POR QUE PRECISAMOS CONVERSAR SOBRE GÊNERO NAS ESCOLAS?



Por Robson Freire Via Caldeirão de Ideias


Olá amigxs

Eu tenho visto diversos embates sobre se devemos ou não falar/debater/ensinar sobre gênero nas escolas. Desde quando nascemos, somos ensinados o que podemos ou não podemos fazer de acordo com nosso gênero. O doutrinamento de gênero começa com as cores dos enxovais, os brinquedos que ganhamos de presente e o tipo de roupa que nossos pais nos dão para vestir. Mas primeiro vamos falar sobre o que está causando tanta confusão.

Para começar a falar sobre gênero tem um artigo da Georgiane Garabely Heil Vázquez, intitulado Gênero não é ideologia: explicando os Estudos de Gênero lá no portal Café História, que é maravilhoso. Primeiro que lá ela explica que não é ideologia de gênero, que é estudo de gênero. Mas deixa ela explicar isso aqui para vocês:

“A expressão “ideologia de gênero”, que tanto tem sido empregada nos dias de hoje para criticar os Estudos de Gênero, não é uma categoria acadêmica ou um objeto de pesquisa. Como vimos, os pesquisadores e pesquisadoras que se dedicam o entendem justamente no contrário: que gênero não é uma ideologia. Para eles, a expressão “ideologia de gênero” é estranha, uma anomalia. Quem fala (e muito) em “ideologia de gênero” são os movimentos conservadores – muitas vezes com explicações falsas e sem fundamento”

Entendeu isso primeiro, né? Então vamos em frente. Hoje em dia, pesquisadores ou pesquisadoras dos Estudos de Gênero, que estudam e problematizam essa temáticas vêm sofrendo uma série de ataques (alguns, violentos) por uma minoria ruidosa e violenta (que tem o apoio na mídia) que se opõem ao debate civilizado sobre a temática de gênero. O caso da boneco com rosto de Judith Butler que foi incendiado em protesto, durante uma palestra dela, onde teve palavras de ordem do tipo “Queimem a bruxa!” e a agressão sofrida por ela quando já ia embora no aeroporto são algumas dessas aberrações.


Diversidade e respeito são questões importantes na perspectiva social dos Estudos de Gênero.
Foto: Pixaby.



A maioria que grita contra o estudos de gênero, não sabe nada sobre o tema. Não faz a mínima ideia do que seja e fica repetindo aquilo que o galo (cego) das redes cantou e ele feito papagaio também repete acrescentando a sua pitada de ódio, violência e intolerância, sem ao menos se dar ao trabalho de pesquisar no Google o que seja Estudos de Gêneros. Outro trabalho/artigo muito bom que fala sobre o tema, mas que dá um toque político ao tema e o Gênero, Identidade e Espaço Público da Verônica Urrutia. Tem um trecho que quero mostrar aqui que fala assim:
“Talvez uma das frases mais citadas da literatura feminista seja aquela com que Simone de Beauvoir inicia o seu famoso livro de 1949, O segundo sexo: “Não se nasce mulher: torna-se mulher.” A afirmação tenta, segundo a leitura que dela faz Judith Butler (1987), reconhecer o caráter de escolha pré-reflexiva do gênero, como modo de viver o corpo num mundo de estilos corporais já estabelecidos, definidos segundo regras, tabus e sanções. O corpo é a realidade de início, e só depois vem o gênero, como atividade originante que acontece sem cessar, um ato diário de interpretação e reconstrução. A escolha seria um ato espontâneo e tácito do que na teoria sartriana que influenciara Beauvoir se chama de “quase conhecimento”; é, diz Butler, um ato não inteiramente consciente mas apesar disso acessível à consciência – o tipo de escolha que fazemos e só muito mais tarde entendemos que fizemos.“





Há uma extensa literatura sobre o assunto que eu vou deixar aqui algumas sugestões e links imprescindíveis para qualquer um que queira saber mais sobre o tema. O primeiro é a o texto 18 textos essenciais para estudos e pesquisas sobre gênero e sexualidade (com direito a link para baixar os textos/livros sugeridos) da Julieta Jacob, que é jornalista, educadora sexual e mestre em Direitos Humanos pela UFPE , do blog Erosdita que aborda o sexo e a sexualidade de forma leve e informativa (os vídeos do blog no canal no Youtube são maravilhosos).






A segunda indicação é da Silvana de Souza Nascimento, que é professora do departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, e que indica 5 obras clássicas sobre os estudos de gênero (esses sem links para download). E a terceira e última indicação é outro trabalho maravilhoso intitulado Do feminismo aos estudos de gênero no Brasil: um exemplo pessoal da Mariza Corrêa, Professora do Departamento de Antropologia do IFCH/Unicamp e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero – Pagu, que faz um percurso pessoal e bem linear do movimento feminista no Brasil.




Eu dei essa volta toda e ainda não falei sobre o porque da importância de se discutir/debater/falar abertamente sobre gênero na escola. A questão é muito simples: falar de gênero na escola é exercitar a cidadania para o reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres. Acredito que pouco importa se nascemos em um corpo definido geneticamente sexado como fêmea ou macho: temos o direito de habitar nossos corpos como desejarmos sem medo de violência e discriminação. PONTO. Atitudes homofóbicas e transfóbicas ainda estão, infelizmente, profundamente arraigadas em todos os cantos do planeta expondo lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) de todas as idades a flagrantes violações de direitos humanos e a todo tipo de violência física real ou simbólica.




A escola é um espaço não só para ensinar letras e números, mas também para promover cidadania; e, nesse sentido, deve ser um espaço acolhedor, democrático e inclusivo, onde estudantes aprenderão que é possível o convívio com a diferença longe da violência e opressão. Uma escola que promova a igualdade de gênero não é uma escola que ensina crianças e adolescentes a serem gays ou que ensinam sexo de maneira inapropriada para as diferentes faixas etárias. É espaço pedagógico no qual se aprende que sexo é muito mais que natureza ou biologia, é também regime político da vida. Por isso acreditamos que a escola é lugar para o ensino do respeito mútuo. Isso não significa que a escola disputará com a casa ou a igreja – há valores morais que aprendemos e ensinamos em nossa vida privada.




Mas é principalmente na escola que convivemos pela primeira vez com os diferentes de nós: as crianças verão que há diferentes cores, religiões e modos de se apresentar no mundo. Uma escola que promova igualdade de gênero será também espaço para todos e todas e, quem sabe em um futuro bonito, terá a potência de formar uma sociedade livre do ódio, violência ou perseguição. Acredito que o espaço escolar deve promover a igualdade. Se há razão em dizer que ninguém nasce mulher, mas torna-se mulher, também diremos que ninguém nasce homofóbico, transfóbico ou agressor de mulheres. Há uma socialização do gênero, uma pedagogia dos corpos. Não há isso de natureza masculina, a qual condiciona homens com pênis a serem provedores, fortões ou gostar de mulher; ou, então, natureza feminina, que condiciona mulheres com vagina a serem mães, delicadas e boas esposas de homens.




Existe todo um aparato opressor de precarização de mulheres e dos que vivem fora da norma, o tal fora do PADRÃO HÉTERO NORMATIVO. A rua é um espaço perigoso às mulheres que têm medo de serem estupradas por um desconhecido ao andarem desacompanhadas, mas a casa também está longe de ser espaço protegido para aquelas que sofrem violência de seus pais ou companheiros. Homens e mulheres trans ainda lutam pelo direito a um nome diferente do que receberam ao nascer, mulheres morrem por abortos clandestinos, a população LGBT sofre violência todos os dias pelo simples fato de serem gays, lésbicas, transexuais, bissexuais ou travestis. Tem toda uma luta das mulheres contra uma sociedade patriarcal e contra o machismos, que mata mulheres (feminicídio) diariamente, basta citar o caso mais recente da Remis, estudante de Pedagogia da UFPE que foi morta e enterrada pelo namorado no quintal de casa. Esse caso ainda tem um agravante muito sério que foi a omissão e a mais completa negligência da polícia em tentar resolver o caso. Se não fosse a garra e a determinação das amigas e alunas da UFPE o caso não teria seria sido resolvido e que ia virar apenas mais uma mulher desaparecida. Mais um crime sem solução. Um número a mais na estatística da morte de mulheres.





Vou terminar indicando dois textos muito bons sobre o tema do porque ensinar gẽnero nas escolas. Um é o do site Justificando e o outro da Revista Fórum.

Bem, o mundo muda a partir de nós. Se eu mudar o mundo muda. E na mudança do mundo um futuro muito melhor é possível. E como toda mudança começa primeiro em casa e depois na escola. Por isso vamos começar a mudar o nosso jeito de olhar o mundo e de ensinar nossos filhos para que a humanidade tenha uma chance no futuro.

Abraços

Robson Freire

Obs.: As imagens utilizadas na postagem são os cartões premiados pela ONU no 1º Concurso de Arte de Cartões LGBTI por ocasião da campanha da ONU chamadaLivres e Iguais”, que tem por objetivo aumentar a conscientização sobre a violência e a discriminação homofóbica e transfóbica e promover um maior respeito pelos direitos das pessoas LGBT, em todos os lugares do mundo. (podem ser vistas aqui também todas as imagens premiadas na página do Facebook da ONU)


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O ACNUDH lançou ainda uma cartilha sobre o tema, também disponível em português por meio de uma parceria com o UNAIDS no Brasil.

O livro, de 60 páginas e com o título “Nascidos Livres e Iguais”, foi concebido como uma ferramenta para ajudar os Estados a compreender melhor as suas obrigações e os passos que devem seguir para cumprir os direitos humanos de pessoas LGBT, bem como para os ativistas da sociedade civil que querem que seus governos sejam responsabilizados por violações de direitos humanos internacionais. Acesse aqui a publicação.





A ONU tem outros trabalhos muito importantes no apoio das causa e criando uma rede de proteção e informação as pessoas da causa LGBTI. Tem uma Cartilha informativa sobre a Proteção de Pessoas Refugiadas e Solicitantes de Refúgio LGBTI, que é uma publicação conjunta da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e do Escritório do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos (ACNUDH), no marco da campanha Livres & Iguais da ONU no Brasil. A publicação tem o objetivo de promover o acesso à informação para esse grupo de pessoas e sensibilizar comunidade de acolhida, buscando elucidar quem são essas pessoas, quais são as dificuldades e desafios que elas enfrentam, assim como mostrar quais são os caminhos para melhor as acolher e proteger.






Tem também um manual da ONU sobre direitos LGBT incentiva cultura de inclusão nas empresas, que foi feito a partir de histórias reais de pessoas que sofreram discriminação no ambiente profissional, o manual Construindo a igualdade de oportunidades no mundo do trabalho: combatendo a homo-lesbo-transfobia oferece diretrizes para a promoção dos direitos humanos de pessoas LGBT no mundo do trabalho. Esse documento é fruto de uma construção conjunta entre organismos da ONU (PNUD, OIT e UNAIDS) e 30 representantes de empregadores, trabalhadores, governo, sindicatos e movimentos sociais ligados aos temas LGBT e HIV/AIDS.





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