No primeiro dia de discussão do Pacotaço de Pezão na Assembleia Legislativa do Rio, o Batalhão de Choque da Polícia Militar fez aquilo a que está acostumado: reprimiu violentamente a manifestação com bombas lacrimogêneas, jatos d'água, gás de pimenta e balas de borracha. A diferença dessa vez foi que, entre os servidores estaduais que manifestavam, havia bombeiros, servidores da superintendência penitenciária e muitos policiais - civis e militares.
Após a repressão, muitos desses policiais/manifestantes, feridos e armados, voltaram, na cara da tropa, para reclamar da ação de seus colegas da Polícia Militar. Sob pressão da multidão, pelo menos dois PMs deixaram seus postos. Eles não quiseram se identificar para a imprensa.
"Puta que pariu, a Tropa de Choque é a vergonha do Brasil!" foi um dos gritos ouvidos pela multidão que participava do ato nessa tarde.
Também sob extrema pressão dos servidores, que entoavam cânticos de crítica à atuação da PM, o próprio coronel João Fiorentini Guimarães, comandante da operação, subiu numa pedra e pegou o megafone para propor uma trégua entre as partes. Ele alegou que não poderia deixar ninguém entrar na Alerj para que "a anarquia não seja decretada".
Se a anarquia for decretada aqui, todo mundo que está em volta dessa comunidade que está fora da lei, que tem armas, que tem fuzil e que nos caça na rua vai descer e falar 'acabou a ordem no Rio de Janeiro', aí eu vou morrer e vocês vão morrer. Faltam 4 anos para eu ir para casa. Daqui a 4 anos, eu não vou ter salário e vou estar na mesma situação dos senhores, mas eu não posso deixar a anarquia se instalar nesse Estado. O que eu proponho aqui: se nós continuarmos nos enfrentamos, vamos nos dividir. Não há interesse nenhum em brigar com vocês.
Se une ao povo e prende os corruptos!, gritou alguém da multidão
O coronel prosseguiu:
Não estou mandando ninguém embora. Eu só tô pedindo o seguinte: vocês permanecem onde estão, a minha tropa permanece onde está. Eu cesso as hostilidades, os senhores cessam as hostilidades. Vamos viver hoje para lutar amanhã.
A maioria do público aplaudiu o comandante. A trégua foi aceita. Na saída do púlpito improvisado, a reportagem indagou Fiorentini: "foi uma decisão sua, coronel?"
Foi uma decisão minha. Assumo a responsabilidade. Sou coronel da PM, não sou omisso. O que não posso ter é servidores enfrentando servidores. Temos muito a negociar. Todos aqui estamos no mesmo barco. Eu posso perder meu comando, o que for. Mas eu não vou perder minha dignidade e minha honra.
EXCEÇÃO
A situação atípica mostra o peso que servidores da segurança podem ter sobre as decisões da Polícia Militar. Na semana passada, o coronel Rodrigo Sanglard foi exonerado pelo governador apenas um dia após deixar de impedir que servidores da segurança ocupassem as dependências da Alerj. Nesta quarta, foi comum ver policiais/manifestantes com dedo em riste para policias em serviço. Foi o caso do policial civil Álvaro Luís, há 30 anos na corporação.
Tô reclamando porque sou colega e estou brigando por eles e, porra, os caras tão dando tiro de borracha em cima. Olha minha perna aqui. Aí eu falei para eles: 'quem deu, dá agora de frente, cara a cara, porque eu também tô armado, porra'. Nem por isso meti a mão na arma para dar tiro neles! Precisa dessa porra dessa covardia?
Aqueles que deixaram o cordão para juntar-se à manifestação foram presos administrativamente.
A GRADE, A REUNIÃO, O PROTESTO E A COVARDIA
Todos sabiam que esta quarta-feira seria tensa nas imediações da Alerj. O Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (o MUSPE) convocou o ato para pressionar os deputados estaduais que começaram a analisar o Pacotaço do governador Luiz Fernando Pezão, que, entre outras coisas, arromba os salários dos servidores da ativa e da inativa em até 30%, termina com as promoções por triênio, limita o gasto com Bilhete Único, extingue os programas Restaurante Popular e Aluguel Social.
A tensão era tanta que, desde o fim de semana, grades foram levantadas ao redor da Alerj. No final da manhã de hoje, enquanto a manifestação começava do lado de fora, representantes de sindicatos dos servidores se reuniam com o presidente da Assembleia, o deputado Jorge Picciani (PMDB) e um colégio de líderes. Entre os servidores, estavam professores, profissionais da saúde e da cultura, bombeiros, policiais civis e militares e ainda da Superintendência Penitenciária.
O sub-tenente do Corpo de Bombeiros Mesac Eflaim esteve na reunião e disse que conseguiu da boca de Picciani a promessa de que as medidas polêmicas serão votadas apenas no mês de dezembro e, ainda, que a assembleia irá se resguardar com a procuradoria do Estado sobre a constitucionalidade de todas as decisões.
Do lado de fora, o clima esquentou a partir do meio-dia, quando os manifestantes derrubaram a primeira das duas grades colocadas em frente ao Palácio Tiradentes. Segundo o comandante Fiorentini, a ordem de repressão veio após a tentativa da derrubada da segunda grade. Houve correria por todos os lados. A polícia disparou balas de borracha que acertaram, pelo menos, dois policiais civis. Um deles no braço e outro na perna. Além disso, um gás lacrimogêneo especialmente forte também pode ser sentido. Muitos choraram e mesmo vomitaram. Algo ainda incomum no Rio, jatos d'água foram disparados por um imenso furgão que lembra um caveirão.
Quando a temperatura baixou, os manifestantes retornaram para perto dos policiais, até que o comandante propôs a trégua. Os manifestantes voltaram, então, a tomar as escadarias e gritaram pelo impeachment do governador. Representantes de sindicatos subiram ao carro de som dizendo que, nesta quarta, não haveria votações polêmicas, apenas votação para baixar o salário do governador, seu vice e secretários (medidas que também fazem parte do pacote). Um servidor, em cima do carro, encerrou:
Se é para votar a diminuição do salário deles, foda-se, que votem!
ATÉ ONDE VAI A TRÉGUA
O ato de hoje mostrou o poder de negociação e comoção da própria PM quando entre os manifestantes estão seus 'colegas', generosidade não vista em demais manifestações organizadas por movimentos sociais. No último ato no Rio de Janeiro, realizado no dia 11 de novembro, contra a Proposta de Emenda Constitucional que congela os investimentos federais em todas as áreas, inclusive saúde e educação pelos próximos 20 anos, fotógrafos e manifestantes foram violentamente agredidos pela PM, como mostra o vídeo abaixo:
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