Via - O Treco Certo
Quando o Brasil era colônia, tomar banho de mar era uma atividade, digamos, inusitada. Por uma série de fatores, principalmente religiosos, os europeus não eram adeptos da prática. Ninguém considerava costumeiro, nem civilizado, lagartear na areia até 1817.
Mas, naquele ano, o rei dom João VI faria um mergulho na Praia do Caju, hoje um lugar degradado na zona portuária do Rio de Janeiro. O monarca estava com a perna infeccionada por causa de um carrapato e seguia orientações médicas. Sem querer, ele inaugurou o costume que hoje lota as praias de banhistas e vendedores de queijo coalho.
O problema com o banho, acredite, vinha desde a Idade Média. As pessoas daquela época achavam que se banhar era uma prática de vaidade e luxúria, já que era preciso estar com o corpo nu. Em outras palavras, acreditavam que era pecado. Houve até leis que proibiam as pessoas a tomar mais de um banho por ano. O rei Dom João VI, que era católico fervoroso, obviamente era contra os banhos. Porém, ele foi obrigado a ceder por causa da ferida infeccionada.
Os médicos, no final do século XVIII, começaram a recomendar os banhos de mar porque o sal da água ajudava na cicatrização de ferimentos. Na França e na Grã-Bretanha, distintas senhoras já tomavam seus banhos para curar doenças físicas e até psíquicas. As teorias sobre o benefício do banho de mar eram a última palavra na medicina da Europa. A ideia de que a água – sobretudo a água salgada do Canal da Mancha – era um santo remédio veio de uma teoria do médico e religioso inglês John Floyer, nos primeiros anos do século XVIII.
Além de criticar a igreja por modernizar a cerimônia do batismo (que virara um mero espirro de gotas na testa), o doutor Floyer acreditava que o mar tinha poderes milagrosos até para paralíticos. Sua obra a História do Banho Frio, que explicava suas teorias, foi publicada em dois volumes, em 1701 e 1702.
A partir de então, veio uma enxurrada de publicações com métodos de tratamento usando a água do mar e o sal marinho. Os médicos de Dom João decidiram tentar, e a receita deu certo: o monarca curou-se, e com o sucesso do tratamento, os banhos atraíram a corte portuguesa que tinha fugido para o Brasil, com medo das tropas de Napoleão.
O traje de banho usado por dom João VI não era nada convencional, nem mesmo para a época. O rei de Portugal tinha medo dos caranguejos e só aceitou entrar na água dentro de um barril. O recipiente que lhe serviu de roupa tinha o fundo tapado. Na lateral havia um pequeno buraco, por onde a água entrava. Conforme as exigências do monarca, apenas suas pernas podiam ser molhadas…
Logo surgiram as primeiras casas de banhos terapêuticos, que ofereciam aos banhistas piscinas com água do mar e locais para se trocar e guardar as roupas, Em um anúncio de 2 de dezembro de 1811, do jornal A Gazeta do Rio de Janeiro, uma casa de banho oferecia seus serviços por 320 réis, o dobro do preço de um ingresso do Circo Olímpico, o principal da cidade.
O fato é que demorou muito para que o banho de mar não fosse visto como algo impuro, ou que afrontasse a religião. Lentamente, as pessoas sem recursos e que não podiam pagar o ingresso às casas de banho começaram a frequentar a praia. Inicialmente, as senhoras banhavam-se de madrugada, para não serem vistas. Mas não demorou para que as pessoas começassem a ir durante o dia, mesmo.
A preocupação do governo e dos banhistas com a falta de pudor nas praias era enorme. As regras eram rígidas.
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Trajes de banho do começo do século XX |
Em 1917, por exemplo, o prefeito carioca Amaro de Brito regulamentou os horários de praia. De 1° de abril a 30 de novembro, podia-se entrar na água das 6h às 9h e das 16h às 19h. No verão, das 5h às 8h e das 17h às 19h. Quem fosse pego em outros horários era punido com multa ou cinco dias de cadeia.
Com essa “flexibilização” do banho de mar, logo o Rio de Janeiro adotou uma nova moda em voga na Europa: as cabines de banho.
Os trajes que as mulheres usavam eram discretíssimos, e a primeira mulher a vestir um maiô de peça inteira, colado ao corpo, foi a campeã de natação Annette Kellerman. Kellerman ficou famosa por defender o direito de as mulheres usarem maiôs de uma peça, o que era um escândalo na época. De acordo com um jornal australiano, “No início de 1900, as mulheres usavam pesadas combinações e calças quando nadavam. Em 1907, no auge de sua popularidade, Kellerman foi presa em Massachusetts, por atentado ao pudor – ela estava usando um de seus maiôs de uma peça.”
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A popularidade de seus maiôs de uma peça resultou na sua própria linha de roupas de banho para mulheres. Os maiôs “Kellermans”, como eram conhecidos, foram o primeiro passo para as roupas de banho femininas modernas.
A evolução das roupas de banho femininas seguiu as mudanças de costumes. O banho de mar já não era uma atividade “pecaminosa”, mas uma atividade saudável, e que exigia trajes mais confortáveis e que não abafassem tanto sob o calor do sol.
Tudo ia bem, até que, em 1946, o francês Louis Reard chocou o mundo ao mostrar dançarinas de cabaré com o umbigo à mostra, vestidas apenas com a sua invenção, o biquíni. Foi outro escândalo, como o de Kellerman décadas antes.
Quinze anos depois, a polêmica chegou ao Brasil: o biquíni foi proibido nas praias nacionais pelo pacote moralista do presidente Jânio Quadros, que vetou também corridas de cavalo, rinhas de galo e o lança-perfume. Mas a moda já tinha pego por aqui fazia tempo.
Em 1964, a novidade foi o monoquíni, que foi criticado pela Igreja mas apoiado por Roberto Carlos em “Eu sou fã do monoquíni”. Apesar do lobby do rei, o monoquíni foi uma tentativa de resposta à cultura de repressão ao corpo. Por aqui, chegou a ser vendido em algumas lojas do Rio, mas a peça só fez muita polêmica e nada de sucesso.
Pra quem não conhece (eu não conhecia), o Roberto Carlos assadinho:
Mas a vida continua. O banho de mar, hoje, é uma atividade democrática e que reúne, na areia, adultos, crianças e – em algumas praias – cachorros. Mas nada mais choca os olhos das pessoas, que convivem agradavelmente debaixo do sol.
Fontes:
odiarioimperial.blogspot.com.br
Wikipedia
magnusmundi.com
Ana Carolina Delgado – Licenciada em Relações Internacionais, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Residente em La Paz, Bolívia.
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