pesquisa, Benevides³ explica que há uma manipulação voluntária, por parte das elites, sobre a opinião pública, no sentido de que os Direitos Humanos estariam relacionados à “bandidagem” ou à “criminalidade”. Tal manipulação é motivada pela grande desigualdade social característica da sociedade brasileira, já que o estigma criado sobre os Direitos Humanos seria uma forma de criminalizar as classes mais pobres, associando-as à criminalidade e ao banditismo. Desse modo, circunscreve-se a violência apenas aos marginalizados, o que justifica o rigor da polícia com os mesmos.

No contexto da formação policial, o pequeno espaço ocupado pela disciplina de Direitos Humanos tem como consequência uma série de deficiências no conteúdo da matéria ministrada. Conforme aponta Adilson Paes de Souza4, no Curso de Formação de Oficiais em São Paulo, por exemplo, na disciplina de Direitos Humanos, quanto aos documentos internacionais, há referência expressa somente ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos e Sociais. Documentos como a Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, a Declaração e o Programa de Ação de Viena ou, ainda, uma série de outros tratados e convenções internacionais que versam sobre os direitos das minorias e a coibição da tortura, não são mencionados no curso.

A ausência de menção a tais documentos internacionais denota uma carência na grade curricular no que tange os Direitos Humanos, principalmente no concernente à relação da polícia com as minorias e à prática da tortura. Esta insuficiência, acompanhada da rigidez na formação militar, pautada no isolamento e na estrutura hierárquica, tem como consequência um crescente preconceito dentro da instituição da polícia militar, bem como uma série de casos de violações dos Direitos Humanos e uso excessivo de força contra grupos considerados minorias na sociedade.

Sobre a rigidez da formação militar e sua relação com as práticas abusivas de policiais, interessante analisar o conceito elaborado por Adorno. Para o autor, a ideia de que a virilidade consiste na máxima capacidade de suportar dor converteu-se em fachada de um masoquismo que se identifica facilmente com o sadismo. Assim, uma educação cujo objetivo seja ‘ser duro’ significa indiferença contra a dor em geral, pouco se diferenciando a dor do outro e a de si próprio. Ou seja, “quem é severo consigo mesmo, adquire o direito de ser severo também com os outros, vingando-se da dor cujas manifestações precisou ocultar e reprimir.” Diante de tal análise, o autor conclui que é necessário “a promoção de uma educação que não premie a dor e a capacidade de suportá-la” 5.

Quando analisadas as ações policiais no combate ao crime, é possível perceber as práticas abusivas e violentas dos agentes da instituição como consequência da rígida formação militar. Isso porque, conforme ensina Candido, a polícia é um agente que viola a personalidade, tomando do homem seus recursos de equilíbrio através da brutalidade profissional, utilizando-se do medo, que para ele é um ‘ingrediente de alta eficácia’ para a realização das atividades policiais. Desse modo, a força da polícia “consiste em opor o ‘outro’ ao ‘eu’, até que seja absorvido por aquele, e, deste modo, esteja pronto para o que se espera dele: colaboração, submissão, omissão, silêncio”6.

Nesse sentido, a tortura praticada pelo policial militar não seria somente fruto do sadismo, mas também de uma política estatal de repressão aos dissidentes que se utiliza da brutalidade física e psicológica para conseguir informações ou confissões forçadas. Causando o sentimento de que o torturador tem o absoluto controle, a resistência da vítima é minada, o que lhe causa a confusão mental e o desespero, levando-a, até mesmo, a assumir atitudes que não fez7

Importante ressaltar que o conceito de “dissidentes”, porém, é pautado em critérios altamente subjetivos e de caráter extremamente preconceituoso, levando-se em conta, muitas vezes, aspectos do indivíduo que dizem respeito à cor da sua pele ou sua classe social.

Esse conceito resta claro através da análise de um estudo realizado pelo Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (GEVAC) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)8. Tal estudo, em parceria com a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, coletou dados sobre mortes provocadas por policiais militares entre 2009 e 2011, totalizando 734 casos envolvendo 939 vítimas, trazendo um enfoque na idade e na cor/etnia destas.

Este estudo concluiu que, do total de vítimas da letalidade policial no Estado de São Paulo, 61% eram negras, enquanto 39% eram brancas. Através destes dados, tomando como base o ano de 2011, o relatório concluiu, ainda, que a letalidade policial é maior sobre a população negra, já que as taxas de mortos por 100 mil habitantes, dentro de cada grupo de cor/raça, é de 1,4 entre os negros e de 0,5 entre os brancos.

Estes números, porém, não se justificam apenas pela insuficiência da disciplina de Direitos Humanos na formação dos militares. É preciso que se faça uma análise que demonstre o militarismo como uma ideologia que acolhe tais preconceitos e cria ambientes férteis para o crescimento destes, não podendo ser considerados, desse modo, os atos violentos motivados por preconceitos como casos isolados ou de cunho individual.

Tal procedimento equivocado, aliás, é comumente praticado nas polícias militares, conforme aponta Paes de Souza9. O autor afirma ser corriqueiro, toda vez que um policial militar apresenta um comportamento de elevada reprovação social, o Comando da Corporação alegar que se trata de um fato isolado que diz respeito exclusivamente à pessoa do policial envolvido. O equívoco consiste no fato de que o preconceito é um fenômeno individual e social, não devendo ser atribuída somente ao indivíduo a responsabilidade pela prática de determinado ato, vez que a análise do ambiente em que o mesmo convive e dos valores professados pelo grupo a que pertence ficaria excluída.

Nessa mesma linha, Bobbio10 define o preconceito como uma opinião ou, até mesmo, uma doutrina completa, acolhida de forma acrítica e passiva através da tradição, do costume ou de uma autoridade de quem aceitamos ordens sem discussão. Esta aceitação se dá por inércia, respeito ou temor, resistindo a qualquer refutação racional feita com base em argumentos racionais.

Portanto, o preconceito é um fenômeno que extrapola a esfera individual, tem raízes sociais e está intimamente relacionado ao ambiente que cerca cada indivíduo. Diante disso, o que se intenta demonstrar aqui é a relação entre o preconceito e o militarismo, evitando-se a individualização de tal comportamento, caracterizando-o como um traço desta ideologia. Além disso, importante ressaltar que o preconceito deve ser analisado, principalmente, a partir da figura de quem o pratica ativamente, e não de quem o sofre passivamente.

Nesse sentido, Crochik11 faz uma interessante análise sobre o tema. O autor afirma que a tendência que o indivíduo preconceituoso tem de desenvolver preconceitos em relação a diversos objetos indica que sua forma de atuação independe das características dos objetos alvos, pois estes são distintos entre si. Desse modo, “o preconceito diz mais respeito às necessidades do preconceituoso do que às características de seus objetos, pois cada um deles é imaginariamente dotado de aspectos distintos daquilo que eles são”.

Ao tomar a instituição da Polícia Militar como o sujeito ativo no que tange ao preconceito, devem-se levar em conta seus aspectos para que se determine tal comportamento como traço característico da corporação. Nesse sentido, o ambiente de formação do militar na forma em que se apresenta constitui-se em um terreno fértil para o crescimento de ideias fundadas em preconceitos.

Isso porque tal ambiente isola o indivíduo do restante da sociedade civil para que este rompa os laços com seus antigos valores, facilitando, dessa maneira, uma nova educação do indivíduo baseada em novos valores, puramente militares e, muitas vezes, conflitantes com os civis. Este ambiente isolado, porém, tem como característica a rigidez hierárquica e a ação vinculada a um comando externo, o que retira de seus integrantes a capacidade e a possibilidade de experimentar e refletir sobre si mesmo e sobre os outros nas relações sociais. Para Crochik12, é essa impossibilidade que leva o indivíduo a desenvolver preconceitos.

Paes de Souza13 contextualiza este conceito, aduzindo que, numa instituição fechada como a Polícia Militar, na qual existem regras rígidas que visam o controle de todos seus integrantes, a manifestação do pensamento crítico e de questionamentos é inibida, fazendo com que seus membros percam sua autonomia. Assim, em uma organização em que as ações de seus integrantes estão condicionadas a um comando externo que os reprime, o resultado é a “constituição de indivíduos frágeis com uma insegurança constante, que suscita o preconceito para afirmar uma identidade que não possui”.

Analisando o que o autor chama de componente cognitivo do preconceito, referente ao estereótipo, tem-se que este se associa ao estabelecimento de “soluções padrão” e ao “mecanismo de rotulamento”, através do qual “se atribui um rótulo às pessoas” que será sempre utilizado, independente da individualidade de cada situação. Esta prática é muito comum na Polícia Militar, que frequentemente rotula pessoas como suspeitas baseadas em conceitos de classe social, região em que habita ou cor de pele.

O uso de estereótipos pelos policias militares evita o questionamento das condições sociais que contribuíram para um crime, pois o uso de dicotomias como ‘bom/mau’, ‘certo/errado’ e ‘saudável/ não saudável’ exclui a análise crítica do que teria levado um indivíduo a praticar um delito. Assim, o preconceito enraizado na instituição serve como justificativa para o próprio policial militar e, muitas vezes, até mesmo para parte da população, para um ato violento e ilegal praticado por ele.

A constatação e conceituação deste traço comportamental da Polícia Militar são de suma importância para a análise do traço militarista que, hoje, chamamos de “ideologia do inimigo”.


Referências


1 - FELITTE, Almir Valente; PONZILACQUA, Marcio Henrique Pereira. O impacto social da organização militar da polícia. Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 132. ano 25. p. 193-217. São Paulo: Ed. RT, jun. 2017.

2 - LINS, B. J. R. L. Breves reflexões sobre segurança pública e permanências autoritárias na Constituição Federal de 1988. Revista de Direito Brasileira, v. 1, jul. 2011. p. 173.

3 - BENEVIDES, M. V. M. Cidadania e Direitos Humanos. In: CARVALHO, José Sérgio. (Org.). Educação, Cidadania e Direitos Humanos. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 43-65.

4 - SOUZA, A. P. O Guardião da Cidade: reflexões sobre casos de violência praticados por policiais militares. São Paulo: Escrituras Editora, 2013.

5 -  ADORNO, T. Educação após Auschwitz. Disponível em: <http://adorno.planetaclix.pt/tadorno10.htm>. Acesso em: 02 ago. 2014.

6 - CANDIDO, A. A Verdade da Repressão. Revista USP, n. 9, 1991. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/25544>. Acesso em: 01 ago. 2014. p. 28.

7 - SOUZA, op. cit.

8 - SINHORETTO, J. et. al. Desigualdade Racial e Segurança Pública em São Paulo: letalidade policial e prisões em flagrante. Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da UFSCar. Disponível em: <http://www.ufscar.br/gevac/wp-content/uploads/A1rio-Executivo_Desigualdade-racial-e-seguran%C3%A7a-p%C3%BAblica-em-SP.pdf>. Acesso em: 01 ago. 2014.

9 - SOUZA, op. cit., p. 120.

10 - BOBBIO, N. Elogio da serenidade e outros escritos morais. São Paulo: Editora Unesp, 2002. p. 103.

11 - CROCHIK, J. L. Preconceito, Indivíduo e Cultura. 3. ed. São Paulo: Editora Casa do Psicólogo, 2006.

12 - Ibidem.

13 - SOUZA, op. cit., p. 126.

Agronegócio: uma década de avanço devastador

Expansão da atividade engoliu 2 milhões de postos de trabalho e matou mais de 7 mil, por contato direto com agrotóxicos. Conflito por terras se agravou. E perda de biodiversidade resultará em mudanças climáticas irreversíveis


Por Juca Guimarães, no Repórter Brasil


Maior percentual de área dedicada à agricultura nas mãos de menor número de proprietários de terras. Essa concentração de terras no Brasil, comprovada pelo Censo Agropecuário 2017, tem como consequência a redução das áreas ocupadas pela agricultura familiar e menor número de postos de trabalho nas pequenas propriedades.

Divulgado no final de outubro, o Censo Agropecuário também revela que o agronegócio brasileiro avança sobre o Norte e o Centro-Oeste do país, em biomas como o amazônico e o cerrado – o que colabora para o conflito por terras, para a violência no campo e para a destruição do meio ambiente, segundo estudiosos ouvidos pela Repórter Brasil. 

Em 2006, quando foi realizado o último Censo Agropecuário no país, as terras destinadas à atividade agropecuária ocupavam 39% do território nacional, com tamanho médio de 64 hectares por proprietário. Onze anos depois, 41% do território brasileiro é ocupado por terras agricultáveis, com tamanho médio de 69 hectares por dono.

“Entre os dois censos agropecuários, houve uma redução de 9,5% no número de estabelecimentos da agricultura familiar, enquanto no agronegócio o crescimento foi de 35%”, afirma Júnior C. Dias, economista e técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), com base nos números levantados pelo Censo Agropecuário. Ele destaca que, em termos de número de estabelecimentos agrícolas, a maior parte continua sendo da agricultura familiar (77%). Agora, ao se analisar pela extensão, a maioria das terras está nas mãos do agronegócio (77%).

Além da concentração de terras, o censo também comprova concentração de renda, segundo avaliação de Alexandre Arbex, pesquisador do Ipea. “De 2006 a 2017, a receita total dos estabelecimentos da agricultura familiar cresceu 16%, enquanto nos demais estabelecimentos este crescimento foi de 69%”.


Avanço nas fronteiras agrícolas


Os números do censo confirmam o avanço no agronegócio brasileiro em detrimento da agricultura familiar em todas as áreas do país, exceto no Nordeste, que tradicionalmente é dominado por pequenos produtores rurais. “Novas propriedades foram incorporadas na chamada fronteira agrícola, na região Norte e no Centro-Oeste”, afirmou Antônio Florido, responsável técnico do IBGE pelo Censo Agropecuário.

O problema deste avanço do agronegócio nas fronteiras agrícolas é que ele se dá em regiões de preservação ambiental ou em terras indígenas. “Um primeiro impacto que deve ser considerado é o ambiental, com a perda da biodiversidade em função da supressão da vegetação nativa, além da possibilidade de alterações climáticas, como aumento da temperatura e mudanças no regime de chuvas”, diz Arbex.

O segundo impacto são conflitos fundiários, assassinatos e expulsão de famílias de suas terras, continua o pesquisador. “Esse avanço está associado à exploração ilegal de madeiras, grilagem e especulação imobiliária, cujo processo resulta no aumento de área desmatadas e seu uso posterior em pastagens e monocultivos”. 

Um levantamento da Comissão Pastoral da Terra, divulgado este ano, mostra que apenas 117 dos 1.468 casos de assassinatos em conflitos de terra entre 1985 e 2018 foram avaliados por um juiz em alguma instância. Os conflitos, neste período, resultaram em 1.940 mortos.

De janeiro a agosto de 2019, segundo o acompanhamento da pastoral, o Brasil registrou 18 mortes em conflitos no campo. Entre os mortos, quatro eram líderes indígenas, sendo três do Amazonas e uma do Amapá. 

Arbex também chama a atenção para o aumento da área de agronegócio por cooptação, quando o forasteiro usa sua influência para forçar os índios a praticarem a monocultura e a destruição das áreas de preservação, que causa impactos graves no meio ambiente. “Vem ocorrendo um processo de cooptação de comunidades indígenas por setores do agronegócio para implantação de monoculturas. Casos exemplares são os Parecis e os Xavantes (Mato Grosso)”.


Agricultura familiar


Enquanto o agronegócio avança e concentra maior renda, o campo perde postos de trabalho. Segundo o IBGE, houve redução de 1,4 milhão de vagas de trabalho no campo entre os dois censos — atualmente o Brasil possui 15,1 milhões de trabalhadores rurais. O maior impacto foi na agricultura familiar, com perda de 2,2 milhões de postos de trabalho por conta da concentração de terras e da mecanização no campo.

“Um campo esvaziado tem como contraparte cidades cada vez mais cheias”, analisa Dias. Essa retração na agricultura familiar — tanto em número de estabelecimentos quanto em postos de trabalho — é vista com preocupação não apenas por conta do êxodo rural, mas também porque é esta a atividade que garante diversidade de produção e colabora na preservação ambiental. 

“A agricultura familiar é importante para a preservação dos mananciais, dos rios, das florestas e, principalmente, da diversidade de cultura do meio rural”, disse Aristides Veras dos Santos, presidente da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).

O censo mostra que a agricultura familiar continua respondendo por parte importante da produção de alimentos: 48% do valor da produção de café e banana nas culturas permanentes. Já nas culturas temporárias, intercaladas com outros produtos, a agricultura familiar é responsável por 80% do valor de produção da mandioca, 69% do abacaxi e 42% da produção do feijão.

“Somando a produção da agricultura familiar no Brasil, chega-se a R$ 107 bilhões ao ano, o que é mais que a economia total de pelo menos 12 estados”, avalia o economista Carlos Mário Guedes de Guedes, ex-presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e diretor do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural.


Agrotóxicos


Outra constatação revelada pelo censo é o aumento no uso de agrotóxicos: atualmente, pelo menos 1,6 milhão de estabelecimentos agropecuários fazem uso de pesticidas em suas lavouras, número 20% maior do que em 2006. 

“O uso dos agrotóxicos cresceu consideravelmente, inclusive nas propriedades menores. A pressão para o uso desses produtos nas plantações aumentou. Além disso, mesmo quem não usa diretamente pode ser contaminado porque o veneno entra no lençol freático contaminado a água”, disse Aristides Veras dos Santos, presidente da Contag.

Há também um alerta sobre como esses produtos são aplicados: 16% dos produtores que utilizaram agrotóxicos não sabiam ler e escrever e, destes, 89% declararam não ter recebido orientação técnica. Dos que sabiam ler e escrever e utilizaram agrotóxicos, 70% possuíam, no máximo, o ensino fundamental e destes, apenas 31% declararam ter recebido orientação técnica para usar corretamente o produto.

Dados do DataSUS, que reúne informações da rede pública de saúde, mostram que, entre 2008 e 2017, o contato com pesticidas e agrotóxicos foi responsável direto por 7.267 mortes no Brasil.

O riscos do uso dos agrotóxicos aumenta com a redução dos alertas de perigo dos produtos. Em julho, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou um novo padrão de na reclassificação das categorias dos produtos e nos rótulos. Algumas das mudanças incluem pesticidas com alto grau de toxicidade que terão menos alertas no rótulo, ou seja, perdem a tarja vermelha e a caveira que chamava atenção sobre riscos de morte ou outros perigos mesmo para agricultores de baixa escolaridade. 

“Com isso, produtos que no ano passado carregavam o desenho da caveira, agora se tornarão invisíveis para crianças e pessoas de alfabetização incompleta”, afirma Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo, autor do “Dossiê Abrasco: Um alerta sobre o impacto dos agrotóxicos à saúde” e vice-presidente local da Associação Brasileira de Agroecologia. “Sem o símbolo, teriam que ler as letras miúdas do rótulo dizendo sobre os cuidados. Isso abre espaço para mais casos de intoxicação e mortes.”




Nota da redação: a reportagem foi atualizada em 19 de novembro de 2019 às 12h37 para esclarecer que o Censo Agropecuário de 2006 foi o último realizado pelo IBGE; o primeiro foi em 1920

Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2017 2606 6/DGB 0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil




Quando o racismo invade os corredores da Câmara dos Deputados



A oposição pediu que a Procuradoria-Geral da República apure se os deputados Coronel Tadeu e Daniel Silveira, do PSL, cometeram o crime de racismo. Mais cedo, Tadeu arrancou uma imagem de uma exposição sobre o Mês da Consciência Negra na Câmara. A representação foi protocolada na PGR. “O racismo, promovido e incentivado pelos parlamentares representados, demonstra a face mais perversa da lógica colonial”, diz o documento.

Em um discurso carregado de emoção na tribuna da Câmara, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) protestou contra a atitude “preconceituosa e racista” do deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) que destruiu uma placa sobre o genocídio negro nesta terça-feira (19). O painel com uma charge do artista Carlos Henrique Latuff de Sousa fazia parte da exposição na Câmara em comemoração ao Dia da Consciência Negra (20).


“É a primeira vez que o racismo ousou nessa Casa, e ousou muito na nossa presença. Iremos tomar providências porque foi uma violência inaceitável, o presidente Rodrigo Maia terá que punir esse deputado, não podemos ser violentados desse jeito”, afirmou.

A deputada cobrou do presidente da Câmara a reposição do quadro arrancado e quebrado pelo Coronel Tadeu. “A Mesa tem que tomar uma providência, é uma exposição feita pela Curadoria da Câmara, é patrimônio público, foi dinheiro público que o deputado do PSL rasgou”. Benedita da Silva anunciou ainda que está tomando as providências cabíveis contra “aquele que veio como ladrão roubar a alegria do dia”.

Benedita da Silva, parlamentar negra que está em seu quinto mandato como deputada federal, que já foi deputada constituinte, senadora, ministra e governadora do Rio de Janeiro, fez um desabafo ao se dirigir diretamente ao Coronel Tadeu: “Saiba, Coronel Tadeu, a minha raça sobreviveu ao tronco e continua sofrendo quando vocês aqui votam contra o interesse dos negros e negras. Fomos estupradas, éramos objetos sexuais dos senhorzinhos, muitas vezes deixamos de alimentar os nossos filhos para alimentar os filhos das sinhazinhas. Mas em nós não existe ódio, queremos apenas os nossos direitos e os reivindicamos dentro do processo democrático”, enfatizou.



Dez expressões racistas que você precisa parar de falar imediatamente

Algumas expressões ditas até hoje surgiram durante o período da escravidão no Brasil e trazem um significado carregado de racismo

FOTO: TANIA REGO/AGÊNCIA BRASIL

Por Alexandre Putti, Via Carta Capital 



No Brasil, o 20 de novembro marca o Dia da Consciência Negra. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, um dos maiores líderes negros do Brasil que lutou pela libertação do povo contra o sistema escravista.

A data é dedicada à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira e sobre o racismo que essa população enfrenta. E não é só nos dados oficiais que o racismo fica exemplificado. Ao longo da história, algumas expressões e palavras foram criadas em cima de situações vividas por negros, principalmente na época escravocrata, e que são utilizadas até hoje.

Para pensarmos em uma sociedade mais igualitária, sem racismo e preconceito, precisamos urgentemente desconstruir esse discurso e parar de utilizar expressões que aparentemente não parecem ofensivas, mas são. E muito.


Dez palavras e expressões que precisamos parar de falar AGORA:


Mulata

A palavra se refere à mula, um animal originado do cruzamento de burro com égua. Na época da escravidão, muitas escravas eram abusadas pelos patrões e acabavam engravidando. Os filhos eram chamados de mulatos por serem o resultado do cruzamento de um homem branco com uma mulher negra. Hoje, as pessoas utilizam esse termo para se referir às pessoas pardas, mas a palavra deve ser imediatamente retirada do vocabulário.

Denegrir

Sempre que alguém utiliza essa palavra é para dizer que está sendo difamado ou injustiçado por outra pessoa. Mas segundo o dicionário Aurélio, a definição de “denegrir” é “tornar negro, escurecer”. Então, utilizar a palavra denegrir de forma pejorativa é extremamente racista.

Lista negra

Essa expressão é sempre utilizada de forma negativa. Uma pessoa estar em uma “lista negra” significa que ela está sendo perseguida ou que não poderá mais adentrar em certos ambientes. A palavra negra é colocado nessa afirmação de uma forma pejorativa e, mais uma vez, racista.

Mercado negro

Mercado negro segue a mesma ideia da lista negra. A palavra “negro” é utilizada de forma pejorativa para se referir a algo proibido, ilegal, perigoso e ruim.

‘Não sou tuas negas’

Essa é uma expressão extremamente racista. Isso porque quando se tratava do comportamento para com as mulheres negras escravizadas, assédios e estupros eram recorrentes. A frase deixa explícita que com as negras pode tudo e com as demais não se pode fazer o mesmo, e nesse “tudo” está incluso estuprar, assediar, maltratar, etc.

Da cor do pecado

Essa expressão geralmente é utilizada como forma de elogio. Existe até música sobre a história de amor com um homem da cor do pecado. Mas essa expressão está longe de ser um elogio. Antigamente, ser negro era considerado pecado. Os poderosos da época junto com integrantes da Igreja Católica justificavam a escravidão como um castigo divino. Então, dizer que alguém é “da cor do pecado” é associado a algo negativo.

Criado-mudo

O nome do móvel que geralmente é colocado na cabeceira da cama vem de um dos papéis desempenhados pela criadagem dentro de uma casa: o de segurar as coisas para seus senhores. Como o empregado não poderia fazer barulho para atrapalhar os moradores, ele era considerado mudo.

Doméstica

Domésticas eram as mulheres negras que trabalhavam dentro da casa das famílias brancas e eram consideradas domesticadas. Isso porque os negros eram vistos como animais e por isso precisavam ser domesticados através da tortura.

Inveja branca

Na contramão de todas as expressões e palavras anteriores, “inveja branca” significa uma inveja que não faz mal, que é do bem. Ou seja, associando à cor branca a coisa é boa, legal e não machuca.

Amanhã é dia de branco

E para encerrar, essa expressão que é a mais esdrúxula de todas. Dia de branco é utilizado para se referir a dia de trabalho, responsabilidade e compromissos. Como se só gente branca trabalhasse duro. Isso porque antigamente o trabalho dos escravos não era considerado trabalho e essa ideia perpetua até hoje.



Breve história crítica dos feminismos no Brasil

Excluídas da história oficial, as mulheres fazem do ato de contar a própria trajetória uma forma de resistência. Neste ensaio, publicado na...