O deputado Marcos Feliciano (PSC-SP) é uma caricatura perversa da ascensão do fundamentalismo religioso na sociedade brasileira, uma tendência que vem sendo cada vez mais explorada pela ultradireita conservadora em processos eleitorais; a esquerda, no entanto, afrouxou na defesa dos valores laicos e dos direitos civis e tampouco tem do que se orgulhar;
especial para o Brasil 247
O caso do deputado-pastor Marcos Feliciano (PSC-SP) desnuda uma das chagas do sistema democrático brasileiro. Suas manifestações homofóbicas e racistas são caricatura perversa da ascensão do fundamentalismo religioso de distintas denominações, favorecido pela complacência eleitoral à direita e à esquerda.
Dos
conservadores, pode-se dizer que é previsível sua aliança com correntes do
atraso, forjadas por um moralismo medieval que explora o lado mais sombrio e
preconceituoso da cultura hegemônica. Nas últimas campanhas eleitorais, a
oposição de direita surfou nessa onda, que naturalmente confronta ideias e
partidos progressistas.
O
discurso contra o direito ao aborto e a união civil de homossexuais, por
exemplo, serviram de mote para a confluência entre o reacionarismo político e
os talibãs do cristianismo. Não é propriamente novidade: na derrubada do
governo de João Goulart, em 1964, foi decisivo o aval da Igreja Católica para
que os golpistas marchassem com Deus em defesa da propriedade, apelidada
cinicamente de liberdade.
O
problema é que, ao menos nos tempos recentes, tampouco a esquerda, nesse tema,
tem muito do que se orgulhar. Para amealhar votos ou impedir suposta sangria
diante da satanização patrocinada pelo ultraconservadorismo, afrouxou na defesa
de valores laicos e direitos civis. Passou a ser considerada prática normal a
negociação de políticas públicas com instituições religiosas, muitas vezes
rendendo-se à voz dos templos e igrejas.
Ao
contrário de sindicatos e associações, esses grupos sequer constroem suas
representações por métodos eletivos e democráticos. O mais relevante entre
esses, o católico, a bem da verdade, tem suas autoridades nomeadas por um
Estado estrangeiro. Tratam-se, afinal, de organizações de direito privado, cuja
liberdade de opinião e culto deve estar plenamente assegurada, como manda a
Constituição, mas o que se fez foi abrir trilha para que ocupassem espaços
estratégicos, diretos ou indiretos, no interior das instituições.
Quando
comunidades religiosas passaram a ter autorização para controlar canais de
televisão e rádio, ou comprar a grade de outras emissoras, rompeu-se a primeira
linha de defesa do Estado laico. O uso de concessão pública para pregação
confessional constitui perigoso precedente para a segurança republicana, ao
contaminar o debate sobre garantias de cidadania com a moralidade construída
por associações de fé.
Os
religiosos, como qualquer outra fatia da opinião pública, podem e devem ser
convidados para participar das discussões organizadas por radiodifusão ou
qualquer outro meio de comunicação. Tampouco caberia haver qualquer empecilho a
que tenham seus veículos impressos. Outra coisa, bem diferente, é que se façam
proprietários de um bem comum para construir sua influência cultural.
O
usufruto desses instrumentos foi fundamental para que determinados segmentos
construíssem seus próprios partidos e bancadas parlamentares, exercessem pressão
permanente sobre o Estado, legitimassem a moral particular de suas crenças como
filtro para decisões institucionais de caráter universal.
A
apatia da esquerda para combater essa deformação é visível, salvo honrosas
exceções. O governo, a quem caberia ser guardião do caráter laico e democrático
de nossa organização política, trata do assunto com timidez e constrangimento.
Não aciona campanhas massivas e permanentes que se contraponham às bandeiras do
reacionarismo cristão. Concede e recua.
Alguns
fatos são notórios. O Palácio do Planalto, ainda na gestão do presidente Lula,
firmou concordata com a Santa Sé, concedendo à igreja católica diversas
regalias, entre as quais o estabelecimento do ensino religioso optativo em
escolas públicas e a utilização do orçamento estatal para a manutenção de
propriedades do Vaticano no Brasil.
Falta
a chama da valentia ou a luz da razão que teve o Partido Comunista Italiano,
durante osanos 70 e 80, quando enfrentou o papo e seus aliados, na matriz do
catolicismo, em referendos sobre o divórcio (1974) e o aborto (1981). Para
surpresa de muitos, o bloco laico liderado pelos comunistas saiu-se vitorioso
em ambos os casos.
A
opção por seguidas concessões à escalada religiosa é a placenta onde se
alimentam personagens como Marcos Feliciano. Quando a laicidade não é mais
defendida a ferro e fogo, a própria democracia fica sob ameaça. O fechamento
das reuniões da Comissão de Direitos Humanos, determinada por Feliciano, é
apenas outro sinal dos riscos que envolvem a criação de jacarés no tanque.
Breno Altman é jornalista e
diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.
Infelizmente essa "onda" conservadora vem ganhado combustível dos dois lados. PT e PSDB são tão parecidos que, no caso do Feliciano, por exemplo, nenhum dos dois tomou partido.
ResponderExcluirNão há oposição representativa no Brasil. Há dois partidos de centro que se opõem muito mais por ego do que por ideologias diferentes.
O PSDB ainda tem o agravante de ser o partido do Deputado João Campos, autor da nefasta PEC 99/11 que quer destruir a laicidade do Estado Brasileiro.
Ou a opinião pública e os movimento sociais se levantam para defender o progresso humanista da nossa sociedade, ou seremos todos esmagados em nosso silêncio.
Gostei do seu blog, visitarei sempre que puder.
Aproveito para divulgar o meu, onde o último texto fala desse levante podre do fundamentalismo religioso no Brasil. http://espaguetevoador.blogspot.com.br/
Um abraço!