Há exatos 65 anos, países reunidos na Organização das Nações
Unidas - ONU - selaram um pacto e determinaram princípios básicos de respeito e
valorização das pessoas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada
pela ONU em 10 de dezembro de 1948, traz objetivos a serem perseguidos pelos
países em prol da dignidade humana.
A Declaração vem de um esforço em busca de paz após a
Segunda Guerra Mundial – quando, ao menos, 50 milhões de pessoas morreram – e
elenca direitos e princípios fundamentais que devem ser observados. No entanto,
após mais de seis décadas, direitos humanos básicos seguem sendo violados em
diversos países. Ainda que não restrita, a situação de violação de direitos
humanos costuma atingir mais as crianças e os adolescentes que, pelo próprio
processo de formação, são mais vulneráveis.
Foi a partir da Declaração Universal que se elaborou
documentos de proteção à infância e à adolescência – como a Convenção sobre os
Direitos da Criança da ONU – e se formulou o princípio da Constituição brasileira
de que as crianças devem ser prioridade absoluta das políticas públicas e da
sociedade. A Declaração também embasa as Convenções sobre a proibição do
trabalho infantil. O advogado Ariel de Castro Alves afirma que o princípio da
Declaração é o da dignidade das pessoas e que o trabalho infantil rompe com
essa dignidade. “Vários direitos fundamentais são rompidos quando a criança
está no trabalho infantil”, analisa Alves que é membro do Movimento Nacional de
Direitos Humanos e do Condeca - Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do
Adolescente.
Em todo o mundo, mais de 165 milhões de crianças e
adolescentes trabalham. É quase o total da população brasileira. Ainda que não
seja citado na Declaração, o trabalho infantil impede que uma série de direitos
básicos seja efetivada. Como explica o coordenador nacional da área de Combate
à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do
Trabalho (MPT), Rafael Dias Marques: “No Brasil, ainda são mais de três milhões
de crianças e adolescentes vítimas dessa chaga, que abre portas a inúmeras
outras lesões de direitos fundamentais, como à saúde, à vida, à alimentação, ao
lazer, à convivência familiar e comunitária, etc.”
Dos trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, selecionamos sete que se referem a direitos e princípios que são
diretamente prejudicados pelo trabalho infantil. Confira:
Artigo III – Todo o ser humano tem direito à vida, à
liberdade e à segurança pessoal – a Organização Internacional do Trabalho – OIT
- estima que mais da metade das crianças que estão no trabalho infantil
desenvolvem atividades perigosas. São cerca de 85 milhões de crianças que têm
suas segurança e vida ameaçadas cotidianamente pelas atividades que realizam.
Já dados do Ministério da Saúde apontam que crianças e adolescentes têm duas
vezes mais chances do que um adulto de sofrer um acidente de trabalho. Entre
2012 e 2013, foram quase seis mil acidentes de trabalho envolvendo crianças e
adolescentes, de acordo com o Ministério.
Artigo IV – Ninguém será mantido em escravidão ou servidão;
a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas –
o trabalho forçado ou escravo é considerado uma das piores formas de trabalho
infantil. Atividades classificadas assim por oferecerem grandes riscos à saúde
e à moral. De acordo com a OIT, são cerca de 5,5 milhões de crianças realizando
trabalhos forçados atualmente. Essa cifra corresponde a um quarto do total de
pessoas escravizadas no mundo, 21 milhões.
Artigo V – Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento
ou castigo cruel, desumano ou degradante
– o advogado Ariel de Castro Alves destaca que as piores formas de
trabalho infantil violam o princípio de tratamento desumano ou degradante. “O
trabalho infantil tem crescido nas piores formas, com crianças nas ruas,
vendendo balas, fazendo malabarismo ou cuidando de carros. Além disso, há casos
de exploração sexual de crianças e trabalho no tráfico de drogas, onde podem
ser assassinados e presos.”
Artigo XXIII – 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à
livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à
proteção contra o desemprego – o trabalho infantil não apenas viola os direitos
das crianças no presente como compromete a efetivação de direitos no futuro –
como o do próprio direito ao trabalho. “A criança que trabalha hoje é o adulto
subempregado ou desempregado de amanhã, pela dificuldade que ela tem de se
formar para o mercado de trabalho, que cada vez mais demanda formação”, analisa
Alves.
Marques explica que “seja por uma incapacidade decorrente de
um acidente ou doença do trabalho, ou ainda, seja por má formação na educação,
a criança trabalhadora ingressará de maneira desqualificada no mercado do
trabalho, acessando condições degradantes e exploratórias de trabalho”.
Artigo XXIV – Todo ser humano tem direito a repouso e lazer
(...). Artigo XXVII – 1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente
da vida cultural da comunidade, de fruir das artes (...) – ao ingressar
precocemente no trabalho, a criança e adolescente perde parte importante do seu
tempo livre e deixa de exercer outras atividades. “O trabalho infantil afeta o
direito ao lazer e à cultura, pois criança que trabalha lhe tem roubado o
direito de brincar e de se divertir”, aponta Marques.
Artigo XXVI – 1. Todo ser humano tem direito à instrução
(...) – o direito à educação é gravemente afetado pelo trabalho infantil. Ainda
que os índices mostrem que a maioria das crianças que trabalham também
frequentam a escola, seu desempenho é prejudicado. “Se as crianças conseguem
acessar a escola, chegam cansadas e nada ou pouco aprendem”, descreve Marques.
Além disso, o trabalho infantil também retira o tempo de estudo das crianças.
Para o coordenador do MPT, “toda vez que há uma situação de
trabalho infantil, se está cometendo, na seara do Direito, uma das mais graves
violações, posto que se viola norma de direitos humanos, bem como norma
constitucional”. Alves concorda com a gravidade da situação e cobra o Estado:
“o Brasil continua violando diariamente os direitos das mais de três milhões de
crianças e adolescentes que estão submetidos ao trabalho infantil”.
Fonte - KNH Brasil
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